Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 1

Capítulo 26: O Monstro da Floresta de Prata

VINICIUS

 

Será que Dara me pune por desejar viver na Floresta de Prata? Talvez ele tenha concedido o meu desejo, mas isto não deixa de ser uma punição.

— Vamos para dentro de casa, filho, pois vai anoitecer logo, senão o monstro da floresta vai levar você.

— Sim, mãe! — Escuto os moradores falarem, mas ninguém me nota, nunca.

Eu poderia ter feito algo de diferente? Por mais que eu pense sobre, não encontro erros no planejado, mas colocar a culpa pelo fracasso em alguém, que não seja eu, me privará de evitar que isto ocorra novamente.

Espero que eu tenha uma segunda chance para isto. Por favor, Liliam, esteja viva e aguente até eu conseguir te salvar.

Gruel!

— Ah! — grita um soldado de Lumínia, à medida que é atacado por uma onça saltadora e morre.

Estou no alto de uma casa e me movo em meio às sombras. Já é noite e ninguém pode me perceber.

— Que merda, outra besta! Matem...!

Siiip! Acerto uma flecha no sacerdote e ele morrerá se não for curado. Assim, rapidamente pulo sobre as casas e me desloco para outro local.

— É um ataque! O caçador está aqui. Curem o bispo e se... Ahhhh! — A gigantesca onça estraçalha o oficial, o qual está distraído ao dar as ordens.

Siiip! Outra flecha, acerto o curandeiro na garganta. Ele não conseguirá conjurar magia e salvar o colega.

Gruel!

— Recuem, não temos chance em local aberto, corram para a mansão! Ah! Ah! — Outro sacerdote dá as ordens e é devorado pela besta.

Bom, não é uma besta, pois se fosse, o estrago seria bem maior. Mas ela é magnífica e é minha amiga nesta noite.

Vamos levar o conflito para a mansão.

Sigo os soldados, que são perseguidos pela fera, e chego até o local que ambos queríamos. Aqui vejo, de longe, uma grande construção de três andares e toda preta.

Posso ver a entrada da mansão e, diante dela, há uma mulher ajoelhada, amordaça e com as mãos e pés amarrados. Ela está em péssimas condições, desnutrida e cheia de cicatrizes por todo o corpo. A mulher foi torturada por muito tempo: É Liliam.

Atrás dela está um sacerdote com roupas brancas e prateadas. Eu o conheço e é o mais alto inquisidor, Baltazar. Ele está com uma espada no pescoço de Liliam e grita algo:

— Apareça, Caçador! Esta guerra acaba hoje!

Este conflito só acabará quando eu morrer.

Vejo Liliam, e ela aproveita que o inquisidor afrouxa a espada de seu pescoço e contorce seu corpo. Assim, ela corta a mordaça ao passo que machuca também seu pescoço e sangra. Percebo que ela recita algumas palavras, mas está muito longe para que eu possa ouvi-la.

— É uma emboscada! Eles estão escondidos. Me mate e fuja. — diz Liliam, e sua voz ecoa dentro da minha mente. — Por favor, faça, pois eu não aguento mais.

Ao passo que escuto sua voz, também vejo suas memórias, sinto sua dor e suas emoções. Sinto as torturas que ela foi obrigada a suportar, as magias que ela foi obrigada a fazer e a emboscada que eles prepararam para mim, aqui.

Como eu suspeitava, essa magia, ela é uma santa.

Vejo a imagem de mais de cem soldados e sacerdotes, todos estão escondidos dentro das casas e da mansão. Há também homens que vestem preto, são os Assassinos de Erun.

A vontade que eu sinto é de tentar salvá-la, porém eu sei que não conseguirei. Eu morrerei na tentativa e ela seguirá sendo torturada.

Novamente, meu corpo se move sozinho.

Eu sou como um passageiro do meu próprio corpo.

Coleto uma flecha de minha aljava e a coloco na corda, tenciono o arco, ao passo que não tiro os olhos de meu alvo: A mais obstinada e bela.

Então solto a corda.

Siiip! Erro o coração, mas desta vez é de propósito, pois preciso que ele bombeie o veneno por todo seu corpo. Em alguns segundos, ela morrerá, pois é Pamplonela.

Baltazar olha para a flecha e tenta conjurar uma magia para curá-la, mas eu pego a besta que está em minha cintura, e dou o segundo disparo.

Siiip! Na garganta do alto inquisidor.

— Gah!

Sem magias hoje, Baltazar.

Gruel! A gigantesca onça surge, pois é atraída pelo conflito. Que bom que tenho uma amiga comigo.

Sinto uma presença se aproximar, eu fui localizado.

Katchin! Defendo a investida do assassino, mas certamente outros virão. Olho para Liliam, e ela já está morta, pois a onça impediu que a resgatassem.

O assassino tenta tocar meu rosto, não posso deixar que isso aconteça, pois eles usam magia de morte. Pulo para trás e arremesso uma faca contra ele.

Katchin! Ele defende. Esses caras são um saco.

Preciso fugir, pois se eu alcançar a floresta, terei alguma chance.

Eu bato em retirada e salto por cima das casas.

— Aqua salitas — diz um sacerdote que me vê e uma flecha de água atravessa o meu peito.

Respondo com o arremesso de uma faca, já o sacerdote coloca suas mãos na frente, por reflexo, e a arma crava em seu braço. No mínimo, ele perderá tempo com o veneno.

O assassino que me perseguia, ele some, mas percebo vários aliados dele lá longe.

Entretanto, sou mais rápido que todos e avanço. Assim, eu entro na Floresta de Prata.

Ao passo que corro, coloco dois dedos na boca e solto um assovio forte e agudo: Fiiiuuu!

Depois, subo nas árvores e salto de galho em galho, pois preciso mudar de posição e me esconder.

— Luminare — diz um sacerdote, na medida em que junta suas mãos e a luz toma conta do local.

— Por aqui! Ele veio por aqui! — grita um soldado, em meio à floresta.

Assim vocês facilitam para mim.

Sinto alguém se mover à minha direita, quando olho, sua mão está prestes a tocar minha garganta. Portanto, com minha adaga, eu perfuro sua barriga, mas não consigo evitar o toque, e ele diz:

— Somnum! Ahhh!

É o assassino que me perseguia. Sinto um pesar, é um forte sono. Eu desmaio.

Então, acordo já no chão. Quanto tempo se passou?

Vejo o assassino tomar um antidoto. Essa foi por pouco, pois, ao perder a concentração com o veneno, ele dispersou a magia de morte.

Olho aos arredores e estou cercado, são centenas de soldados, sacerdotes e assassinos. Creio que é o fim. A não ser que meu plano tenha dado certo.

— Renda-se, Caçador, e prometo que será rápido — diz Baltazar, já curado de seu ferimento.

Todavia, sinto um frio excruciante, o qual parece que faz meus ossos arranharem a minha carne, na medida em que a névoa fica cada vez mais densa.

Criiiiik! Um pilar de gelo, com três metros de altura, surge em meio aos soldados, ao passo que eu me escondo atrás de uma árvore grossa, pois sei o inferno que se aproxima.

Triuuu! O pilar de gelo explode e seus fragmentos voam, enquanto atravessam a carne de todos os presentes, e congelam as partes dos corpos que tocam.

Vejo dezenas perderem seus braços e pernas que, quebradiços, se rompem. Os mais sortudos têm acertadas suas cabeças ou outros pontos vitais e morrem na hora.

Olho para a origem do frio e da névoa, ali há o que parece ser um tigre branco com listras azuis, com dois metros de altura, e olhos prateados e brilhantes, cercado por uma nevoa, a qual aparenta sair de seu pelo, à medida em que desfila em nossa direção.

É um Nixus, uma besta de gelo. Parece que irritei seus ouvidos. Sinto muito, Sr. Tigre, mas não te chamaria se não fosse importante.

Troco olhares com os convidados que sobreviveram. Baltazar parece especialmente irritado.

Ninguém, além da besta, sairá vivo daqui e todos nós percebemos isso.

Estava errado, pois Baltazar conseguiu fugir, ao custo da vida de todos os demais. E eles dizem que a minha forma de lutar é covarde... Mas é indiferente, pois corajoso é aquele vive para contar a sua versão.

Mas acho que não terei a oportunidade de contar a minha, não mais. Pois, a besta de gelo é cruel.

Ela matou quase todos que estavam aqui e seus corpos congelados estão estilhaçados por todos os lados. O Nixus gosta de brincar com suas presas, é caprichoso e maldoso. Por isso, estou caído no chão sem um braço e uma perna, ao passo que morro lentamente pela perda de sangue, à medida que os ferimentos descongelam e sangram cada vez mais.

Quanto ao Nixus, está de vigia, sentado a poucos metros de mim e desfrutando do meu sofrimento. Ele quer garantir que eu não escape daqui, mas também quer degustar da tortura proporcionada.

Deseja que eu sofra por tê-lo irritado, mas a verdade é que sinto gratidão a você, Sr. Tigre, pois juntos fizemos um belo estrago. É um bom desfecho.

Já não tenho mais motivos para viver, apesar que eu gostaria de continuar minha investida contra Lumínia. É o plano que eu escolhi e gostaria de executá-lo até o fim, professor.

Sim, ver o reino mágico sucumbir seria muito bom.

A era da magia precisa acabar, pois não admito um mundo em que o nosso futuro seja definido pela sorte ao nascermos, e eu gostaria tanto de terminar este trabalho, mas acho que alcancei o meu limite.

Em todo caso, poderei me juntar ao Gabriel e Liliam, portanto não é de todo ruim.

Grrrr!

— É, eu sei, eu sei, Sr. Tigre.

Preciso sofrer um pouco mais, pois eu mereço isso afinal. Mas não se preocupe, Sr. Nixus, pois eu ainda tenho algum tempo.

Entretanto, algo surpreendente acontece, pois percebo que a besta olha para um local distante, então ela fica aflita e foge desesperada em direção à orla interior da floresta.

Seu desespero é tamanho que se esquece de me matar. Será que virarei jantar de algo ainda mais aterrorizante?

Olho para a mesma direção que o tigre vislumbrou e percebo dois pontos avermelhados, que brilham em meio à escuridão. Parece que o inferno já enviou seu carcereiro para me buscar.

— Ouvi boatos a respeito de um monstro que habita estas florestas — diz um velho de aparência cadavérica, após sair das sombras.

Ele caminha em minha direção, para ao meu lado, e me espreita estirado pelo chão. Agora percebo que seus olhos, em verdade, são negros e causam a impressão de que foram arrancados.

— E os rumores dizem que, se uma criança for desobediente, o monstro vai levá-la e devorá-la dentro da Floresta de Prata. Assim, a alma do pequeno vagará, como um vaga-lume prateado, para todo sempre por esta selva, ao passo que será torturado pelo monstro e também pelas infinitas bestas que aqui vivem.

— Eles também não tiveram compaixão, nem por meu filho.

— De fato, e tampouco enterrarão os filhos deles, também ouvi relatos sobre isso, mas eu não vim aqui para julgar os seus métodos, Caçador, pois não cabe a mim este papel. Em verdade, vim parabenizá-lo, agradecê-lo e fazer uma proposta, pois Lumínia atrapalha os meus planos e você fez um belo estrago aqui. Quantos você matou nestes últimos oito anos? Uns vinte mil? Talvez até mais. A economia deles está uma bagunça, pois muitos mais fugiram com suas famílias e os comerciantes se recusam a vir aqui. Sendo assim, a capital está fraca. Até o dragão vermelho apenas espreita para invadir estas terras, mas nem ele teve coragem de fazer o que você fez.

— Creio que até mesmo dragões tenham algo a perder ainda.

— Verdade, percebo que não lhe falta sabedoria, mas não ter nada a perder tampouco retira seu mérito. Pensando bem, creio que mesmo se todos os demônios de Nila Velum viessem, não teriam chegado tão longe quanto você chegou. Os portões de Gihena estão abarrotados por sua causa, Caçador, e você chamou a atenção de indivíduos problemáticos.

— Quem é você? — eu pergunto.

— Ótima pergunta. Pois bem, creio que a melhor definição que eu possa dar e que se encaixe nos seus conceitos é que eu sou um mercador. Pois, eu preciso de certas coisas e ofereço outras em troca, por isso, eu faço contratos mercantis. — O demônio olha para meus ferimentos e percebe que estou à beira da morte. — Portanto, façamos um pequeno acordo mercantil, Sr. Caçador, eu curarei suas feridas e você escutará a minha proposta, sem compromisso algum, o que acha?

— Eu aceito.

Pois, já não tenho mais nada a perder.

O Homem Magro toca meu peito, assim eu sinto um calor e vejo uma luz branca, ao passo que minha perna e braço são reconstituídos, se regeneram e as feridas se fecham. Ele é uma besta?

— Confuso sobre a magia? Vejo que, em que pese você não ser um usuário de fluxo, parece conhecer bem o funcionamento dele. Não sou uma besta ou demônio, se é o que pensa, ainda que o fato de eu não precisar recitar as palavras aparente isso. Isso se deve por se tratar de uma magia pouco complexa e também por conta da minha anatomia, nada mais. Aelum é maior do que você pensa, Sr. Vinicius.

— Meu nome é Caçador.

— Vejo que abriu mão do seu passado. Mas nomes não são importantes agora, pois o que importa é minha proposta. Me diga, há algo que você queira?

— Não, eu já perdi tudo o que um dia valorizei. A não ser que você possa trazê-los de volta.

— Infelizmente, eu não possuo a autoridade para trazer os mortos de volta.

— Então, eu creio que não temos o que negociar, mercador — respondo a ele.

Uhm... vejamos então.

Estou sentado no chão, pois minhas forças se acabaram, já o demônio caminha, por cima dos corpos congelados e quebradiços, até uma árvore. Ela possui uns quinze metros de diâmetro e cem metros de altura, então ele a toca com a mão direita.

Noto que o chão aos seus pés racha, pois parece que seu peso aumenta drasticamente. Então, sem qualquer esforço, ele empurra a árvore, que é arrancada com a raiz do chão, e ela cai na imensidão da floresta.

Crack! Crack! BUMMM! O chão estremece, os pássaros fogem e o som é tão alto que deve ter sido ouvido por toda a floresta e chegado até Lumínia, talvez até em Ticandar e no vulcão tenham ouvido o barulho. Isso deveria atrair as bestas, mas creio que elas não virão, por temor a ele.

— Trata-se de uma técnica há muito esquecida. Os dragões ensinaram aos seres conscientes a manipularem o fluxo fora de seus corpos, mas o que eu lhe ofereço é ensinar a manipular o fluxo em seu interior. Chamo isso de impetus. O aperfeiçoamento do impetus normalmente é mais lento que o da magia, mas seu potencial é maior. Ao usá-lo, a pessoa perde suas capacidades mágicas, mas isso não será um problema para você, pois você não manipula o fluxo fora de seu corpo, de qualquer forma, então creio que é algo ideal para suas qualificações.

— Não faz sentido, pois você usa magia, e eu acabei de ver.

— Esta regra não se aplica a mim, Sr. Caçador.

Isso significa que ele não é um demônio, besta ou homem? O que ele é?

— Com isso, eu conseguiria impedir que tirassem algo de mim novamente?

O homem esguio parece gostar da minha pergunta, mas sua resposta não condiz com sua expressão.

— Impossível, pois não posso te dar algo que nem eu possuo. Mas posso te oferecer chegar o mais próximo possível do que almeja, Caçador. Ninguém conseguirá tirar sua vida e, no mínimo, você será tão poderoso que se arrependerão de tentar. Pois, com base no que demonstrou até agora, somado com o que eu lhe oferto, até o maior país humano poderá ser derrotado só por você, se lhe for dado o tempo necessário, e isso é o que eu te darei.

— Parece um sonho.

— Um que pode ser realizado. O que eu lhe peço, em contrapartida, é que trabalhe para mim pelo resto de sua vida. Os termos são os seguintes: Você estará sempre disponível nos momentos que eu reivindicar, não questionará e não recusará qualquer ordem. Eu lhe darei três opções bem diferentes e você escolherá uma delas. Após isso, parará o que faz e todos os seus esforços somente serão direcionados a cumprir com a tarefa que você escolheu entre as três, até que a missão acabe.

— Eu aceito.

— Ótimo. E eu aceitos seus termos — diz o demônio, que coloca sua mão sobre meu peito e complementa: — Eu lhe proíbo, Vinicius, o Caçador de Lumínia.

Tenho uma sensação ruim.

— De agora em diante, você será o meu procurador. Quanto a sua primeira missão, lhe direi agora: A primeira opção é que continue a atacar o Reino de Lumínia, até que ele sucumba, e não reste mais nenhum de seus cidadãos vivos em seu território. A segunda opção...

— Eu aceito a primeira opção.

— Liliam!

— Caramba, que susto! Corre, Gris, que o Demônio da Lua Nova vai matar a gente. Hahaha.

— Pare com isso, Alienor! Você sabe que o professor odeia esse tipo de piada.

— Ele não parece se importar tanto assim. E a culpa é dele por acordar gritando.

— Professor, quem são Gabriel e Liliam?

Olho aos arredores, e estamos na cabana. Vejo uma raposa avermelhada, que corre em círculos e brinca de conjurar fogo em sua cauda, sob o eminente risco de incendiar tudo, e perto de mim está um jovem caçador, de cabelos cinzas, o qual aguarda uma resposta que faça sentido.

— Eram santos, Gris.

Eu não sabia naquela época. O contrato era justo de fato, porém eu fui enganado.

Hey, Gris! — diz a raposa.

— O quê?

— Já pode me devolver a minha fita vermelha.

Clique aqui e siga Aelum nas redes sociais



Comentários