Vol. 1 – Arco 1

Capítulo 11: A Sala Secreta (3) - Abertura Escondida

Mansão do Amadeus, Woodnation - 1:20 da tarde, quatorze de Julho.

Uma horrenda expressão de nojo nasceu no rosto do detetive ao prestar atenção no grau de seus ferimentos. A dor era insuportável, como se sua carne estivesse ardendo sobre o ferro quente.

Ainda assim, decidiu que não permaneceria largado sobre o pavimento daquela cozinha ensanguentada. 

Ergueu-se com dificuldades. Era um absurdo se mover com aquela lâmina de katana enfiada no próprio braço, por mais que só uma pequena parte dela estivesse presa lá. Porém, arrancá-la de seu corpo e aumentar a hemorragia seria muito mais absurdo. 

“Vai se lascar, universo… por que o meu corpo só sara rápido quando quer?”, pensou, agarrando o pano que cobria a mesa ao seu lado. Com um puxão, arrancou o tecido da mobília. “De onde esse samurai desgraçado saiu?” Referia-se ao cadáver caído no chão, que antes de morrer, quase assassinou ele por zero motivos notáveis.

Depois de partir o pano em dois, o utilizou para estancar os sangramentos presentes tanto em seu braço e mão esquerda, quanto em sua perna direita. Por fim, finalmente saiu do cômodo à procura do cartão de Amadeus Stevens. 

“E se o velho ter mentido sobre o cartão só para que eu viesse para cá e morresse nas mãos desse samurai? Se for isso, ferrou demais para mim…" Suspirou. "Mas não faz sentido, se aquele japonês fosse uma espécie de guarda da mansão, eu teria me encontrado com ele na primeira vez que entrei aqui. De qualquer forma, o pior já passou, o bagulho agora é terminar a missão para ir atrás do Einstein. Apenas a magia dele pode me tirar desse estado."

Apoiando-se na mesa, caminhou até o samurai e passou suas mãos pela robusta armadura dele. A primeira coisa que pegou foi uma pequena bolsa amarrada no quadril dele. Foi preciso apenas abri-la para se deparar com uma coleção de kunais e shurikens. “E eu jurando que apenas ninjas usavam isso.”

Como não é burro — essa afirmação é discutível —, Leonard tirou a bolsa do cadáver e a amarrou em sua pélvis para usá-la como uma pochete descoladíssima (isso em sua opinião).

“Atrás do forno. Cozinha quatro do segundo andar…” Com essas palavras em mente, amarrou em sua boca outra tira do pano rasgado e firmou os pés no chão, iniciando a sua caminhada. 

Cada passo era exponencialmente tortuoso, mas não poderia parar de forma alguma; pois, se parasse, as chances de perder a consciência aumentariam.

Cambaleou pelo corredor e caiu muitas vezes, mas não importava quantas vezes seu corpo se abalasse e quanto tempo ele demorasse no chão, era questão de tempo para que se levantasse.

Foi com tamanha persistência que, em um momento, finalmente chegou na quarta cozinha do segundo andar. Caiu imediatamente sobre uma das cadeiras presentes no cômodo, extasiado. “Finalmente!”

Após se esforçar muito para puxar o forno para trás (muito mesmo), encontrou uma pequena caixinha cheia de letras e números na parte inferior, além de um visor na parte de cima.

Preparado, fechou os olhos e lembrou-se vividamente de quando Amadeus o parou para dizer a senha que precisaria digitar: “Me pergunta o motivo de utilizar uma senha tão curta, ao invés de uma complexa ou apenas minhas digitais? É muito simples, nenhuma senha é mais segura e indecifrável do que essa.” 

Suspirando firmemente, Leonard digitou “7 a 1”.

A caixinha abriu automaticamente.

Um sorriso afiado cresceu em seu rosto quando finalmente encontrou o objeto pelo qual quase perdeu a vida para obter: o cartão secreto de Amadeus Stevens. Era um pequeno retângulo azul e sem caracteres que reluzia como um cristal.

Depois de comemorar com uma dancinha e quase morrer de hemorragia — dançar com uma katana fincada no braço não é muito saudável —, o detetive desceu as escadas e foi até o seu próximo destino: a biblioteca da mansão.

O enorme salão empoeirado e cheio de estantes com livros havia chamado a sua atenção desde a primeira vez que entrou na mansão, isso por um motivo muito simples: em muitas obras de ficção, estantes de bibliotecas são a grande entrada para um esconderijo secreto. Isso não poderia ser uma mera coincidência!

Na primeira vez, fez de tudo para abrir uma entrada secreta, mas falhou miseravelmente. O grande motivo era que não sabia que precisava de um cartão descolado, mas agora era a hora.

— Ok, o que preciso fazer? — murmurou, tirando o cartão do bolso.

O singelo ato foi o suficiente para revelar o que Leonard já sabia. 

A biblioteca não era um simples cômodo. Uma pequena câmera saiu de um compartimento no topo da estante à sua frente e emitiu uma fortíssima luz azul-ciano. Por alguns segundos, a luz analisou o cartão — como se fosse uma espécie de scanner — e desapareceu logo em seguida.

— Hm…?

Subitamente, sons de mecanismos envolveram todo o cômodo.

As estantes da biblioteca decidiram sair de seus lugares, se afastando das paredes como portões e dando lugar a uma enorme estrutura metálica, um autêntico portão. Era cinco vezes maior do que o detetive.

A estrutura abriu logo em seguida, espontaneamente, dando abertura para uma escuridão impressionante. Ardiloso, Leonard esgueirou-se até ficar próximo daquela misteriosa entrada. Deparou-se com uma longa escadaria, sem iluminação alguma.

“O cara não colocou lâmpadas aqui por qual motivo? Fazer os possíveis invasores russos se cagarem de medo e desistirem da missão?”, pensou, resolvendo descer a escadaria.

Foi questão de tempo para se afundar em uma profunda escuridão, seguindo apenas um ponto fosco de luz no fim do longo túnel de escadas.

A cada passo, a luz se tornava cada vez mais intensa, isso até chegar ao ponto dela dominar os olhos do investigador.

 

 

Assim que seus sapatos se encostaram no piso cromado da sala, Leonard Mystery encontrou uma visão incrível. 

O enorme espaço branco, muito maior do que a biblioteca, era cheio de mesas cobertas por aparelhos tecnológicos irreconhecíveis; discos flutuantes, armas cromadas, frascos com produtos químicos chamativos, plantas nunca antes vistas e tabelas de energia que flutuavam como hologramas pelo cômodo. 

Além disso, no centro do lugar, habitava um enorme aparelho. Era algo parecido com um computador, só que muito, muito maior. Por falta de palavras melhores, todo aquele ambiente era um laboratório de mil anos do futuro. Um lar de tecnologias que qualquer um com senso comum pensaria que só poderiam existir em uma era bem distante.

“Cacete!”, pensou. “O que tudo isso significa? Como Amadeus tem acesso a esse nível de tecnologia?!”

Tomado pela curiosidade, passeou pelo lugar tal qual uma criança na Disneylândia. Era tudo cheiroso e estranhamente assustador, mas igualmente atraente.

A primeira coisa que chamou a sua atenção foram aqueles corpos de metal parados como estátuas, bem idênticos aos humanos reais. Desde os braços e pernas, até os olhos, cabelos e lábios. Com o porém da coloração prateada de minério. Totalmente bizarro.

Depois de cutucá-los para ver se alguma coisa aconteceria, percebeu que estavam totalmente desligados, parados como estátuas. Então, continuou andando e passou pelos discos de metal que sobrevoavam a área como se fossem ovnis, sem fazer mais nada. “Talvez ele seja um alien… será?”

Parou metros depois, observando um agrupamento de armas colocadas sobre uma mesa. Eram fuzis prateados, armas que pareciam ter saído da marca de brinquedos Nerf e até mesmo espadas reluzentes. Era tudo leite saído das tetas de um brucutu de algum filme de ação e ficção científica.

“Será que eu pego?”, pensou. 

 

  De qualquer forma, usou sua mão — a não-ferida — para agarrar uma pequena arma. O item cromado era meio gordo em suas mãos, mas parecia ser o único da mesa de apenas uma mão. Tinha uma espécie de cone em sua ponta, aliado a algo parecido com um mini-satélite, o que ajudava mais o item a se parecer com um brinquedo — e o deixando bem mais descolado. 

— Ok, o que esse treco faz? — Pressionou uma alavanca que parecia ser a trava da arma. Sendo um verdadeiro gênio contemporâneo, mirou a arma para o próprio rosto e apertou o gatilho.

Felizmente, se esquivou a tempo para não ter o rosto petrificado pela rajada congelante que escapou da arma. 

— Uma arma de gelo? Nossa, que arma foda! — exclamou, como se não tivesse quase virado um boneco de neve por causa dela (e de sua genialidade).

“Espera, não posso esquecer do meu objetivo principal… onde é que tá o Galileu?”

Continuou o passeio pelo laboratório, à procura do irmão de seu cliente. Passou por um cilindro enorme preso à parede, uma fileira com diversas botas metálicas, mais discos voadores e até por um vaso de vidro com uma meleca cinza viva dentro. Entretanto, sua atenção foi atraída por outra coisa.

— O que é isso? — murmurou, parando na frente daquela planta presa em um círculo de vidro.

Não era exatamente uma flor, mas sim uma árvore com a estatura de um sapato. Aquela madeira que possuía uma forte cor vermelha, por algum motivo, chamou a atenção do detetive. Não era muito mais incrível que as outras plantas; ao lado, por exemplo, havia literalmente a maior planta carnívora do mundo, com olhos humanos e um nariz de porco.

Ainda assim, a mini-árvore carmesim atraía muito mais sua atenção. Era como se tivesse algo que puxasse o investigador diretamente para ela, como uma força gravitacional tão forte que conseguia afetar sua mente. Suas orelhas queriam formigar, enquanto os sussurros entravam em sua mente.

“Eu me lembro disso… eu já vi isso… mas onde?”

Quando se deu conta, já havia enfiado o dedo em um botão logo abaixo do globo de vidro, onde estava escrito: NÃO APERTE AQUI, PELO AMOR DE DEUS!!!

O globo de vidro abriu, libertando a misteriosa planta.

Sem sequer refletir sobre as consequências de seus atos, o detetive apenas agarrou a planta. Seus olhos, tão profundos quanto os de um soldado imerso na guerra, não olhavam para nada senão para aquilo.

Até que a planta peidou no seu rosto.

— Ah, qualé! — Largou a mini-árvore, tossindo. — Porra, comeu feijoada ou o quê?

Abaixou-se para agarrar a planta e guardá-la naquele compartimento. Neste exato momento, percebeu que ela deu chá de sumiço.

Olhou para a esquerda, direita, trás, frente, baixo, cima. A planta simplesmente desapareceu.

“Ué?”

Totalmente confuso com o que acabou de ocorrer, simplesmente continuou com a busca por Galileu.

Nisso, já sem saber como prosseguir a investigação, aproximou-se do computador gigante e olhou para o enorme monitor desligado. Desacostumado com aquele tipo de tecnologia e sem ideia de por onde começar, encarou as dezenas de botões e alavancas embaixo do monitor e optou pela escolha mais sensata: apertar todos eles.

“O pior que pode ocorrer é o computador ligar”, pensou, não esperando pelo o que estava por vir.

O computador ligou.

 

Seja muito bem-vindo.

  

— É o quê? De onde vem essa voz?

 

Me chamo M.O.N.G.I. e sou uma Inteligência Artificial. Sirvo como suporte na execução do Supercomputador Profissional Em Evoluir os Conhecimentos Humanos, vulgo S.P.E.E.C.H.

Possuo muitas informações e segredos de Estado. Posso lhe esclarecer qualquer dúvida.

 

— Legal. Então cê serve para ajudar no uso do computador?

 

Correto. É só dizer qual informação você quer encontrar ou que programa deseja executar.

 

“Espera, então posso descobrir todos os mistérios do país? Daora, que conveniente!”

— Belê. Quero saber de tudo.

 

Desculpe, senhor. Você quer que eu abra todos os arquivos simultaneamente?

 

— É.

 

Tudo bem.

 

O computador abriu 90320793479372979342 arquivos.

— Por onde eu começo?

 

 

— Mongi?

 

ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. ERRO. 

 

A tela escureceu. O dispositivo desligou.

— Ué. — Apertou nos botões novamente.

Sem resultados.

“Merda, quebrei o computador!”

Depois de passar minutos lamentando por ter perdido a oportunidade de acabar com a história do livro neste capítulo, Leonard decidiu continuar atrás de Darwin Galileu, muito mais perdido do que se espera de um profissional — o que ele não é. Como uma pessoa poderia estar naquele espaço e não ser encontrada?

Até que…

“Espera, e se…?” Olhou diretamente para o enorme cilindro de metal instalado na parede pelo qual havia passado reto. 

Se aproximou, com os neurônios queimando após se esforçar para fazer a dedução. “Se ele está na sala e não consigo vê-lo, é porque ele deve estar dentro de algo!”

Com um sorrisão no rosto, pressionou o enorme botão presente no cilindro. A cápsula logo soltou uma onda de vapor e abriu. “Eu sabia!”, pensou. 

Antes que a onda de vapor se dissipasse e Leonard conseguisse ver qualquer coisa, algo saltou para fora da cápsula.

—  Ei, calma lá! — gritou o detetive, sendo imediatamente atingido por alguma coisa. Caiu no chão.

Atordoado, Leonard Mystery se levantou. 

O vapor se dissipou, mas naquele ponto, ninguém além dele encontrava-se no laboratório. “Aquele era o Galileu? Ele fugiu?”

Desesperado e confuso, olhou para a cápsula aberta e sem nada. Então, segurou firmemente a sua arma congelante e correu até as escadas.

Demorou alguns minutos para subir todos os degraus e retornar até a biblioteca. Afinal, fazer aquilo naquele estado físico já era um grande feito.

Chegou lá e… nada. 

Obviamente, o fugitivo teve todo o tempo do mundo para ir embora. Seria um milagre se ainda estivesse na mansão, seja lá quem fosse. Disposto a procurá-lo, Leonard saiu da biblioteca e viu as estantes voltarem para suas posições automaticamente.

Visualizando a cena com perplexidade, prosseguiu até a sala de estar, onde deparou-se com alguém.

Uma intensa onda de frio invadia o cômodo através das portas abertas. O tapete à frente das portas confortava os pés descalços do homem. 

“Galileu?!”

Vestindo um conjunto de vestes semelhantes às roupas chiques —  porém surradas — da Era Medieval, o desconhecido fechou as portas com dificuldades e começou:

— É um grande prazer em conhecê-lo, senhor. Me chamo Hamlet e vim atrás de ti. Peço que, por obséquio, venha comigo sem nenhuma espécie de resistência.

— Calma lá, então tu não é o Galileu?

— Quem?

— É o provável nome do maluco que acabei de libertar e que saiu correndo daqui.

— Do que estás falando? Acabei de entrar.

— Ata. Viu ele saindo?

— Não…? Você está fugindo do assunto.

— Cara, não tô com saco pra isso. Se quiser me ajudar a encontrar o Galileu, belê, até vou contigo. Mas, se não, aí vou ter que te mandar vazar. Se não vazar, aí te quebro na porrada.

— Está dizendo isso com sinceridade, mesmo com todos esses ferimentos?

— Sim.

— Tem uma espada enfiada no seu braço.

— Rapaz, isso daqui é a mais nova moda da cidade.

— Tanto faz. Não estou nenhum pouco interessado em lhe ajudar a encontrar alguém que possa ser chamado de Galileu, assim como definitivamente não sairei desta mansão sem levá-lo comigo. Tem certeza de que quer me obrigar a lutar contigo, estando o senhor neste estado deplorável?

—  É. Vem pra cima.

— Creio que o seu cérebro minúsculo não tenha compreendido, mas sou o homem que colocou seu amigo, Einstein Heisenberg Holmes, naquele veículo que o levou para longe. Não tenho a mínima ideia do que o meu mestre quer com ele, mas agora, ele decidiu de última hora que preciso te levar também. Se é de seu interesse salvar o seu amigo, a sua única chance é vir comigo. Talvez vocês tenham a sorte de meu senhor não ter interesse algum em matá-los, o que não posso prometer.

“Hm…”

— Por que o seu chefe quer o Einstein? E por que ele decidiu de última hora que me quer também?

— Não tenho a resposta de nenhum desses questionamentos. Percebi que você e seu amigo compartilham o hábito de perguntar.

— É que sou um detetive, mané. É esse o meu dever.

O homem encostou as costas na parede ao lado da entrada, cruzando os braços simultaneamente. Encarava Leonard com um olhar perpétuo.

— Diga-me, virá comigo sem lutar? É o melhor para todos nós.

“Pô, é verdade, tô todo lascado… além disso, talvez eles não estejam a fim de nos matar. Mesmo se quiserem, junto com o Einstein, tenho chances de conseguir fugir…”

— Então?

O detetive continuou pensativo.

“Só que… o Laertes quase me deixou em coma pelo resto da vida. Quem sabe quantos amigos com poderes esses dois tenham? Quem sabe o quão forte cada um deles são? Isso é arriscado demais. Só que, se eu não for, talvez o Einstein morra sem nem mesmo ver os irmãos…”

— Bem…

“Mas…”

— Se decidiu?

— Sim — respondeu Leonard, apontando a arma cromada para o rosto do sequestrador. 

“Sou um detetive, o meu objetivo é desvendar mistérios. Farei o que meu cliente pediu: encontrar os seus irmãos. Resgatá-lo é secundário.”

Certo de suas convicções, pressionou o gatilho. Uma rajada congelante saltou da arma.

Os olhos de Hamlet cresceram nervosamente ao ver o disparo de frio vindo em sua direção.

— Quem diria que você tentaria me congelar. Logo eu…

“Mas que merda…?”, pensou o investigador, vendo a cena que se prosseguiu.

Uma pequena muralha, feita de um cristal vermelho e vibrante, surgiu na frente de Hamlet em questão de segundos. A muralha, tão fria quanto o disparo congelante, absorveu a rajada como se fosse nada. O homem de vestes estranhas saiu de trás do muro, com um sorriso sarcástico.

— Logo eu, aquele que domina o gelo escarlate, cujo frio aterroriza a alma de todas as suas vítimas?

"Tô vendo que essa luta será bem perigosa!"



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