Kapakocha Brasileira

Autor(a): M. Zimmermann


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 15: Diários de Bordo

O segundo dia de viagem foi certamente mais tranquilo do que o primeiro. Nenhum monstro marinho, tiros de canhão ou um espadachim matando dito monstro com uma espada cheia de Aura.

Eu tinha falado para Heinrich que ser má era da minha natureza, e sempre foi difícil viver desse jeito… Poxa, a entidade de meu misticismo é literalmente a representação do conceito que leva pessoas em guerras e crises diariamente.

Mas ele insistiu em meu bom comportamento durante a viagem, e estou disposta a fazer esse sacrifício por ele…

Algo que notei desde que vi esses jovens, é que eles certamente não se conhecem. Ainda não sinto que eles confiam em mim o bastante. Felizmente o barco de Heinrich é bem grande, por conta disso, decidi usar um ritual de segunda fase para ouvir as interações que ele tem.

Fiquei parada ao lado do leme enquanto Mirele ajustava algumas coordenadas e calculava o tempo de viagem já que o vento não estava forte. No convés abaixo, com a mesa do almoço já montada, Talyra e Milene pareciam estar engajadas numa conversa.

 


 

Milene estava pendurando as roupas em um varal na borda do navio. Principalmente roupas de Vaia — que teve suas malas bagunçadas pelos outros.

Talyra estava tomando anotações em seu livro, com os olhos brilhando de empolgação.

Uma caneta em uma mão e o livro na outra, a maga estava em uma página onde parecia começar a fazer escritas sobre os tipos de misticismos que encontraria no Velho Mundo.

— Me fala: quando foi que você usou seu misticismo pela primeira vez?

— Milene não consegue se lembrar… Desde sempre?

— Curioso… seu controle de Aura é muito bom pra alguém tão nova… Mas sua irmã gêmea não tem nenhuma… ela é uma desconexa.

— Milene sugere que você, maga, não fale da irmã — Milene fechou o rosto e cruzou os braços — Mirele acabou por sempre ser muito mais esperta que Milene

Se por essa lógica, Milene estivesse admitindo que não fosse muito inteligente, Talyra chegava a uma conclusão clara:

— Isso é muito estranho… Então Misticismo não está atrelado a inteligência e sim a talento bruto?

— Milene imagina que seja o caso

— Incrível… simplesmente fantástico — Talyra começou a escrever no livro de seu pai com ainda mais fervor — Sabe… bruxaria geralmente parte de um pacto feito entre um usuário de misticismo e uma entidade de grande poder…Você fez um pacto quando era tão jovem assim?

— Milene não sabe exatamente como funcionam os pactos de bruxaria, também nunca me comuniquei com essa entidade poderosa que a maga fala

— Que estranho…

— Mas e o seu misticismo? — Milene perguntou — Nunca vi magos por essas bandas…

— Sim, suponho que magos não sejam tão comuns assim no Velho Mundo. Eu tenho magia, mas, não gosto de falar dela

— Por qual razão?

Talyra coçou a cabeça.

— Sempre fui muito interessada no conceito de misticismo, mas, minha magia… é uma droga…

— Droga… — Milene fez um semblante confuso misturado com um pouco de nojo

— Manipulação da Aura e molde dela para formação de blocos e pedaços do ar com telecinese… Por isso minha ideia de magia é tão sem-sal. Sempre quis algo de talento, magia e força bruta, como a deles.

— De quem você está falando?

— Nada… esquece

A maga perdeu um pouco do brilho no olhar… Ah, como ela se sentia… O zero à esquerda…

Talyra puxou sua blusa, que estava um pouco suja. Milene perguntou se deveria estendê-la no varal também. A maga apenas responde:

— Não precisa. Eu tenho uma magia pra isso — disse, levantando o livro

— Milene está surpresa com suas coleções de magias

— Ah, não são minhas, são de meu pai

MIlene para de ajeitar as roupas e reforça os cabos do varal com sua bruxaria. Os fios ficam azuis assim como seus olhos. Um pouco de vapor sai das roupas molhadas.

— Milene acha que esse livro é uma baita bengala…

— O que você quer dizer com isso? Bengala?

Milene se sentou na borda do convés colocando as mãos para se apoiar enquanto falava com Talyra.

— Você tem vergonha da própria magia, se recusa a usar ela por uma concepção preconceituosa sua e ainda usa das memórias de seu pai para não passar dificuldades na vida independente.

— Hm?

— Escute o que Milene diz. Você ainda vai perder esse livro. Sabe… Milene não é a bruxa mais forte do continente, mas Milene nunca teve alguém para ensinar sobre como usar o misticismo dos fios. — Ela suspirou, antes de finalizar — Milene diria para você largar essa bengala enquanto pode. Se depender dos outros, vai ficar na fraqueza…

Talyra nem conseguia responder direito, ficou boquiaberta e sem palavras para responder MIlene. Não queria admitir que a bruxa de cabelos brancos tivesse sequer um pingo de razão.

A negação se transforma rapidamente em uma mistura de nervosismo com raiva, Talyra já estava gaguejando.

— A-As magias de meu pai não passam de uma conveniência que eu tenho, não tem problema usar elas!

— Ah, é?

Milene cria um fio que vai até o topo do mastro e volta, se conectando ao livro que Talyra segurava. Enrolou a linha azul no dedo, e, antes que a maga pudesse reagir, deu um puxão, fazendo o grimório ficar preso no topo da embarcação.

— Como vai limpar sua roupa agora?

Talyra nem havia percebido o sumiço do livro à princípio, quando notou que seu bem mais precioso havia sido tomado, seu coração palpitou e ela sentiu um calafrio pelo corpo.

— Hã?! Devolva… o livro do meu pai… Agora!! — exclamou a maga com um olhar sombrio.

Talyra pegou lentamente sua varinha.

— O que vai fazer para parar Milene? Você precisaria usar a magia própria que tanto despreza. Não vê? Esse livro é uma bengala

Quando Talyra saca sua varinha, apenas um pensamento ressoa por todo o corpo de Milene:

“Perigo…”

Milene sentiu um calafrio e cerrou o fio que prendia o livro, deixando a escritura de capa grossa fazer uma queda direta sobre Talyra, que não aguenta o peso de segurar o manuscrito enquanto caía.

Uff!

Talyra se virou para Milene, decepcionada e triste. Ela olhou para o livro do pai, agora, sem aquela ânsia de conversar sobre misticismo.

Milene colocou a mão no ombro da menina, com a intenção de consolar. A maga parecia entender, mas ainda percebe a birra que quase causou… de novo.

— Uhh… Mas, mudando de assunto. — A bruxa disse nervosamente — Milene está interessada nas técnicas de maquiagem da mulher monstro, mas tem medo de falar com ela. Há algo que a maga poderia compartilhar?

Talyra usava no máximo um delineado preto nos olhos, não podia nem se comparar com a maquiagem complexa que Vaia demonstrou mais cedo. No momento, a “aberração” estava fazendo um sono de beleza, com máscara, pepinos nos olhos e todos os caprichos.

— Desculpa… mas ainda não falei o suficiente com ela sobre isso — Talyra ainda estava um pouco incomodada pelo livro agora há pouco, mas decidiu responder de forma honesta.

 


 

A maga, usuária do misticismo com maior potencial existente… Não usa da própria magia? Como alguém assim vai defender aquela bebê…?

Mas… aquele momento em que ela pegou a varinha… Nah, deve ter sido coisa da minha cabeça.

Fiquei aqui o dia todo e não consegui ter mais nenhuma conversa interessante. O barco é muito grande e isso faz com que os jovens mal se comuniquem entre si. Ainda vão ter que trabalhar juntos... No entanto, tenho a ligeira sensação de que eles, de fato, conversam nos aposentos do navio, mas o meu ritual não consegue funcionar, estranhamente.

No jantar daquele dia, minhas suspeitas se confirmavam lentamente. Conversavam como nunca. Adorando compartilhar informações com Heinrich e suas filhas. Ora olhavam na minha direção, expressando desinteresse, medo ou raiva.

Mas eu não conseguia ouvir suas conversas de longe ainda.

 


 

No terceiro dia, Jasmyne espiava Cálix rezando na proa, assim era a rotina do jovem que se repetiria pelos próximos dias, no mesmo horário.

Como imaginado, por ser um clérigo, seu deus atendeu ao chamado. Com uma luz dourada vinda dos céus, ela cai sobre a cabeça do jovem, que havia colocado uma pequena chapa preta e rosa diante dos seus joelhos flexionados.

Jasmyne não sabia dizer o que era aquele objeto estranho, logo após Cálix finalizar a prece, ele agarrou a chapa e apertou um botão com o polegar.

Para a surpresa da Xamã, a parte preta da pequena chapa brilhou, e Cálix começou a olhar para ela fixamente.

“M-Mas o quê?!” pensou Jasmyne “Eu nunca estudei muito sobre Teurgia, o misticismo dos clérigos, mas eu jamais imaginaria as capacidades de tais poderes.”

— Espera — murmurou enquanto fechava os olhos e os massageava — isso não faz sentido, com certeza é uma função básica da Teurgia dele

Jasmyne olhou novamente para Cálix, agora, ele estava arrastando o dedo pela tela. Ele elevou o braço que segurava a chapa e pressionou ela com o polegar. Um rápido brilho saiu do objeto. Depois, ele voltou a mexer como antes.

“Que objeto é esse… O que é isso?” pensou a xamã

Heinrich andou até Cálix com as mãos no bolso.

— Você e esse negocinho de novo… Do que você chamava mesmo?

— Haha! É um celular, Heinrich — Cálix riu — sinceramente eu não conseguiria me imaginar vivendo sem um. Câmera, músicas, mensagens…

— Essas inovações do norte são muito interessantes

— Arquoia e os reinos do sul da cordilheira não tem essas coisas, né?

— Não, mas acabou que nunca foi um problema, o desenvolvimento das artes místicas é bom. De todo modo, devo dizer, essa definitivamente não era a ideia de um clérigo que eu tinha em mente.

— E qual era a ideia, exatamente?

— Sei lá, algo mais simplório, sandálias de couro, roupas de pano sem desenhos complexos nas roupas

— Na verdade — Cálix guardou o celular e começou a olhar para Heinrich — Essa é uma norma, mas apenas dentro das reuniões da O.G.C.S

— Espera, a tal organização de clérigos e sacerdotes existe de verdade?

— É claro que sim!

— Eu achei que era mais um calote seu para não pagar pela viagem até Fajilla…

— Eu já havia recebido a missão d’O Circulo, então,para poder atravessar a fronteira, vim até Arquoia como emissário da OGCS. Mas como a organização não é exatamente “amiga” d’O Círculo, tive que inventar essa desculpa para vir

 — Entendi…

Cálix voltou-se para o mar e apoiou os braços na borda da proa. Olhando para o oceano enquanto deixava seus cabelos serem levados ao vento.

— Ainda tenho assuntos para resolver no sul do continente, como dever de clérigo. Lá em Tzoldrich, já ouviu falar?

— Se já ouvi falar? É onde nasci! — disse Heinrich, radiante

— É sério?! Que loucura — exclamou Cálix com um sorriso

Ambos riram por um instante… uma vez que apenas o mar era audível, Cálix cortou o clima alegre.

— Me desculpa, pela minha atitude em Fajilla… — disse sem se virar

— Não precisa se desculpar, jovem… Eu conseguia ver sua frustração…sua ira

Heinrich sentia uma grande vontade de perguntar para Cálix a razão da sua raiva quando ele foi impedido de matar o capitão. Mas decidiu não tocar no assunto por parecer muito delicado…

— Além disso… eu estava tentando te matar! — caçoou Heinrich

— Tinha que se esforçar um pouco mais, tiozão… Ha!

— Ora, seu… Heh… se estava tão atento assim, então sabia que eu estava me segurando

— Claro que estava! No fundo, você gosta de mim. Igual você também gosta da Jasmyne… — Cálix fechou as mãos juntas perto do rosto e fez uma expressão de beijo caricata — Aiii~ sua preciosa sereia de cabelos louros…

“Do que ele tá falando?” questionou a xamã na distância

Heinrich ficou vermelho como um morango e deu um soco em Cálix, afundando o rosto na própria cabeça. Após isso,olhou ao redor.

Jasmyne, que estava na plataforma superior do leme, também corou e se virou para o mar, como se não tivesse acabado de ouvir aquilo.

— Ai!!... Ha.. haha! — Cálix massageou o rosto ferido e limpou o sangue do nariz

— Ah, Heinrich. Já se esqueceu? Eu sou o clérigo do amor! O poder provido pelo meu deus é literalmente fortalecido pela força da sensação dos outros.

— Então é assim que funciona? — Heinrich se acalmou um pouco — Como vai funcionar se começar a andar com seus outros amigos? Vocês não conversam muito pelo que percebo

— Somos muito diferentes, aí complica um pouco… Eu sinto que falta um objetivo em conjunto…

— A missão d’O Círculo não basta?

— A escolta da bebê vai nos dar as recompensas que queremos, uma vez que deixarmos ela no ponto de coleta d’O Círculo em Arquoia, vamos separar nossos caminhos.

— Mas eles são legais, você não acha?

— Claro, são bem diferentes, todos nós somos. Mas nos demos bem desde o primeiro dia

— E, por falar na bebê… onde está ela?

— Talyra e Vaia tomaram ela para alguns testes de Aura e para ver a saúde dela

 


 

A noite caía mais uma vez. No jantar dessa noite, eu tentaria ter a conversa que tanto ansiava com os jovens. Contar sobre minhas suspeitas das missões d’O Círculo. Cobras traiçoeiras… Nanavit, Egis, IIsaac… o exibido que nem queria falar o próprio nome, todos eles.

Eu fiz uma aproximação direta, sem amaciar o pão. Se eu não fosse desse jeito, jamais teria a coragem para falar com eles já que sabem o que fiz…

Ao que parecia, o espadachim ruivo ajudou Heinrich a pescar mais cedo, além da ajuda ao capitão Cahrazan, ele também cozinhou…

 


 

— Uhm! Cruzes! Quem cozinhou isso? — exclamou Cálix depois de soprar o vapor do peixe quente que comeu 

— Verdade, está tão gostoso… — Vaia colocou o dedo no queixo e revirou os olhos… — que até mesmo a Talyra não fez frescura e está comendo também!

Talyra estava comendo com os cabelos cobrindo o rosto junto da aba do chapéu. Estava com vergonha de dizer à eles sobre a conversa que teve com Milene, então decidiu comer pela primeira vez em muito tempo.

A maga estava muito desacostumada, tanto que nem se lembrava de como engolir e engasgou ao comer a primeira garfada de arroz.

— Eu, hein?! Se está tão ruim assim me passa seu prato — Cálix já estendeu os braços para o prato de Talyra

— Quem cozinhou foi o amigo espadachim de vocês — disse Heinrich — devo admitir, este é o melhor peixe que já comi, que não foi cozinhado por mim, sem ofensas…

— Sem problemas, senhor Cahrazan. Na verdade, é uma honra receber um elogio seu.

— Nah, o quê?! Foi o Lâmina?!! — Cálix arregalou os olhos — Cê tá mentindo, só pode…

Cálix olhou novamente para sua comida, parecendo um pouco arrependido de ter comido ela. Por outro lado, todos na mesa pareciam olhar para o espadachim com gratidão pela qualidade da comida.

— E qual é o problema? — Questionou o espadachim — Acha que eu envenenei a comida?

— Não, é que… Eu tenho problemas com a higiene… Nunca vi você tomar banho

— Heh, isso implica que você viu os outros?

Agora todos se viraram para Cálix com cara de confusão ou nojo.

— O-O quê?! Eu não… eu nunca…

Lâmina fez um sorriso para Cálix e estendeu o braço com um copo na direção dele.

— Touché, ruivinho… touché…

— Na verdade, eu tomo banho sim. Mas como tenho apenas uma muda de roupa, eu decidi me amarrar em uma corda e me jogar no mar

— Mentira! Isso é mentira! Você é louco?

— Eu? Não, mas é verdade

Com os olhares desconfiados à Cálix se transformando em risadas e mais elogios à comida do espadachim, uma presença sombria se aproximava da mesa.

Sem nenhuma restrição ou vergonha, Jasmyne colocou as mãos sobre o encosto de cabeça da cadeira de Heinrich no fim da mesa.

Um silêncio ensurdecedor tomou o ambiente, por mais que estivessem normais, as ondas nunca pareceram tão barulhentas.

 — Jas…? — murmurou Heinrich

“Se eu quiser que eles se livrem dessa situação logo, devo contar tudo o que sei, mesmo que seja uma das últimas coisas que eu faça”

— Querem saber a razão de eu ter sido enviada para matar a bebê? 

Jasmyne parecia certeira nas palavras, mas Vaia conseguia ouvir os leves gaguejos da mulher. Medo, ela sentia medo.

— Antes de mais nada… me respondam…

Todos os jovens fecharam a cara, Cálix, que estava segurando a bebê, apertou ela um pouco mais, para protegê-la.

— Vocês sabem o porquê de haver três sóis no céu diurno?

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