Volume 2
Capítulo 47: Implacável
Kilian virou a cabeça. O descendente dos féericos de cabelos oliva estava de pé na borda do aeroplano, espada partida em mãos, olhos fixos como os de um predador prestes a atacar.
— Você de novo, cara? Por que não desiste de uma vez? — Kilian apertou os punhos, seu peito subiu e desceu rápido, como se o ar ficasse mais pesado a cada respiração.
Sem hesitar, lançou-se para fora da caçamba, o vazio abaixo dele parecia puxá-lo com urgência. Ao olhar mais abaixo, avistou outro aeroplano.
— Tenho que ser rápido… — sussurrou, antes de conjurar um par de mãos etéreas que agarraram a vela do leme. Num movimento ágil, os braços fantasmagóricos o impulsionaram até o novo aeroplano.
O impacto da aterrissagem foi suave; a magia nos pés desacelerou a queda. Apesar disso, ele se desequilibrou e seus joelhos quase cederam.
— Quase… — murmurou, apoiado na borda de madeira.
A tranquilidade durou apenas um instante. O perseguidor, com força descomunal, saltou e aterrissou com um estrondo na outra borda, seus pés, sujos e descalços, racharam o convés de madeira.
— Sem magia! Como você faz isso? — Kilian arregalou os olhos, enquanto o corpo tenso pelo perigo ameaçava imobilizá-lo.
Sem pensar duas vezes, ele sacou o pau de fogo primo e mirou diretamente no desconhecido.
— Segura essa! — disse Kilian, quando uma rajada de essência mágica cruzou o convés de uma borda à outra.
No entanto, o oponente desviou com uma velocidade surreal, seu corpo quase fluía no ar. O disparo atingiu a casaria do aeroplano, e as chamas começaram a devorar a madeira.
As faíscas se espalharam rapidamente. O aeroplano começou a perder altitude, descendo de forma lenta e irregular em direção ao deserto vermelho.
— Agora sim. — disse Kilian, enquanto olhava ao redor.
Dentro da cabine, sons de engrenagens e metal ecoaram. Constructos emergiram da sala de máquinas, correram até o fogo e conjuraram magias para contê-lo antes que a aeronave fosse consumida.
— Droga! — A frustração aumentava. A fumaça encheu o lugar, e Kilian mal enxergava, diante daquela nuvem espessa.
Nesse momento, o descendente dos féericos avançou em um movimento gracioso. Ele grunhiu e sua espada desenhou um arco fatal. Kilian saltou para o aeroplano ao lado, a tempo de evitar o golpe, enquanto o adversário hesitou por um instante.
Ao aterrissar no novo veículo, o casco tremeu sob seus pés, mas ele se manteve firme. Sua mão procurou outro pau de fogo primo. Porém, por conta do movimento brusco, Kilian deixou os outros caírem pelas alturas.
— Só sobrou esse… tem que funcionar. — O rosto dele se contraiu, os lábios pressionados enquanto preparavam uma conjuração.
O jovem estranho parou por um momento, ainda no aeroplano em chamas. Seus olhos avaliaram Kilian com um brilho de incerteza, mas logo ele recuou para ganhar impulso novamente, como se esse breve momento de hesitação fosse apenas uma farsa.
— Não vai me dar descanso, vai? — Kilian esboçou um sorriso cansado, enquanto tentava disfarçar o desgaste.
Com um gesto rápido, conjurou a magia. Um círculo branco envolveu o pau de fogo que segurava. A energia fluiu, e o calor arcano pulsou entre seus dedos.
— Com essa magia, eu não vou errar! — A voz ecoou no ar, carregada de determinação, enquanto seus dedos aguardavam o disparo.
— Vem, seu esquisito! Vou te acertar no ar mesmo!
O descendente dos féericos saltou de um aeroplano para o outro. Kilian reagiu rápido.
— Peguei você! — disse ao ver a rajada acertar o inimigo em pleno ar.
O aeroplano de onde o perseguidor de cabelos de oliva saltou começava a se afastar, tomado pelas chamas. As velas de direção estavam comprometidas.
— Isso… vai se despedaçar. — disse Kilian um momento antes da nave se chocar contra o paredão de rocha vermelha.
O impacto irrompeu em uma grande bola de fogo rosa, logo depois os destroços foram arremessados por todas as direções.
Kilian olhou ao redor.
Nenhum sinal do descendente dos féericos.
— Cadê ele? Não pode ser tão fácil assim…
Seu aeroplano seguia a trajetória de volta para Jillar.
Kilian ainda ofegante, caminhou até a casaria onde o Etherdoorium estava selado. Com um gesto firme, conjurou sua magia. A porta explodiu em energia.
— Não sei se vou precisar disso de novo... — disse ele, exausto. — Mas é melhor ficar preparado.
Lentamente ele se sentou ao lado da entrada, costas apoiadas na parede desgastada. Ele esfregou o rosto, numa tentativa de acalmar a respiração.
— Aquele cara… — falou sozinho, enquanto olhava o horizonte. — Como pode? Usei toda minha magia... e quase fui morto.
Ele ergueu as mãos trêmulas. Estavam cobertas de cortes e sujeira. Os dedos se abriram e fecharam lentamente, já não tinham a força de antes.
— Tenho mais uma ou duas magias no máximo… — sussurrou, a voz entrecortada.
Sem perceber, ele deixou a cabeça tombar contra a parede, seus olhos se fecharam brevemente.
O cansaço ameaçava dominá-lo.
Ficou ali, encostado, sua respiração pesada. O tempo passou, e ele quase cedeu ao sono. Até que uma explosão distante o tirou daquele transe.
Arregalou os olhos.
— Será que voltaram?
Pensou melhor.
— Não... é da vila das grávidas.
Com esforço, se levantou. Cada passo era uma luta contra a dor. Foi até a borda do aeroplano e se debruçou para observar.
Lá embaixo, uma coluna de fumaça subia ao céu.
— Como eu pensei... é a vila…
O garoto soltou um longo suspiro de alívio. Com as mãos apoiadas na borda do aeroplano, abaixou a cabeça para tomar um ar.
Todavia, antes que pudesse entender o que via, olhos intensos o observavam.
Kilian engasgou e deu um salto para trás. Quase perdeu o equilíbrio.
Era o descendente dos féericos, suspenso na beira do aeroplano. O pavor tomou conta dele.
— Como ele chegou aqui? Eu o atingi no ar! — Kilian falou, enquanto recuava. O medo estampado em cada gesto.
A figura permaneceu inerte, agarrada à borda com uma tranquilidade perturbadora. Kilian tentava recuperar o controle, os olhos fixos naquele inimigo incansável.
Passado o primeiro momento imóvel, aquele ser implacável se moveu com uma calma apavorante. Primeiro atirou a espada partida para dentro da caçamba, depois, com o impulso, se ergueu a bordo.
Sem saída, Kilian olhou para a beira do aeroplano. A altura vertiginosa fez seu coração acelerar. Aproximou-se e espiou para baixo. Nada por perto. O solo parecia absurdamente distante.
— Não tenho alternativa... — sussurrou, a voz firme. O descendente dos féericos avançava, com a lâmina quebrada em mãos.
Num único movimento, Kilian subiu na borda. O descendente arremessou a espada, mas a lâmina cortou apenas o vazio.
Kilian já havia saltado.
— Se ele pular, vai morrer... — disse Kilian, enquanto o vento cortava seu rosto durante a queda.
Abaixo, o solo árido e rachado se aproximava. Ele viu pedras espalhadas e vegetação seca por toda parte.
O brilho da magia envolveu seu corpo antes de suavizar a descida. Por um momento, parecia que ele jamais alcançaria o chão. Até que, finalmente, seus pés o tocaram com um leve impacto. O efeito da queda suave se dissipou.
Kilian se ergueu, olhou ao redor e soltou um longo suspiro. A paisagem rochosa daquele terreno desolado se estendia em todas as direções, com fendas e colinas vermelhas.
Ele olhou para o céu, onde o aeroplano lixeiro já parecia um ponto distante.
— Acho que agora deu certo. — disse ele para si. — Só tenho que achar um jeito de voltar para casa...
Com passos pesados, começou a caminhar em direção à vila das grávidas. O cansaço tornava tudo mais lento, e o calor escaldante fazia o suor escorrer por seu rosto.
A alguns metros à frente, ele viu um paredão de rochas. As sombras que ele projetava eram a única proteção daquele lugar contra o sol implacável.
No sopé das rochas, as casas da vila surgiam, empilhadas de forma precária, como se estivessem prestes a desabar.
Kilian franziu a testa ao se aproximar mais.
— Caramba, esse lugar é pior do que o vale.
No centro do vilarejo, ele avistou algumas grávidas reunidas ao redor de um grande poço de pedra. Suas figuras imóveis eram quase assustadoras em meio ao silêncio.
— O mesmo poço... — resmungou, com uma careta. — Deve ser a única água da vila... Cara de Sapo, seu desgraçado...
Ele continuou andando, mas logo percebeu que as mulheres olhavam para cima. Seguiam algo com o olhar.
Kilian parou, curioso. Também ergueu a cabeça, como se procurasse entender o que tanto as fascinava.
E lá estava ele. O descendente dos féericos.
Kilian encarou, incrédulo, enquanto o jovem de cabelos de oliva saltava do aeroplano em queda livre.
Kilian arregalou os olhos.
— Ele pulou?
O descendente dos féericos despencou rumo ao chão. Em segundos, o impacto levantou uma nuvem de poeira.
— Não... — Kilian falou, mais para si do que para qualquer outro.
As mulheres, sentadas ao redor do poço, ficaram de pé, os olhares divididos entre curiosidade e horror. Kilian não conseguia se mover. Deu um passo atrás, depois outro, sem desviar os olhos da nuvem de poeira.
— Isso... não é possível.
Entre a poeira, para o choque de todos, o descendente dos féericos começou a se mover. Lentamente. Como se aquela queda enorme não fosse mais que um leve incômodo.
Kilian tentou falar, mas as palavras saíram num sussurro.
— Ele sobreviveu...
O jovem de roupas rasgadas, agora em pé, cravou os olhos em Kilian.
Kilian recuou instintivamente. Um, dois passos, até tropeçar em algo.
— Isso é... não pode!
Ele virou e começou a correr, como se fugisse de um pesadelo vivo.
— Fujam! É um monstro! — gritou para as mulheres.
O pânico tomou conta. Algumas começaram a correr, algumas tropeçaram nos próprios pés. Uma delas caiu e, depois, segurou a barriga com um grito de dor.
Kilian olhou para trás por um breve segundo. O descendente dos féericos caminhava em sua direção, seus passos lentos e calculados, enquanto ignorava o caos ao redor. Seu corpo estava coberto de ferimentos profundos, mas ele não mostrava nenhum sinal de dor.
— Ele não vai parar...
Quando os gritos das mulheres ecoaram no ar, o jovem com cabelos de oliva hesitou. Uma leve tensão atravessou seu rosto enquanto parava por um instante, piscando repetidamente.
Kilian chegou à borda do poço e o contornou, suas mãos tremiam.
— Ele não sente dor... como eu vou...?
O sobrevivente, mesmo em frangalhos e coberto de sangue, continuava devagar.
— Eu preciso... fazer alguma coisa! — ele murmurou, quase em desespero. — Ou ele vai me matar!
Ele tentou alcançar Kilian, enquanto corria em volta do poço. Mas Kilian recuou para o lado oposto, sem desviar o olhar. O sangue escorria das feridas abertas por aquele corpo maltratado, mesmo assim ele avançava implacável.
— Mas... como? Ele não para…
A mulher caída soltava gritos de agonia. Duas outras grávidas se apressaram em ajudá-la. Com um esforço extra, a levantaram e correram para as casas próximas.
O descendente dos féericos continuava a perseguição, cada passo uma ameaça silenciosa. Kilian mordeu o lábio, o desespero esmagava seu peito. Ele girou o corpo rapidamente, enquanto buscava distância.
— Maya... — o nome escapou de seus lábios, um fio de esperança no meio do pânico. — Sem o Etherdoorium... vai ser mais complicado, mas eu preciso tentar…
Em uma ação drástica, Kilian estendeu a mão em direção à água. Seus dedos tremiam enquanto murmurava palavras de comando, sua voz mal audível. No centro do poço, uma esfera de água começou a flutuar, idêntica às que ele e Maya usavam para treinar.
O jovem ferido parou por um instante, como se contemplasse aquela esfera. Kilian apertou os olhos, enquanto a tensão crescia em seu corpo.
— Vamos ver do que você é capaz!
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