Volume 1

Capítulo 17: O Porão

— Você não era cruel assim…

Haru retirou a Predadora da bainha, deixando que os pequenos feixes de luz se reflitam na lâmina de prata. Respirando fundo, ele diz:

— Você não está aqui. — O recrutado balançou a espada, acostumando-se ao peso da arma. — Você morreu em Golden.

— Verdade. — O fantasma o acompanha com o olhar. — Mas você não pode impedir um amigo de visitá-lo.

Kyle Verdana, capitão do batalhão de Haru, era um homem alto, de pele negra clara e sotaque rústico de Tyrona. A farda verde-musgo da infantaria de Anfell, sempre impecável, se alternava na mente de Haru com as lembranças do tiro que perfurou seu crânio e do corpo carbonizado em algumas partes, principalmente no rosto. O ex-militar balançou a cabeça, tentando afastar a visão.

— Faz tempo que não nos falamos, não é?

— Estou ocupado, você sabe. — O espadachim ergue o rosto, tentando aguçar a audição, mas a voz da assombração o incomoda.

— Mais uma missão, como nos velhos tempos? — Kyle ri, circulando o subordinado. — Você não pode continuar com eles...

— Cala a boca. — O lobo branco sussurra.

— Você destrói o que toca...

— CALADO!

Ao se ouvir gritar, Haru percebeu o fantasma desaparecer no mesmo instante em que um som ecoou abaixo de si. Ele leva a mão à boca, amaldiçoando sua falta de controle, mas focou nos ruídos. A luz da janela o fez notar uma escada estreita que descia até uma porta. Convencido de que o som vinha de lá, ele apoiou a mão esquerda no corrimão e começou a descer cautelosamente, evitando o ranger da madeira.

A sola de couro contra o piso de lenho produziu alguns estalos, e a paz momentânea da mente de Haru se desfez. Sua visão se avermelha, e os ruídos se tornaram mais nítidos conforme girou a maçaneta. Um gemido feminino e um som animalesco se revelaram. Uma besta satisfazia seus desejos mais vis em um porão.

Ao empurrar a porta, as dobradiças rangeram, e sua consciência o arrastou de volta a uma lembrança que queria esquecer. Diante dele, uma figura disforme entre as pernas de uma mulher se movia de forma grotesca e violenta, deixando a pele da vítima marcada por arranhões profundos e feridas abertas. A cena o paralisou.

Seus instintos clamaram para que reajisse, mas antes que conseguisse, um goblin saltou sobre suas costas, derrubando-o escada abaixo. Os braços e o tronco latejavam de dor, mas não havia tempo para reclamar. Ele rolou, virou-se de barriga para cima e impulsionou uma das pernas contra a parede a leste, desviando de uma emboscada por trás.

O monstro avançou, mas Haru o prendeu entre as pernas e, aproveitando a brecha, o chutou pelo tronco, lançando-o para longe. Outro surgiu das sombras à esquerda. O espadachim o segura pelos ombros e, mantendo a espada na horizontal, impedia que a criatura se aproximasse demais, deixando-os cara a cara. Os gritos monstruosos despertavam seus sentidos.

Sentindo a guarda improvisada pela lâmina ceder, Haru segurou o rosto do inimigo com a mão esquerda e o empurrou com esforço. O braço ainda dolorido queimava em agonia muscular.

Então, a mana o socorreu, fluindo pelos canais pouco a pouco. Sua mão esquerda, cravada contra o rosto da besta, esquentou rapidamente até que, em segundos, uma chama consomisse a pele viscosa do goblin.

A agonia o fez recuar, e Haru o empurrou no tronco com ambas as solas dos pés. Em seguida, retomou a espada caída e o empalou contra a parede ao norte. Viu o primeiro inimigo se recuperar da dor e tentar atacá-lo novamente, quase à queima-roupa. O recrutado puxou a lâmina e a balançou em um arco horizontal, decapitando o segundo algoz.

Um terceiro avançou pelo lado direito, mais movido pelo medo do que pela coragem. O Dragão Branco desviou e cortou-o em diagonal com a Predadora, abrindo-lhe a barriga. As vísceras escorreram junto do sangue negro pelo buraco do ferimento, e a criatura tombou em agonia. Restava apenas o monstrengo estuprador.

— Devo ao menos agradecer pela raiva que me proporcionou. — Haru exalou o ar dos pulmões, os olhos tomados de fúria. — Me sinto mais vivo do que nunca.

O órgão da criatura ainda permanecia rígido, grotescamente exposto ao lado da mulher amordaçada. O nojo tomou Haru de assalto, e ele pisou sobre o membro como se esmagasse um inseto. O goblin urrou. Pisou novamente, mais forte, e na terceira vez sentiu os testículos estourarem sob a sola dos sapatos. O espadachim repetiu o gesto algumas vezes, rompendo músculos e esmagando o órgão até que nada restasse além da dor e das lágrimas da besta. Ele não ofereceu piedade.

Quando ouviu a porta se abrir atrás de si, Haru atravessou o coração do goblin com a espada e a sacudiu, limpando o sangue da lâmina.

— Não vão ajudar o seu amigo? — perguntou, virando-se para os que surgiam atrás de si. — Eu me recuso a ser chamado de lixo enquanto criaturas como vocês existem neste mundo.

Dos dois que restavam, apenas um avançou; o outro fugiu pela abertura no alto. O que veio partiu para o ataque com uma pequena faca de osso. Haru bloqueou-o com um soco descendente, jogando-o escada abaixo. O goblin caiu de costas nos degraus, urrando quando as costelas se partiram.

O espadachim liberou uma pressão vibrante de mana sem perceber, paralisando o inimigo e a refém atrás dele. Sacou o punhal da cintura e cravou a primeira estocada no ombro do adversário, pregando-o ao chão. Depois, esfaqueou-o repetidamente.

Para Haru, o rosto bestial alternava com o de antigas vítimas de sua memória. Para o goblin, o Lobo Branco era um demônio sedento por sangue. A pressão cresceu.

A refém gemeu, sufocada pela aura. Haru parou. O plasma negro cobria suas mãos, seu rosto e até as pontas do cabelo. Diante dele restava apenas uma massa de vísceras, pele rasgada e dentes espalhados. Um nó subiu à garganta, prendendo-lhe o fôlego.

Ele se ergueu, evitando encarar a mulher naquele estado deplorável. As roupas rasgadas deixavam a pele exposta em vários pontos, principalmente a saia, reduzida pela violência. Haru desabotoou a gandola da farda e se aproximou. O gesto, aliado ao trauma, fez a jovem se retrair, mas ele apenas estendeu a peça e a cobriu como um agasalho. O tecido largo ocultava seu corpo até a metade das pernas.

— Por favor — disse ele, agachando-se com voz branda — fique aqui, se proteja e descanse. Voltarei assim que tudo estiver seguro.

— Haru! — a voz de Laki ecoou no alto das escadas, recordando-lhe o dever.

— Estou aqui! Já vou! — respondeu.

Ele lançou um último olhar à refém. Não parecia ter mais que vinte anos, mas o medo a fazia parecer uma criança acuada no escuro. Sem perder tempo, virou-se e subiu as escadas rapidamente.

O recrutado saiu do porão com a camisa social branca cobrindo o peito e a espada presa nas costas. Viu Laki próxima à porta da mansão, esbaforida de preocupação. Por um instante, Haru teve a impressão de que até a luz do dia nublado se tornara mais forte ao ser notado por ela. Seu corpo relaxou brevemente, mas um arrepio percorreu-lhe a espinha quando ouviu Grimm urrar ao longe:

— Cuidado!

Uma enorme pedra foi arremessada contra eles, atingindo a varanda da casa. A intuição fez Haru se jogar sobre Laki, abraçando-a para protegê-la da trajetória da rocha. O impacto partiu metade da varanda e fez as aves baterem asas, fugindo em debandada.

Na direção do ataque, surgiu o arremessador: um goblin de quase um metro e oitenta, corpo musculoso e um tacape improvisado feito de tronco de salgueiro. Um goblin-campeão. O último desafio daquela missão.

 

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