Volume 1 – Arco 2
Capítulo 21: Água e Gelo
— Esse verme… desligou bem na minha cara! — Nanavit observou a carta flutuar até sua mesa, completamente apagada.
A jovem de cabelos rosados agarrou os braços de sua cadeira com muita intensidade, até que as veias saltassem em seus dedos. Mesmo que ela não tivesse força o bastante para quebrar algo.
Estava diante de uma grande janela que dava vista para uma extensa cidade com arranha-céus; painéis de propaganda brilhantes espalhados para lá e para cá. Um contraste que beira o impossível em comparação à capital de Arquoia.
Ao lado dela, outras duas figuras estavam de pé, elas se entreolharam.
— Gi, estou preocupado com você tendo que lidar com os novos membros da Elite…
— Tanto faz, cara. Aliás, não é, tipo, a segunda vez que organização tem algum candidato novo em uns vinte anos?
— Pelo que eu sei… parece que tivemos outro candidato há uns seis anos, por aí.
Fiiiuuuí!
O homem assoviou bem alto com os dedos, e pareceu olhar para frente, desligado do mundo ao seu redor.
— Ai! Meu ouvido! Ei, IIsaac, ele já te contou por que ele faz essas coisas esquisitas?
— Imperatriz. Acredito que seja algo relacionado a uma espécie de tela metafísica presente apenas para ele. Um misticismo fascinante, de verdade.
Nanavit se levantou, sem virar para trás. Ia em direção ao elevador do andar máximo daquele prédio.
— Imperatriz…
Nanavit parou e suspirou, como se já soubesse o que estava por vir.
— Sabe, eu não consigo visualizar Aura como os outros usuários de misticismo. Mas eu sinto uma preocupação em você…
— Vá direto ao ponto, IIsaac.
De todo modo, a pergunta ainda a pegou de surpresa:
— Quem é Cálix?
A imperatriz suou frio. Seu coração palpitou em uma confusão mista de alívio e ódio. Ela se virou para a entidade, que estava contra a luz, impedindo a moça de ver os traços de seu rosto.
IIsaac não conseguia ler as emoções dela com a precisão que desejava. Estava em um espectro muito intrigante de felicidade e desdém.
— Cálix… é um verme que sobreviveu. Só isso — disse Nanavit com um sorriso doce e voz suave.
Ela recobrou a postura e desfilou elegantemente até o elevador, observou as portas se fecharem enquanto seus dois colegas estavam parados. IIsaac virou-se para a janela e disse:
— Faremos uma reunião com os outros membros d’O Círculo em breve.
Nanavit fitou seu próprio reflexo no espelho do elevador, incapaz de se conter, admirou a própria beleza: os longos cabelos rosados. Os olhos brilham em dourado. Era como a imagem de uma semi-deusa moderna.
Ela olhou o painel de notícias de canto de olho:
“A Imperatriz Sol completará seus 19 anos em breve! O que esperar da comemoração exuberante de nossa amada líder.”
“A Organização Global de Clérigos e Sacerdotes se mantém persistente nas tradições de envio de emissários para fora das fronteiras de San-Solaris. O Magistrado Alexei fará uma reunião com os anciões…”
“As novas ferramentas meteorológicas do chefe de Pesquisa e Desenvolvimento, IIsaac, detectaram a formação de uma enorme tempestade no sudoeste do continente. Especialistas dizem que pode se tratar de um fenômeno místico pelos vizinhos do reino de Arquoia, além das cordilheiras do sul”
— Zaltan…
A tempestade ficava cada vez mais intensa. Talyra ainda tremia um pouco de medo e de frio.
Diante de todos, jazia o corpo de Jasmyne: a xamã que tentou matar a bebê… e morreu tentando protegê-la.
Antes de saírem do navio, os pequenos dragões fugiram, se fundindo na enorme besta que estava do outro lado do mar. Aquela era uma luta para Milene e Mirele.
A maga sentiu uma mão em seu ombro. Era Lâmina, sua palma fria como nunca, ele havia finalmente agarrado sua espada de aço. Coberta de gelo e da sua Aura.
— Talyra, não se preocupa. — Lâmina deu um passo à frente, o chão do mar se congelou apenas com sua presença — Todos! Eu vou protegê-los, fiquem atrás de mim.
— Você disse o mesmo no vilarejo antes de receber as boas-vindas do Wendigo…
Mas a situação era bem diferente agora.
Lâmina empunhava sua espada desde o início. Com os treinos que fez com Heinrich e Mirele, ele finalmente conseguia conter parte de sua Aura bruta dentro da espada sem destruir ela.
Cálix parecia ter entrado em um transe, ele sussurrava orações para si enquanto clarões de uma luz dourada pairavam sobre sua cabeça.
— Vaia. Tem algo que notei
— Pode falar, querida.
— O homem louro está sendo afetado por algum tipo de misticismo externo, a Aura perto da cabeça parece esquisita; ele está são, mas tem algo de estranho…
“Querida…?” pensou Talyra
Vaia temia que não pudesse fazer nada naquele momento, apenas Lâmina estava disposto a lutar.
— Já estou farta de mortes… Mas se eu tiver que proteger a criança, eu vou lutar com todas as minhas forças!
A jovem ainda estava sendo atiçada pela forte Aura de Lâmina e de Zaltan, o que a fazia ter dores de cabeça e uma tontura constante. Por estarem longe da bebê, as propriedades demoníacas de Vaia pareciam desabrochar.
Enquanto isso, Lâmina tentava analisar a postura de Zaltan. O rei colocou o corpo de Jasmyne no chão de maneira muito cuidadosa e o incubou em uma bolha de água.
— Não tenho tempo a perder com vermes.
Ele fechou o punho, apontando para o espadachim. Do oceano, diversas estacas de água emergiram em disparos, tentando perfurar Lâmina.
O punho de Zaltan ficou pesado e seus dedos começaram a doer. Antes dos espinhos acertarem o jovem, eles já estavam congelados. O rei olhou surpreso, agora ele sabia que não seria uma luta tão simples assim.
Lâmina brandiu sua espada e cortou as estacas congeladas. Agarrou as que conseguiu e atirou-as na direção de Zaltan.
O mesmo se defendeu rapidamente com um escudo. Zaltan impulsionou água na sola de suas botas, lançando-se na direção de Lâmina, ele formou uma ponta de água ao redor de sua cabeça como um espiral para servir seu corpo todo de projétil.
Seu objetivo não eram os jovens, mas sim a bebê que estava no barco, em algum lugar lá dentro.
O espadachim não conseguiu realizar um contra-ataque a tempo, decidiu usar a espada para bloquear a investida de furadeira de Zaltan. A água ao redor do rei se congela, fortalecendo seu ataque ainda mais.
Lâmina não conseguiria resistir por muito mais tempo, estava usando todas as suas forças para manter sua postura.
— Talyra! Fique longe! — gritou Vaia. Ela correu na direção de Lâmina, sem hesitar nem por um segundo.
Antes que Zaltan e sua investida persistente pudessem ganhar contra o corpo de Lâmina, a moça desfere um chute no espadachim, lançando ele para fora do trajeto de Zaltan.
Infelizmente, ela perdeu a perna no processo.
— Vaia! — exclamaram Lâmina e Talyra
Para a moça, aquilo não doía, pelo contrário, o que deveria ser dor apenas fortalecia a vontade de Vaia de se libertar ainda mais. Mas pelo bem das pessoas ao seu redor, ela não poderia perder o controle. Segurar seus próprios instintos era uma dor insuportável.
Zaltan realizou uma reação rápida, ficou de pé e já usou uma de suas mãos para prender os três membros restantes de Vaia, perfurados por mais estacas de água.
Lâmina tentou um ataque por trás, mas Zaltan fez uma barreira que congelou quase instantaneamente.
Usando o dedo indicador da mão que prendeu Vaia, Zaltan subiu um tentáculo de água que começou a soltar um jato de água pressurizado.
Ele descia o dedo para a cabeça de Vaia, lentamente. Quanto mais a mulher se preparava para segurar os impulsos, mais difícil era de conter os já existentes. Ela poderia até não morrer. Mas não poderia garantir a sobrevivência daqueles que importam para ela. Daqueles que a aceitaram.
O dedo de Zaltan desceu lentamente, e ele olhava com nojo para Vaia.
— Os caçadores de monstros não conseguiram te matar ainda? O que você é afinal? Parece uma mistura demoníaca de tudo de mal que o misticismo produziu.
Talyra não conseguia se mexer, ela via Zaltan bloquear todas as tentativas de ataques de Lâmina. O mesmo se esforçava para atingir o rei, mas nunca conseguia, as barreiras de gelo ao redor de Zaltan pareciam ficar impenetráveis.
Ela olhava nervosa para o jato de água de Zaltan, não conseguia fazer nada senão olhar para a cabeça de sua colega ser dividida ao meio.
Pow!
O tentáculo com o jato de água se desfez, no lugar do dedo de Zaltan, estava um cotoco em uma mancha vermelha. Com o pedaço de carne quicando no chão do mar.
— Nrgh! Droga!
— C-Cálix…? — disse Talyra
A maga se virou para o lado, nada estava diferente, não houve transformação nem o uso de um ataque de misticismo. Cálix segurava o que parecia ser um mosquete pequeno e todo rosa.
O jovem assoprou o cano e engatilhou a pistola:
— Convencer meu deus a me deixar usar isso foi um perrengue. Você nem imagina, Lily. — Cálix estava com um semblante debochado e fitou Zaltan com uma bufada provocativa
— Q-Que arma é essa?! — resmungou Zaltan, ele segurava sua mão com o dedo decepado, tentando estancar o sangramento com a água do mar, que só fazia aquilo arder ainda mais.
— Lâmina, ganhar desse cara vai dar um trabalhão. Consigo fornecer suporte, mas o resto é contigo!
“Pirralho desgraçado, esse seu brinquedinho veio às custas da perna da Vaia!” pensou Lâmina.
Ele contornou as barreiras de gelo em torno de Zaltan e brandiu sua espada. O feiticeiro fez uma bolha para se defender em uma manobra desesperada.
Zaltan sentia-se pressionado por uma força esmagadora, ele não era particularmente fraco fisicamente. Mas a pressão da Aura e a força de Lâmina eram demais.
Ele olhou para baixo, vendo que o chão abaixo dele estava congelando lentamente. Se ele tivesse uma escapatória, seria agora.
Zaltan liberou sua manipulação da água que estava abaixo dele e afundou no mar.
— Cadê esse desgraçado?! — gritou Vaia. O sangue jorrava de sua perna sem parar.
Lâmina correu até ela para a socorrer.
— Vaia, você está bem?! Seus ferimentos…
— Não ligue para mim! Ele vai pegar a bebê que está no navio!
Os olhos de Cálix brilharam, ele olhou para o oceano nivelado, conseguindo ver apenas seu reflexo, contudo, ao forçar a vista, ele viu um leve tom de branco em meio ao abismo cinzento.
— O cara até que é espertinho…
Pow! Pow! Pow!
Cálix agora segurava a arma com as duas mãos e atirava na direção de Zaltan, mesmo que a água turva pelas gotas de chuva dificultasse a vista.
— Acho que acertei alguns!
Mas Zaltan se movia de maneira muito apressada para o navio. Quando Lâmina começou a correr, todos já conseguiam ver o rei saindo da água e caindo no convés.
Vaia estava com lágrimas nos olhos, eles não queriam destruir seu único meio de locomoção trazendo a luta para o oceano, mas não conseguiam colocar a bebê em um risco tão grande.
Deixar ela no barco foi uma decisão ruim? Mas o que eles poderiam ter feito, além disso? Ela não tinha Aura, não aguentaria pancadas pesadas de uma barreira de Talyra ou a temperatura de uma cúpula de gelo de Lâmina.
E vai saber como os poderes de Cálix funcionam…
Mas não havia tempo para pensar no passado, Vaia tinha uma missão agora: proteger a bebê, custe o que custar…
— Lâmina… — o rosto de Vaia estava sério e sua voz, firme — Preciso de um favor que só vai funcionar com você. Lembra de quando eu me descontrolei em Fajilla?
— Do que você tá falando?
— Seu sangue… Se você me der só um punhado… eu consigo alcançar o barco, procurar a bebê sem Aura vai ser um pouco demorado.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios