Vol. 1 – Arco 1

Capítulo 9: A Sala Secreta (1) - 致命的なマシン

Woodnation – 01:05 da tarde, quatorze de Julho.

A missão de interrogar — à força — Amadeus Stevens foi impressionantemente mais bem-sucedida do que o esperado, afinal, foi um total improviso de Leonard se passar por um espião soviético e uma baita de cagada a conversão daquele velho conservador para o caminho do comunismo.

Era até injusto dizer que foi uma cagada. Foi uma verdadeira diarréia. Leonard sequer sabia realmente como funcionava o tal do comunismo, e tinha absoluta certeza de que hip-hop é um gênero musical muito superior.

Com o fim do interrogatório, saiu do hospital pela janela e vestiu as suas roupas normais, seguindo até a mansão de Amadeus junto de Einstein Heisenberg Holmes. Não pretendia usar o ‘traje de invasor’, já que agora não estava mais invadindo a casa; junto de seu cliente, iria adentrar a residência com total permissão de seu dono, com a chave e tudo mais. 

Também foi acompanhado de sua imensa caatinga, digna do filho de um gambá com besouro rola-bosta, que fora proporcionada pelo tempo considerável em que vestiu aqueles trapos.

Chegando na colina da cidadezinha, onde moravam os mais ricos, demorou pouco para que a dupla parasse na frente da mansão. Não esperavam encontrar policiais, uma vez que as forças da cidade entraram ali há mais de quatorze horas.

De fato, não encontraram.

O mesmo não poderia se dizer do camburão preto parado bem na frente da residência.

— Ora bolas, mas que fundega é essa? — questionou Einstein.

— Ih, toma cuidado — sussurrou o detetive para seu cliente. — Aposto que dentro daquele camburão tem mais agentes do governo americ– Ué, cadê ele?

— Pirulito? Eba! — Ignorando completamente o conselho, o hamster alcançou o veículo em instantes, de onde suspeitosamente saiu uma mão carregando um enorme doce que parecia ser balançado para atrair alguma criança.

Resultado: Einstein correu até o doce e a porta do veículo se abriu. Outra mão saiu de lá e agarrou o ombro dele, o puxando com tudo para dentro. A porta se fechou no mesmo instante e o automóvel começou a correr loucamente para o mais longe possível, levando o feiticeiro junto.

— Que merda é essa? Calma lá? Devolvam ele! — Leonard berrou, já partindo em corrida. — Cês tão loucos se estiverem pensando que não alcanço esse carrinho num instante!

Por mais incrível que soasse, o detetive não estava de todo errado. Em poucos segundos, sua corrida comeu duas dezenas de metros que tinha de diferença do camburão. Foi questão de tempo até surgir na retaguarda do veículo e agarrar o porta-malas.

— Não, detetive, não perca tempo comigo. Por favor, posso lidar com isso, vá atrás do Galileu! — gritou o hamster, lá de dentro.

— O senhor sequer possui total convicção em sua própria fala. Estou errado? — Uma voz galante saiu de dentro do carro, logo antes de dar um drift.

“Merda!” Para não ser arremessado violentamente e acabar quebrando alguns ossos, Leonard largou a estrutura e permitiu a si mesmo se equilibrar enquanto o sequestrador fugia com seu cliente. O carro não demorou para sumir de sua vista. 

“Droga, não esperava que ele cairia numa armadilha feita para sequestrar criancinhas!”

Emburrado, até pensou em persistir e ir atrás dos meliantes, mas sabia que Einstein queria que ele continuasse a investigação sem perder tempo com isso. Implorou em sua mente para que o feiticeiro conseguisse escapar daquela enrascada sozinho, afinal; se sua magia não fosse párea para o sequestrador, ele também não seria.

“Ok, chega de frescurinha. Bora!” Por fim, deu meia-volta e adentrou o recinto de Amadeus Stevens. Novamente pôde se deparar com o interior chique do salão. 

Isso, claro, se o cômodo em questão não tivesse sido completamente destruído devido ao tornado criado por seu cliente durante a luta contra o safado do Laertes. 

Sabendo exatamente onde deveria ir, seguiu o que foi dito por Amadeus e avançou até um dos corredores, visando completar o percurso para entrar na cozinha onde o cartão secreto deveria estar guardado. Atravessar a sala foi um desafio surpreendente, uma vez que precisava tomar cuidado para não perder o pé ao pisar em uma das várias mobílias obstruídas. 

Também não deveria menosprezar as outras mobílias e obstáculos, como sofás, poltronas, lousas, motos, geladeiras, escovas, copos, clipes, espelhos, esponjas, botões, cadeados, baús, discos, binóculos, disquetes, chicotes, divãs, estojos, capas, esquadros, calças, estiletes, espanadores, colheres, esmaltes, estetoscópios, chaves, esteiras, extintores, bicicletas, escumadeiras, bandeiras, dicionários, detergentes, balões, difusores, bolas, batons, cajados, estátuas, escorredores, bancos, cata-ventos, berimbaus, balanças, capacetes, canetas, camisetas, dinamites, bigornas, desentupidores, cálices, dardos, carimbos, chinelos, bexigas, brincos, desfibriladores, elásticos, camisas, berços, escudos, dominós, cadernos, botas, colchões, diários, desodorantes, castiçais, boias, colares, envelopes, borrachas, bules, bidês, bisturis, enxadas, birutas, cadeiras, canivetes, dentaduras, bumerangues, bonecas, espremedores, despertadores, espadas, escadas, diademas, chupetas, bengalas… etc.

“Espero que ninguém tenha lido isso tudo”, pensou, até chegar no corredor e acabar por se esbarrar em um samurai coberto de sangue.

— Puts, foi mal aê. — Seguiu em frente.

“...”

— Calma lá, que joça foi essa? — Virou-se para o homem.

Completamente coberto por sua armadura — um clássico traje samurai —, o homem era uma verdadeira montanha, com quase dois metros de altura. Ele virou e desembainhou a incrivelmente afiada lâmina que estava presa em sua cintura. Uma bela katana.

麺嫌い!— esbravejou, com uma voz máscula e estrondosa.

— Pode repetir?

Sem ouvir uma resposta, Leonard apenas fitou o guerreiro, que causava um estrondo diferente a cada passo. “Calma lá, ele tá vindo me matar ou é só impressão minha?”

Omae… — começou o guerreiro, partindo até Leonard enquanto erguia a espada. — Omae wa mō shindeiru!

NANI?!?! — Assustado, viu a espada rotacionar violentamente na direção de seu corpo. 

Desviando por pouco ao saltar para trás, o detetive continuou recuando. Todavia, o samurai não queria se afastar — e a lâmina dele também não.

A katana não cansava de ir atrás de Leonard, ansiando por cortá-lo. 

Já ele, se esforçava para que isso não ocorresse, sem parar de recuar por um único instante. 

Todavia, fora incapaz de manter a série de desvios quando o guerreiro avançou à sua esquerda, o obrigando a se jogar contra a parede para não ser atingido pelo golpe seguinte da katana. 

“Droga, ele não tá me dando tempo de…”

Omae wa mō shindeiru! — gritou novamente o assassino.

“Ferrou!”, pensou, enquanto a arma do inimigo corria pelo ar para arrancar sua cabeça.

Abaixou-se rapidamente. A arma foi cravada na parede.

Tremendo mais do que uma mulher em parto, aproveitou o fato de estar agachado e rolou pelo chão para se afastar do inimigo. 

Nisso, finalmente teve tempo de enfiar a mão dentro da sua blusa e de lá tirar uma pistola — arma roubada de um dos "guardas" do hospital.

— Toma! — Assim que destravou a arma, descarregou todo o pente contra o samurai.

Para a sua surpresa e azar, foi totalmente inútil. 

O seu perseguidor, praticamente possuído por um espírito homicida, movimentou-se como uma alucinação vertiginosa, facilmente saindo da rota de todos os projéteis antes mesmo que o gatilho fosse pressionado.

Os tiros sumiram pelo corredor. 

“Ok. Lascou.”

Se aquele sujeito estava possuído por um espírito homicida, Leonard tivera o seu corpo tomado pelo espírito do Satã – não o demônio, mas sim o personagem covarde de Dragon Ball.

Se levantou e saiu correndo em direção à sala de estar. Câmbitos tremendo.

Para ele, aquilo era impressionante. Nunca lutou contra alguém tão rápido e ágil. Se tivesse moscado, teria morrido umas três vezes só naqueles poucos segundos. Aquele genuíno medo de morrer surgiu poucas vezes em sua vida.

Atravessou o corredor e voltou para a sala de estar. Quase foi acertado por uma shuriken, mas ela apenas passou ao seu lado e atingiu a parede.

“Cagada!” 

Deu um suspiro de alívio e voltou a correr, saltando por cima do sofá. O seu próximo passo seria recarregar a arma e maratonar até o corredor oposto do qual acabou de sair.

Todavia, quando olhou para trás…

Omae wa mō shindeiru! — A espada do samurai desceu em sua direção.

— Praga! — Atirou-se no chão e rolou pelo pavimento de madeira, se levantando rapidamente e avançando alucinadamente até o outro corredor.

Se virando em meio a corrida, viu o samurai saltar agilmente por cima do sofá e começar a persegui-lo. 

Era como um mamute infernal, que parecia correr com o dobro de sua velocidade. 

Um estrondo aconteceu quando o samurai, em uma tentativa de acertá-lo, atravessou a parede do corredor com um chute.

“Droga, nem tive tempo de recarregar a pistola!”

Leonard não parou de correr, mas para seu azar, o oponente lhe alcançou em questão de segundos. 

Era como uma verdadeira assombração, muito além de qualquer noção mundana. Uma besta incontrolável, presa a uma única missão: matá-lo.

E estava próximo de cumprir a missão, pois o detetive foi logo fisgado pela espada. 

— Droga! — Urrou de dor, o sangue escapando de sua perna direita. Se tivesse sido um pouco mais lento, sequer teria mais uma perna.

Por mais inconveniente que fosse o seu estado, entendeu que não conseguiria continuar correndo do assassino, que agarrou firmemente sua katana para atingi-lo novamente. Então, mesmo com os ferimentos, se virou e encarou o inimigo.

— 銃? その存在は不名誉です! — vociferou o guerreiro, sem parar de atacá-lo.

A velocidade dos golpes de katana aumentavam drasticamente. Leonard continuou esquivando-se e recuando agilmente, enquanto o inimigo se aproximava cada vez mais, sem cessar o movimento da arma letal.

Quando o detetive percebeu, um corte surgiu em seu braço. Estava tão focado que sequer teve tempo de gritar.

Independentemente disso, uma coisa era fato; o cansaço atingiu seu corpo. O samurai percebeu isso e se preparou para atravessar o seu estômago com a katana. 

A lâmina avançou como um raio, pronto para acertá-lo, tão brutalmente quanto uma estaca de madeira prestes a perfurar um vampiro.

O detetive tentou escapar, mas a espada atravessou.

Atravessou a sua pistola.

“Cacete, essa foi por pouco!”, pensou, conseguindo recuar antes da katana aniquilar a sua pistola, que havia sido rapidamente colocada na frente da arma japonesa. 

Por pouco, o corte não acertou outra coisa senão a arma e o ar.

— こんな私を止められると思う?— A voz bruta do samurai reverberou pelo corredor, antes dele continuar avançando contra o seu alvo. Iria fazer de tudo para empalá-lo.

Incapaz de fugir correndo ou de vencê-lo na base da porrada, o investigador não viu outra opção. Com os olhos hiper-focados, avançou na direção dele.

A lâmina, que visava atravessar o seu estômago, não teve tempo de mudar de rota quando ele avançou e se moveu para a esquerda. 

Passando ao lado dela, parou bem na frente do samurai para agarrar o cabo da katana.

O guerreiro soltou uma risada, mas logo gritou de surpresa ao perceber que as mãos do detetive eram tão firmes e fortes, que a katana não se movia mais.

— Bora ver quem é o mais forte, fanfarrão. — Sorriu Leonard ao encarar os olhos do assassino, no fundo de sua máscara. Olhos furiosos por se sentirem desafiados.

O cabo de guerra se iniciou, só que de uma forma diferente.

O samurai sorriu. Ao invés de puxar a katana para si, apenas começou a andar para frente. 

Leonard até tentou manter-se firme no chão, mas o ferimento de sua perna era bem mais profundo que o de seus braços.

Quando foi perceber, era arrastado para trás, subjugado pela força do inimigo. 

Em questão de segundos, seria brutalmente acertado contra a parede no fim do corredor. Nisso, perderia totalmente as forças e largaria a bainha da espada, incapaz de se defender do próximo golpe.

“Lascou!”

Os passos foram acelerando e o tempo para Leonard escapar da armadilha em que acabou se colocando, diminuindo. Por mais que tentasse parar, o samurai avançava como uma verdadeira locomotiva. 

Caso fosse para o lado, a katana cortaria o seu corpo no meio. Se avançasse em direção ao samurai, ele tomaria controle da arma e o mataria instantaneamente.

Desse modo, era preciso que continuasse a recuar. Recuar até pensar em algo.

Omae… wa mō shindeiru! — gritou o guerreiro implacável pela centésima vez. 

A gargalhada dele retumbava pelos ouvidos de Leonard. Em seu atual estado, era como uma tortura.

Poucos metros ainda eram capazes de distanciar o detetive da parede que marcaria o fim de sua vida. Precisava fazer algo imediatamente.

Mesmo se o que fizesse fosse, em pratica, suícidio.

Aproveitando da total concentração do samurai em jogá-lo contra a parede, enroscou a sua perna esquerda no calcanhar dele e respirou firme. Usou toda a força que tinha para jogá-lo contra a parede da direita.

O assassino berrou, deliciando-se com o ato de desespero de seu oponente. 

Em meio a berros, o detetive continuou a sua jogada. Como esperado pelos dois, a katana ao seu lado começou a ser empurrada contra o canto de seu abdômen. Se o impulso continuasse, ela entraria em seu corpo.

Durante momentos de imenso estresse, é normal que o ser humano perca a noção das coisas e simplesmente congele. Afinal, mesmo que sua vida esteja em risco, não fazer nada e morrer tende a ser mais fácil do que um ato de loucura em prol da sobrevivência. Entretanto, existem aqueles que sequer pensam duas vezes na hora em que se vê obrigado a cometer um ato considerado insano.

Leonard Mystery é uma dessas pessoas.

— Isso não vai me parar! — gritou ele, colocando o braço direito na frente da lâmina. 

Aquela afiada katana, guiada pelo impulso, não teve dificuldades em penetrar sua carne.

NANI??? — Os olhos do samurai, aprofundados pela escuridão de seu capacete, vibraram de susto pelo feito do investigador. Quando as suas costas impactaram-se contra a parede, a superfície foi partida e deu origem a uma fenda.

Os dois atravessaram o buraco, caindo sobre o chão da cozinha. Sem forças, se largaram, mas Leonard não saiu de cima do inimigo. 

— Bosta, tô todo lascado... — reclamou. O seu rosto vermelho, suado e seus olhos lacrimejando. O seu corpo tremendo loucamente.

私はあきらめません...侍は決してあきらめません。— rosnou o guerreiro, ofegante.

— Vai se f– — Não esperava receber um chute tão forte no estômago, desabando.

Omae… Omae… — iniciou o outro, levantando-se e tirando uma pequena lâmina do bolso de seu traje arcaico.

— Ah… de novo não… 

Omae wa mō shindeiru! — Se ajoelhou sobre Leonard, pronto para esfaquear a sua garganta.

“NÃO!”

A faca, atravessando a mão direita de Leonard, cravou-se entre ela. O seu grito, tão alto como o de uma fera lutando para sobreviver, ecoou pela mansão. 

Se debatendo descontroladamente, tirou suas pernas debaixo do inimigo e as usou para chutar o peito dele.

Então, em súbito, sentiu seu pescoço ser agarrado pela mão dele. Começou a se debater, sem resultado. O ar começou a sumir de seu peito. Ficava mais fraco a cada segundo que passava.

— Omae… — começou o samurai, pegando uma kunai, pronto para atravessar o olho do detetive com a lâmina.

Leonard vociferou, ainda tomado pela selvageria da sobrevivência.

Envenenado pela adrenalina, moveu-se agressivamente na tentativa de escapar da mão. Falhou novamente.

A kunai veio em sua direção.

Desesperado, soltou um grito ensurdecedor.

 

 

A kunai caiu da mão do samurai.

Enquanto isso, a faca que uma vez fora cravada na mão do detetive, encontrava-se atravessada no pescoço de seu inimigo.

Já sem a força da vida em seu coração, o enorme homem fechou os olhos e nunca mais acordou. O cômodo foi absorvido pela violência, totalmente coberto de sangue.

“Umai amou xindeiru”, otário — falou o sobrevivente Leonard, totalmente ensanguentado, observando o cadáver do samurai cair em seu colo. — Merda, que dor!



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