Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 2

Capítulo 44: Malak

GRIS

 

Não faz muito tempo que eu disse que queria ser um caçador de bestas e demônios, algo que me parecia tão distante. Mas, depois dessa luta, receio que seja algo alcançável. Consegui nocautear um wyvern de fogo.

Claro que ele já estava cansado depois de lutar contra Jamal, mas mesmo assim. Se eu treinar mais e melhorar meu domínio do impetus, é certo que conseguirei caçar bestas até dentro da Floresta de Prata.

Bom, nem todas elas. Não ousaria dizer isso depois de entender quão poderosa era aquela dríade.

Eu estava sem o amuleto de promítia, com meus sentidos aprimorados e mesmo assim ela me pegou. Não consegui perceber nada, até ser arrastado pelas vinhas. Elas eram tão resistentes que não pude rompê-las com impetus.

— Ow! esse não é o canhoto? — escuto um estranho cochichar para outro e cutucá-lo na altura da costela.

O professor tinha razão, demônios são assustadores. Aquela coisa pouco se importou se eu era aliado ou inimigo. Ela só me atacou na primeira oportunidade.

— Alienor, aquela invocação não deveria te obedecer?

— Olha, com minha potência mágica atual e domínio dessa magia, eu só consigo invocá-lo, mas não dar comandos muito específicos. Eu disse “pega”, e ele correu para pegar — ela responde com um tom desanimado.

Então subitamente, a ruiva me abraça e complementa: — Desculpa, Gris, eu não me aguentei. Eu queria mostrar para aqueles arrombados da plateia quem é a maioral.

— Está tudo bem. Nós vencemos no final. Mas seria melhor se você me avisasse antes de fazer algo tão perigoso.

— Pode deixar! Você será o primeiro avisado. Uhum, uhum... — ela balança sua cabeça em afirmação, ao passo que me solta.

Não é necessário ser um especialista para perceber que foi uma mentira.

A verdade é conheço Alienor um pouco melhor agora. Sei que ela mentiu, mas nem mesmo ela sabe disso. De fato, a ruiva acredita em suas próprias palavras, mas as esquecerá na primeira oportunidade e fará algo imprudente de novo.

— Ow... Aquela ali não é a maluca dos demônios — cochicha alguém perto de nós.

— É, sim... mas fale baixo, ou ela ouvirá — responde uma mulher.

— Vão se ferrar vocês dois! — exclama a ruiva aos dois faladores.

Durante aqueles três anos, tudo o que fiz foi treinar e olhar para o lado de fora da janela da cabana. Eu sabia até quantas folhas haviam em cada galho das árvores. Um dos meus passatempos era justamente acordar e contar quantas folhas havia e saber quantas delas caíram, enquanto dormia.

Mas isso acabou quando eu conheci uma raposa avermelhada. Eu já não acordava mais para contar folhas, mas para procurar qual objeto quebrado ou chamuscado se tornou sua próxima vítima.

Confesso que era irritante no começo, mas não demorou muito para que eu me acostumasse e criasse expectativas de qual a próxima confusão que ela se meteu. Ou melhor, em qual confusão nos metemos.

Hey! Não sabia que você era tão forte. Chega mais, Gris — diz o Karakhan, no momento em que me avista.

Nós saímos do campo de batalha, pois já vencemos nossa luta. Agora poderemos acompanhar os demais participantes daqui da arquibancada. Será bom vermos a maneira que eles lutam e nos prepararmos a partir disso.

— Aquilo foi incrível. Eu não vi muitos usuários de impetus lutar, mas tenho certeza que normalmente eles dariam um murro para cima, para não serem arremessados longe.

Entendo sobre o que ele se refere. O professor me contou que, os poucos que sabem manejar o impetus por Aelum somente sabem usar o dom da força descomunal e da resistência à ferimentos.

Já os sentidos aprimorados, a manipulação de massa e a resistência mental são raros. Portanto, golpear o inimigo contra o chão me lançaria pelos ares no sentido contrário, se não fosse o dom do aumento de massa. Esse é um dos motivos dos quais poucos se aventuram a treinar o impetus.

Esse também é um dos motivos que muitos têm o impetus como uma técnica falha. Uma técnica destinada aos desesperados que não conseguem usar magia.

— Bom, aquilo...

— Não precisa me dizer. — O mascarado me interrompe. — Eu já percebi que é um segredo. Só queria te parabenizar mesmo, nada mais. Hahaha.

— Obrigado.

— Srta. Alienor, aquilo foi imprudente — diz Kali. — Você não pode invocar uma criatura que não controla completamente: Ela pode te matar.

Ah! Ele não me mataria. Os wyverns de fogo nunca atacam pessoas de Galantur.

— Igual estas bestas que vivem aqui em Ticandar? — a questiono.

— Não sei se é exatamente o mesmo caso. Na verdade, parece que ninguém em Galantur sabe dizer o motivo. Esses demônios não entram na cidade e sempre ignoram nosso povo.

— Não é um comportamento normal para um demônio — afirmo.

Alienor dá de ombros e continua: — Isso é tão natural por lá que às vezes até nos esquecemos.

— Preparem-se para a próxima luta. Os competidores são: Sarah e Tarek, de Fibram Tal; contra Malak e Hector, de Thar.

Hey, seu manjador de rolas! É melhor não perder, pois eu vou arrebentar sua cara depois! — grita Alienor.

Alienor não tarda em fazer novas amizades. O jovem de cabelos pretos que acaba de entrar na arena a escuta e devolve um olhar de raiva. Seu companheiro, por seu turno, um rapaz um pouco mais baixo e com a face escondida por um capuz, olha na minha direção por um tempo.

Tive a impressão de que ele me reconheceu. Será que é por que eu participei da luta agora a pouco?

— Vocês dois estão na semifinal, e o adversário será o vencedor desta luta — comenta o Karakhan.

— Perfeito, eu terei minha vingança! — afirma Alienor.

Decido retirar o amuleto de promítia de meu pescoço e o deixo sobre a cadeira da arquibancada, ao passo que ativo o dom de aprimorar sentidos: Visão.

A aura de Hector é verde-escura. Ou seja, um usuário de criação e morte. Exatamente o alinhamento oposto de Alienor que, por seu turno, é destruição e vida. O garoto entra no círculo verde e se posiciona próximo à bandeira.

Quanto ao de capuz, Malak, sua aura é vermelha-escura. Ele se posiciona fora como atacante.

— Hector possui alinhamento sudoeste, já Malak; sudeste.

— Por que você diz isso, Gris? Você viu eles fazerem o teste da rosa dos ventos? — questiona o mascarado.

— Não, eu vi agora. Por exemplo, o seu alinhamento também é sudoeste, Sr. Karakhan.

É impossível ver o rosto do mascarado, mas ele claramente ficou espantado por eu notar este fato.

— Ninguém usa o alinhamento sudeste — afirma Kali. — Você deve estar enganado.

Não culpo a lumen por pensar assim. Afinal é um tabu usar o alinhamento cuja junção é dos dois fluxos negativos. Esta combinação de fluxo traz consequências graves ao usuário. Porém, fato é que a aura dele é vermelha-escura. Não há dúvidas quanto a isso.

— Se o Gris diz que é sudeste, então deve ser — interrompe Alienor. — Meu pai também era desse alinhamento e viveu por muitos anos sem precisar usar magias proibidas.

Humpf! — Kali cruza os braços e vira o rosto.

— Humpf! — Alienor a imita e vira para o lado oposto.

Os competidores de Fibram Tal se posicionam um dentro e outro fora do círculo vermelho. A aura de ambos é preta. São usuários de magia de morte.

— Ao meu sinal. Comecem! — anuncia a árbitra.

Malak começa a caminhar em direção ao círculo inimigo. Um dos adversários vem ao seu encontro e recita algumas palavras. Dois clones aparecem ao lado do competidor de Fibram Tal e se separam dele, depois cercam Malak.

O encapuzado retira duas adagas, antes escondidas por debaixo de sua capa preta. Ele as exibe ao seu adversário, depois as joga para longe.

— Wuuuu! — o estádio vaia o competidor de Thar. É uma clara provocação: Ele subestima seu adversário.

— Que arrombado. A minha vontade é descer lá para quebrar a cara dele — comenta o mascarado.

— Se ele se acha tão forte, por que não acabar logo com isso? Tomara que perca... — diz Kali.

Os lumens valorizam muito a honra e o respeito em batalhas. A atitude demonstrada por Malak não foi um insulto somente direcionada ao seu oponente, mas, sim, contra todos os espectadores que aqui estão.

Um dos três clones investe contra o encapuzado e tenta atacá-lo pelas costas.

— O das costas é o verdadeiro — comenta o mascarado.

De fato, o mais lógico é que aquele que atacou pelas costas seja verdadeiro, pois não faria sentido um clone atacar por trás. Clones são justamente usados para enganar, portanto não faz sentido usá-los em lugares que o inimigo não os vê.

Entretanto, do corpo de Malak surge um anel negro que se propaga como uma onda ao seu redor e impacta contra o inimigo e seus clones ao mesmo tempo.

Duas cópias desaparecem e só sobra o verdadeiro, justamente o que estava nas costas, o qual começa a golpear o vazio a sua frente e gritar:

— Por quê!? Por que você está aqui!? Eu já te matei, só desapareça!

Eu já vi isso antes, é a mesma magia que saiu de meu corpo e atingiu Alienor e Fineas naquele dia. Ela causou alucinação neles. Então...

— Tsk! Aquilo ali é um saco. Aquela merda de magia estranha... — Alienor olha para mim com um olhar de reprovação.

Ela ficou muito brava comigo, porque usei aquilo nela. Mas até hoje a ruiva não me explicou o motivo.

— O que é aquela magia? Você a conhece, Alienor? — pergunta Kali.

— O arrombadinho aí já conseguiu usar uma vez, mas não tenho certeza de que magia era.

Kali me espreita com curiosidade, mas ao final vira seu rosto de maneira esnobe. Qual o problema dela comigo?

— É, já era... — diz o Karakhan.

Quando olho novamente para o campo de batalha, vejo o competidor do continente demoníaco caído no chão. Malak está sobre ele desferindo uma série de socos. O garoto já sangra muito e está totalmente atordoado, sem defesas.

— Por que ele não reage? Está no alcance de um toque — comenta Alienor.

Vi Kari se levanta, ela está prestes a intervir. Se Malak tentar matar o garoto, ele será desclassificado. Porém o encapuzado para, olha em direção à árbitra e se levanta.

Ele deixa o outro competidor desmaiado no chão e passa a caminhar em direção ao círculo vermelho, sem pressa alguma. O garoto dentro do círculo faz um sinal com as mãos e uma névoa escura toma conta do ambiente, mas isso não impede Malak de entrar.

Tento olhar através da névoa, mas mesmo com impetus não consigo ver desta distância. Se eu estivesse lá, talvez conseguisse ver a aura que emana de seus corpos, mas não daqui de tão longe.

Olho para os demais e para a multidão de espectadores. Todos estão calados e apreensivos. É quando o silêncio é quebrado por um homem da plateia:

— Alguém está saindo!

Da névoa densa, sai Malak com uma bandeira vermelha em mãos. A neblina preta começa a se dissipar e revela o competidor de Fibram Tal desmaiado no chão.

Malak poderia ter arrastado o competidor para fora do círculo para vencer. Porém, ele prefere caminhar os quase cem metros até sua área.

As pessoas o vaiam e xingam, afinal apenas atrasa uma partida ganha. Ele desrespeita até o tempo dos espectadores e tarda o atendimento médico do competidor ferido.

O encapuzado para um pouco antes de entrar na área dele, remove seu capuz, revelando um rosto repleto de cicatrizes. Ele deve ter em torno de uns dezesseis anos e possui cabelos pretos.

 Malak olha na minha direção, aponta para mim e simula que cortará minha garganta.

— Olha a ousadia — diz Alienor. — Você o conhece, Gris?

— Não.

— Ele é forte. Nem precisou da ajuda do companheiro para vencer — comenta Kali. — Vocês sabem que tipo de magia era aquela que ele usou?

— Parecia magia de morte, porém ela teve efeito à distância — explica o Karakhan, depois olha para nós e complementa: — Precisamos pesquisar sobre aquilo. Caso contrário, vocês perderão a próxima luta.

— Onde podemos ver isso, Sr. Karakhan?

Ele ajeita sua máscara, limpa o pigarro da garganta e, com uma voz galanteadora, responde: — Na Vivenda de Alvitres. Não temos outra alternativa.

— Ótima ideia! Eu preciso mesmo pesquisar sobre as fraquezas daquele demônio maldito — responde a ruiva, estranhamente entusiasmada.

 

Diagrama das cores dos fluxos e auras dos personagens:

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