Vol. 1 – Arco 2

Capítulo 23: O Mistério das Coordenadas (1)

Ruas de Woodnation - 3:33 da tarde, quinze de Julho.

— Nossa, ainda não acredito que saímos todos vivos daquela enrascada! — exclamou Einstein, agarrando sua irmã com um braço e o detetive com o outro. — Estou tão, mas tão feliz! Viva!

Estavam sentados no interior de um fusca, que era dirigido por uma criação de Elin; um mordomo magro, grisalho e bigodudo — a própria personificação do estereótipo. Embora talvez não vencesse o samurai nesse quesito.

Por sinal, o jipe foi trocado por um fusca — outra criação da artista — porque o outro carro já tinha se envolvido em muitas brigas e poderia denunciá-los para possíveis outros homens de preto.

Além disso, o fusca é azul. Era agradável passar por um grupo de crianças e ver elas começarem a se espancar até a morte.

— Foi um desafio — comentou ela, arfando de cansaço. — Ainda não acredito que aquele maldito matou o meu samurai!

— O corpo dele tá dentro do seu caderno, né não? Então tu pode apagar as feridas e desenhá-lo completamente sarado, como fez quando matei esse cabaço — falou Leonard, todo ralado e ensanguentado.

A mana de seu amigo ainda não retornara, obrigando ele a viver como um guerreiro raiz, sem essas magias de cura usadas pelos mimizentos nutellas. 

— Mas é diferente, sabe? Sinto que todo desenho meu que morre vira outra coisa quando volta a vida...

— Sei não, em. Mesmo depois de ter voltado a vida, ele ficava me olhando de um jeito meio rancoroso, como se eu tivesse dando uns pegas na avó dele. 

— Você literalmente já o matou — apontou Einstein.

— Exato, mano. Isso significa que ele ainda sente rancor.

— Você está mentindo. Os meus desenhos não possuem sentimentos ou opiniões próprias. Eles são vivos, mas não são… verdadeiramente conscientes — falou Elin, com uma certa tristeza na voz.

— Pode parar de falar desse jeito, todo chiquezinho? Eu em. — Leonard zombou.

— Agora não só vai implicar com o meu samurai, mas também com a forma como falo?

— Eu não tô implicando com seu samurai, mas é difícil esquecer da vez em que ele quase me matou por nenhum motivo! E cê continua invocando ele o tempo todo! E quando eu pensava que ficaria livre desse bostola, a s-e-n-h-o-r-i-t-a fala que vai revivê-lo. DE NOVO!

O detetive precisou queimar muitos neurônios para se lembrar de como soletrar a palavra “senhorita”.

— O quê? Foi você quem disse para eu revivê-lo!

Ahn? — refletiu por alguns instantes, virando-se para a janela. — Puts, real. Então tá tudo sussa.

“Mas que diálogo de merda”, pensou o hamster. Abriu a mão e — com um pouco de esforço — projetou sobre ela um pequeno orbe amarelado de energia, com o tamanho de uma bola de gude.

— Catapimbas, recuperei um pouco de mana! Alguém quer?

— Eu! Eu! Eu! — gritaram os outros dois, simultâneos. — Eu falei primeiro!

O hamster gargalhou, como um velho mafioso tem em suas mãos a escolha de qual bebê jogar de um penhasco.

Portanto, como qualquer pessoa sensata, entendeu que tal escolha deveria ser decidida no jokenpo — pedra, papel ou tesoura para os mais íntimos.

Os dois feridos concordaram que essa era a forma mais sensata de se fazer a escolha, embora não entendessem por qual motivo um velho mafioso jogaria um bebê no penhasco.

Então, se prepararam:

— Pedra… papel… tesoura! — gritaram simultaneamente.

Suas mãos se estenderam rapidamente para o meio deles, tomando a forma de suas respectivas escolhas no jogo:

— Pedra! — exclamou Leonard, atropelando o rosto de Einstein com um soco e roubando a bola de gude curativa.

— Ai, meu rostinho! — gritou, assustado.

— Tesoura! — berrou Elin, tirando uma tesoura de seu caderno de desenhos e arremessando contra o detetive.

No fim, Elin desistiu e Leonard foi quem conseguiu tomar a mana curativa; afinal, a bola de mana se tornou um tanto quanto necessária para tratar a pequena hemorragia que surgiu em sua garganta.

Poucos minutos depois, o fusca parou na frente de uma construção abandonada. Parecia ser uma casa — por sinal, minúscula e muito simples. Era apenas um retângulo de concreto em uma das extremidades da cidade, longe de tudo e todos.

— Tem certeza de que esse é o lugar da primeira coordenada?

— É — respondeu Elin ao detetive.

— Nada suspeito, em?

— É impressão minha ou não tem nenhum homem de preto por aqui? — indagou Einstein.

Sssssh, devemos permanecer alertas — falou sua irmã, olhando para todos os lados, atenta.

— Real — sussurrou o detetive. — Tive uma ideia.

Assim que um chute estourou a porta do carro, os três saíram — andando de quatro — e, como verdadeiros selvagens, partiram alucinadamente para dentro da construção.

Assim que entraram, se levantaram, contentes.

— Nossa, detetive, você é um verdadeiro gênio! — exclamou o hamster. — Se tivesse alguém nos vigiando, ele com certeza deve ter pensado que somos apenas alguns cachorros vira-latas.

— Espera, estávamos imitando cachorros? — indagou Elin. — Eu só estava com dor de coluna mesmo.

— Ahn? — começou o detetive. — Era para andarmos sorrateiramente pelo chão, mas alguém deu uma cabeçada na minha bunda e aí sai correndo no desespero, cês não deveriam ter me seguido desse jeito!

— Ora bolas, eu só estava te apressando. Pensava que era esse o plano desde o início. Isso que dá se recusar a explicar direito!

— Ele nem explicou — comentou Elin.

— Precisava? — respondeu aos irmãos. — Era muito óbvio, só precisava ver a minha linguagem corporal!

— Os meus ovos! — resmungou o hamster.

Einstein Heisenberg Holmes! — berrou a irmã, com sangue nos olhos. — Agora vai ficar falando palavras feias?

— Desculpe!

Cheio dessa conversa, o detetive fez um sinal de silêncio com as mãos, sendo imediatamente obedecido pelos irmãos. Os três avançaram pacientemente pela estrutura, absolutamente empoeirada e totalmente vazia. Um mero espaço cinza.

— Belê. O que tem de especial nessa joça?

— Como pode ter algo aqui? Oras, está totalmente vazio!

— Talvez seja o que está em volta da casa — deduziu Elin.

— Puts, mas aí vai complicar a nossa procu… — Os olhos do investigador foram pegos em um pulo, cintilando. — Calma lá!

Ele abriu o zíper do bolso em sua jaqueta e afundou a mão dentro do buraco, tirando um cartão azulado de dentro. Estendeu o objeto com confiança, resultando na confirmação dos seus pensamentos.

Pequenas câmeras, quase microscópicas de tão impossíveis de se ver, saíram de dentro das paredes como mecanismos. Suas luzes foram todas na direção da carta, o que iniciou uma reação em cadeia.

Um buraco surgiu na frente do trio, como se fosse um portão secreto no chão. Em seu interior, uma pequena estrada de trilhos acompanhada por um carrinho com um botão.

— O que é isso? — murmurou o hamster. Ao olhar para as profundezas do buraco, não viu nada além de uma escuridão considerável, mas a estrada de trilhos parecia continuar no mínimo até onde sua visão alcançava. — Parece divertido!

— Que estranho… E só tem um carrinho, bem pequeno, por sinal. Só um de nós vai poder ir? — Encarou tanto o seu irmão quanto o detetive.

— Puts, sei lá. Nem acredito que meu plano deu certo! Essa construção realmente é do Amadeus.

— Ok, vou indo! — exclamou Einstein, saltando até o carrinho. — Uhul! 

A sua felicidade foi barrada, junto do seu corpo, pelas mãos dos outros dois:

— Nem ferrando!

Leonard o afastou:

— Cê nem tá com mana. Se tiver que lutar, vai morrer na hora.

— Morrer? Nossa, verdade, que horrível! 

— Acho que sou a mais apta a ir — interferiu a artista. — O meu poder é o mais versátil.

— Só que cê é a que mais tá machucada aqui. Não vai rolar — concluiu o investigador.

— Posso enviar o meu samurai sozinho. Lembram? Posso ver tudo o que ele ver.

— Mas e se o carrinho levar para um lugar muito pica e nunca mais voltar? Sei lá, pro Paraíso? Aí vou ter perdido a oportunidade de ir pra lá por sua causa! — argumentou, já subindo no carrinho e colocando o cinto de segurança.

— Pela sua lógica, você está correndo o risco de nunca mais voltar. E se na verdade, o carrinho te levar para dentro de… uma prisão? Ou então, para o Inferno?

— É um risco a se correr.

— Isso nem faz sentido! É loucura!

— Tô nem aí, o que importa é que tô muito a fim de ir. A vontade de descobrir até onde esse lugar leva está me matando! 

Ela ficou tentando arrancá-lo do carrinho, mas o que Einstein disse era irrefutável:

— Desiste, Elin. Quando esse cara encontra um mistério e decide que vai desvendá-lo, nada pode pará-lo.

— Se eu morrer, sigam em frente — falou o próprio. — Simples.

— Você é horrível… — resmungou Elin.

Sorridente, Leonard foi atingido por uma ideia, falando:

— Já sei! Pegue seu caderno e desenhe um bichinho pequeno. Aí, cê materializa o desenho e eu posso levá-lo comigo. Desse jeito, poderá ver o que está acontecendo comigo.

Já sem paciência para argumentar, ela apenas suspirou fundo e sacou o seu caderno. Em segundos, fez um desenho. 

Seis chihuahuas saltaram para fora do caderno, caindo no colo do detetive. Carregavam olhos brilhantes e sorrisos amáveis, com pelos brancos e cheios que tornavam o ato de não acariciá-los um desafio a qualquer um.

Menos Leonard. Ele ficou espantado e quase saltou para fora do carrinho.

 — O que foi?

Sequer respondeu, apenas tremendo como uma vara-pau.

— Acho que ele está se lembrando de quando entrou em coma por causa de um chihuahua. Que cagão.

— Mas você também está tremendo! — gritou Elin, atônita de tão confusa.

Antes que acabasse fugindo, Leonard apertou o botão do carrinho. 

O veículo de anão simplesmente zarpou em alta velocidade, sumindo em um instante junto dele dos chihuahuas.

Tomado pela escuridão, Leonard se sentiu imerso em meio àquela ventania violenta causada por tamanha velocidade. Sentia como se estivesse paralisado no meio do espaço, dentro de uma tormenta cósmica invisível. Os cachorrinhos se seguravam em sua roupa ou se afundavam nas extremidades do carrinho para não saírem voando.

Abduzido pela náusea, demorou para perceber que o carrinho parou em questão de alguns segundos.

Quando abriu os olhos, já estava em seu destino: o laboratório subterrâneo de Amadeus Stevens.

“O quê? De novo esse lugar?”

A única diferença na sala é que agora existia uma entrada na parede, de onde ele saiu junto do carrinho. Tirou o cinto e se levantou, absorvido por uma surpresa extremamente confusa.

— Então, rapaziada, acho que o lugar onde cês estão foi feito para ser uma rota de fuga, sabem? — Se dirigia aos cachorros, sabendo que Elin poderia vê-lo e ouvi-lo através deles. — Se pá, para caso a mansão fosse invadida e o Amadeus precisasse fugir.

Os cachorros latiram. Leonard quase se borrou, mas conseguiu manter-se sério:

— Vou procurar alguma coisa interessante aqui — murmurou enquanto largava os animais no chão, já fitando seu alvo. — Elin, faça os cachorros se espalharem para ajudar na procura.

Junto dos chihuahuas, vasculhou cada centímetro daquele lugar e apenas se esforçou para ficar longe das tecnologias mais estranhas, com medo de causar algum acidente. Seguiu todas as suspeitas que os animais encontravam, mas não acharam nada verdadeiramente importante.

— Sei o que estavam tentando fazer, mas nada de Galileu. Eu já procurei.

Por fim, tirou algumas armas da prateleira; pelo menos em aparência, eram um fuzil, uma lança-granada, uma espada e um revólver. Tinham a pequena diferença de serem todos prateados e reluzentes, como se tivessem se originado de uma balada cyberpunk.

“Essa viagem até que rendeu bastante.” Colocou as armas dentro do carrinho, junto da planta esquisita. Prestes a entrar, se tocou:

— Será que devo subir para a mansão? Talvez os agentes não estejam mais lá… — refletiu um pouco, encarando os chihuahuas. — Para falar a real, como matamos uns três homens de preto, deve ter mais gente do que antes na mansão esperando por nós. Vou dar no pé logo, temos que ir até as outras coordenadas o mais rápido possível.

Os cachorros apenas acenaram suas cabeças e entraram no carrinho. O detetive se juntou a eles logo em seguida, pressionando o botão. 

O mini-veículo entrou no buraco da parede e começou a correr pelos trilhos para retornar até a construção abandonada, rápido como um trem.



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