Volume 3 – Parte 3
Capítulo 64: Regresso

O sino do colégio tocou em alto e bom som.
Ruídos de cadeiras sendo arrastadas sobre o piso, ao serem empurradas para trás, dominaram boa parte do prédio principal, de onde diversas crianças e adolescentes surgiram.
Pelos corredores, uma multidão cresceu rapidamente; garotos e garotas com suas mochilas, umas de rodinha, outras de alça normal.
Alguns corriam, felizes da vida por estarem livres das aulas. Outros caminhavam de forma pacífica, fosse em grupos, enquanto conversavam sobre derivados assuntos, ou solitários, mexendo nos celulares e observando o céu parcialmente nublado.
A grande maioria se despediu dos seguranças que vigiavam a saída do local.
— Ei, ei! ‘Cês não tão ansiosos pro capítulo de hoje!? – Um dos rapazes no meio da muvuca sorria com euforia.
— Eu nem ‘tô perto de chegar nos semanais... — Uma garota ao lado dele respondeu, o sorriso mais cabisbaixo. — Eu não consigo sair do arco das Musas. Muitos deveres...
— Você consegue, força! Ah, ‘pera aí, vou comprar um lanche.
— Vai comer salgado e depois almoçar em casa?
— Vô’ mesmo, ‘tô morto de fome!
— Só você, viu? — Cruzou os braços em desaprovação.
Os dois seguiram trocando assuntos até a pequena lanchonete que encontraram na saída da escola.
O menino, de boa estatura para sua idade e cabelo liso, antecipou-se a colega de classe, menor e de volumoso cabelo cacheado, para comprar seu lanche.
Após ser atendido e escolher um hambúrguer simples, junto a um copo médio de refrigerante, recebeu novas críticas da companheira.
Eles pareciam muito distantes do ponto de vista da terceira aluna, mais afastada e em completa quietude.
Ela tinha se perdido naquele momento pelas opções de refeição disponíveis nos chamativos monitores, acima do balcão de atendimento.
Os semicerrados olhos verdes tinham grudado nas telas luminosas, cuja alternância das imagens em intervalos delimitados não cessava.
Enquanto aguardava pela chegada do lanche requisitado, o garoto enfim percebeu a perdição repentina dela...
— Ei, Doherty! — chamou com um sorriso arteiro. — Aconteceu alguma coisa!?
Através de um gemido espantado, como se tivesse despertado de profundos devaneios, a menina direcionou o olhar aos colegas.
Piscou algumas vezes, um tanto desnorteada, então reconheceu que havia de fato sido chamada.
— Sei que ‘cê é meio quietona, mas ‘tá mais avoada do que o normal hoje.
— Está tudo bem, amiga? — A garota indagou, preocupada.
Depois de fechar e abrir os olhos mais algumas vezes, a alva percebeu sua boca um pouco aberta. Balançou a cabeça para os lados, com leveza, então corrigiu a postura.
Um fraco sorriso surgiu em sua face, envolvida por mechas medianas do cabelo branco, que iam até o início dos ombros.
— Desculpa, gente. ‘Tava pensando nas provinhas que estão vindo, então me perdi um pouquinho! — Fechou as vistas, no intuito de não os preocupar.
Os colegas adiante trocaram olhares dúbios.
No fim, aceitaram as desculpas da garota e voltaram a conversar; dessa vez, na tentativa de inclui-la, para que não voltasse a se perder em pensamentos.
O lanche saiu, o rapaz comeu e ofereceu as batatas fritas às duas. Bianca recusou com educação, a exemplo da companheira ao lado... ao menos num primeiro momento.
Depois da insistência do colega, ela cedeu e beliscou algumas, com cuidado para não cair na tentação de encher demais a barriga.
A distração pós-aula durou alguns minutos, até que a pequena refeição foi finalizada. Após agradecerem à recepcionista, retornaram ao caminho de saída do colégio.
A maioria dos alunos já havia dispersado, a caminho de suas próprias casas.
Sem precisarem enfrentar uma multidão, o trio avançou a passadas serenas, até alcançarem um ponto de ônibus.
Ali encontravam-se alguns poucos remanescentes de outras turmas que aguardavam as conduções que os levariam até suas residências.
— Fico por aqui, gente.
Bianca se uniu aos outros alunos no ponto, posicionando sua bolsa de alças longas à frente das pernas.
— Nos vemos, amanhã, Doherty! — A colega acenou, sem parar de andar.
— Vê se não fica toda avoada no ônibus, hein!? — O jovem apontou, mostrando os dentes num sorriso.
A menina respondeu através de um gesto rápido com a mão direita. Tão logo a dupla que lhe acompanhava desapareceu, sem deixar rastros.
E o semblante dela retomou o peso de outrora, através das sobrancelhas arriadas e a ausência de elevação nos cantos dos lábios.
Não demorou para que seu ônibus chegasse. Entrou no transporte público, passou da catraca e sentou-se num dos assentos mais ao fundo, encostada na janela.
Além da paisagem, que começou a correr conforme o avanço do veículo, podia enxergar a si mesma refletida no vidro.
Pegou o celular do bolso e conferiu o horário, próximo das uma da tarde.
“Estou voltando...”, fechou, lentamente, as vistas, na iminência de um fraco suspiro.

O transporte a deixou na esquina.
Depois de descer os degraus, deu um pulinho e agradeceu ao motorista do lado de fora.
Por fim, caminhou, a passos curtos, até chegar na casa de dois andares localizada no centro do quarteirão.
Atravessou o trajeto asfaltado, envolvido pelo solo relvado, e pegou a chave do bolso lateral da mochila retangular.
Levou a peça metálica até a fechadura, a rodou e nada aconteceu. Deveria se preocupar com o fato de a porta já estar destrancada, mas só havia uma pessoa, além dela, com a posse daquela chave.
Ao abri-la, encontrou de cara o volumoso cabelo castanho-claro, amarrado num rabo de cavalo emaranhado, a cair até metade do pescoço.
Com o ruído da abertura, a garota à frente da pia se virou. As finas tranças laterais tocavam as alças do avental que trajava, sobre os ombros.
Os olhos, também castanhos, arregalaram junto à boca assim que encontrou a menina na entrada da residência.
— Bianca! Bem-vinda de volta!
— Helenzinha. — Abriu um fraco sorriso, de certo alívio, e fechou a passagem. — Estou em casa!
Helen assentiu com a cabeça e pegou as alças da panela maior, a levando até a mesa de jantar.
— Como foi na escola hoje? Eu tive um tempinho em casa, então decidi vir para fazer o almoço. — Ajeitou os talheres em seguida, ao lado dos três pratos a postos.
— Foi normal...
A criança se aproximou até enxergar a arrumação para o almoço. O foco encontrou a carne assada e as batatas cozidas, responsáveis por quase fazê-la salivar na hora.
— Deve estar com fome. Vá tomar um banho e se trocar. — Retirou o avental do corpo, revelando sua camisa social rosada. — Quando fizer isso, pode trazê-lo para se juntar a nós? O deixei dormindo até um pouco mais tarde.
Sem proferir uma palavra, assentiu com a cabeça e voltou a arriar a feição. Antes de seguir com a primeira indicação, subiu as escadas até o piso superior.
Parou diante da porta de um dos cômodos principais. Respirou fundo, levou a mão até a maçaneta e a girou. O fraco som trouxe consigo a claridade do quarto iluminado pelo sol.
A janela aberta permitia à brisa invadir o recinto com seu frescor.
O destaque vinha do volumoso cabelo cacheado, que meneava no mesmo ritmo das claras cortinas de voil. Coberto pelo lençol até as pernas, o rapaz jazia sentado, com as costas na cabeceira da cama.
Bianca não podia enxergar o rosto dele daquele lugar, virado na direção da abertura retangular da parede.
Um nó na garganta a fez engolir palavras em seco. Os olhos estremeceram, os punhos cerraram e os batimentos cardíacos aceleraram.
Tudo isso seria o suficiente para derrubá-la de ansiedade ali mesmo, só que manteve-se firme contra as emoções pungentes.
Com dor no peito, empenhou-se a entoar, sem embargos na voz:
— Maninho!
O chamado ecoou pelo quarto silencioso. A nomeação carinhosa que delegara a ele martelou diversas vezes na cabeça, até enfim ser solta pela boca retraída.
Nenhuma resposta veio. E apesar do ínfimo raio de esperança que trazia consigo, experimentou uma dose de alívio.
O tremor nas vistas cessou, os punhos voltaram a relaxar e as palpitações pararam de machucar o peito.
Mediante um fraco lamento, retomou o leve sorriso e prosseguiu:
— Estou de volta.
Dessa vez, soou em um murmúrio.
Caminhou, primeiro, até a escrivaninha ao lado e deixou sua mochila sobre o banco redondo. Encarou-se no espelho sujo, as vistas de olheiras um pouco fundas, as marcas de seu cansaço.
Ignorou esse fator a fim de ir, agora, até o garoto. Curiosa sobre o que ele observava do lado de fora, foi até seu lado e encontrou o motivo do foco.
Havia dois passarinhos em um dos cabos da fiação que interligava os postes na calçada, bem à frente da casa.
A cena a fez alargar ligeiramente a feição sorridente, trazendo-a até os olhos verdes do jovem. Eles não possuíam luz alguma. Pareciam uma esfera opaca, desprovida de vida.
A faceta também não tinha quaisquer emoções, delineada pelos lábios retilíneos e as sobrancelhas caídas.
Norman Miller era um ser irreconhecível.
Seu cabelo crescido, a ponto de tampar as orelhas, caía até metade das vistas entrefechadas e invadia parte das laterais do pescoço. Uma rala barba envolvia a face imóvel.
— A Helenzinha veio fazer o almoço pra gente. Vamos descer? — Outra vez, o questionamento não trouxe respostas do garoto.
Apesar disso, Bianca seguiu com o planejado. Ficou à frente dele, o virou com cuidado na cama e agachou-se até posicioná-lo com segurança sobre suas costas.
Usou todas as forças em prol de se levantar do chão, o carregando com as mãos sob suas coxas. Controlou a respiração e avançou até sair do quarto, tendo os degraus não muito extensos pelo caminho.
— Hehe... você ‘tá mais levinho. — Prendeu uma fraca risada. — Não se preocupa... eu também fiquei mais fortinha. Não vou te deixar cair.
Ela não sabia se seus murmúrios podiam o alcançar, ou sequer se ele entendia o que acontecia ao seu redor. Era como se estivesse lidando com um estado vegetativo.
Desceu degrau por degrau, com todo cuidado para não perder o equilíbrio ou tropeçar nas próprias pernas.
Chegando no piso inferior, exalou outro suspiro aliviado, agora focada em conduzi-lo até a cadeira de rodas posicionada ao lado do grande sofá, na sala de estar.
Voltou a se agachar, a fim de repousar seu corpo no assento móvel. Devidamente assentado, ela foi até os suportes superiores do respaldo e começou a empurrá-lo até a cozinha.
— Oh, olha quem chegou! — Helen reagiu animada ao ver o amigo ser conduzido pela menina. — Ora, Bianca, ainda não tomou banho?
— Quis trazer ele primeiro. Vou rapidinho e já volto — sussurrou ao pé do ouvido dele.
Depois de assentir com a cabeça na direção da universitária, a garota realizou os afazeres que precediam o almoço.
Tomou banho, trocou de roupa, penteou o cabelo — que atualmente chegava ao início das costas — e se juntou à dupla na cozinha.
Com ajuda de Helen, Norman almoçava colher por colher, semelhante a um bebê. O restante da tarde passou num piscar e as garotas levaram o rapaz para dar uma volta na rua.
Passearam por diversos quarteirões, ficaram um bom tempo no pequeno parque perto de casa e se depararam com o entardecer.
O vento frio chegou sem que esperassem. A tonalidade alaranjada tomou conta da abóbada, onde a lua minguante já podia ser enxergada entre algumas nuvens espessas.
Regressaram à residência, antes que o clima frio dominasse a cidade.
Bianca tomou um novo banho e colocou o jovem inanimado para assistir televisão na sala.
Devidamente pronta para passar a noite, encontrou Helen de novo, com a mesma roupa de mais cedo e calça jeans, além da mochila já posicionada na altura das costas.
— Estou indo... — Levantou a franja do rapaz e beijou sua testa com delicadeza, criando um leve rubor no rosto da menina ao lado. — Vou para a faculdade. Vai ficar bem aqui com ele?
— Claro... — respondeu, um pouco encabulada. — Eu já faço isso faz tempo, né?
Defronte o sorriso forçado dela, a universitária ergueu a postura e se aproximou até fazer carinho em sua cabeça.
— É sempre bom saber. Você parece meio cabisbaixa hoje.
— Não é nada demais... só ‘tô preocupada com as provinhas.
— Então é bom estudar um pouco. Não se force muito, ok?
— Sim...
Parecia até sua mãe, pensou ao desviar o olhar.
Num gesto positivo de cabeça, Helen deu a volta e foi acompanhada até a saída da casa. Virou o rosto por cima do ombro, o torso voltado pela metade, e disse:
— Amanhã de manhã eu volto. E devo conseguir passar a noite com vocês.
— Obrigada, Heleninha. Tenha uma boa aula!
Através de acenos rápidos, as duas se despediram e seguiram seus caminhos.
Ao fechar a porta, Bianca caminhou de volta à sala e viu que o rapaz parecia, de alguma maneira, entretido na série de TV transmitida naquele horário.
Verificou sua boca levemente aberta e não resistiu a esboçar um sorriso de contentamento. Encarou o relógio na parede, acima do aparelho.
Ao constatar o horário já próximo às sete da noite, tomou sua decisão.
— Eu vou esquentar nossa janta, ‘tá bom? Já volto!
De punhos cerrados, empenhou-se a abandonar o semblante deprimido do qual tinha sido acusada várias vezes no dia e se levantou para a cozinha.
Em pouco tempo, esquentou tudo que Helen tinha preparado para o almoço e serviu as refeições à mesa, repetindo o que viu mais cedo.
Agachou-se a fim de colocar Norman na cadeira de rodas e levá-lo ao local, mas o rapaz não demonstrou a mesma disposição de mais cedo para isso.
Sem forçá-lo, optou por levar a comida até ele. Preparou um prato, levou até a sala e colocou sobre um pano na mesinha localizada no centro do espaço.
Depois trouxe os talheres e um copo de suco de manga, seu preferido. Com todo cuidado — agora ela se sentindo uma mãe —, colocou o pano sobre seu peito.
Passou a alimentá-lo, enquanto esse mantinha os olhos fixados na televisão.
Em um momento, ele abriu a boca por inteiro e deixou a comida cair. Por sorte o babador improvisado o impediu de sujar a roupa.
Ela precisou puxar outro paninho a fim de limpar a sujeira, assim como os cantos da boca dele. Em poucas garfadas, o garoto terminou seu jantar.
Bianca levantou-se da cadeira, ajeitou tudo e levou os recipientes à louça. Deu uma olhada final na direção da sala e constatou que ele seguia entretido no programa televisivo.
Utilizou esse tempo para comer um pouco.
Depois de encher a barriga, guardou a jarra de suco e os utensílios não utilizados. Lavou a louça suja, colocou algumas para secar no escorredor e secou os mais importantes na mão.
Arrumou a mesa, as panelas, a geladeira e os armários de onde tirou ou guardou coisas.
O tempo voou até quase dez da noite.
Um pouco cansada por ter feito tudo sozinha, foi ao banheiro e só então regressou à sala. Dessa vez, o garoto estava de olhos fechados, com a cabeça apoiada sobre o encosto do sofá.
Bianca sentiu um reconforto abrasante correr por seu corpo. Aproximou-se dele com cuidado para não o acordar e conferiu seu estado.
Assentiu consigo, desligou a TV e o colocou nas costas, o levando diretamente até o quarto no andar de cima.
Depois de deitá-lo na cama maior, voltou ao piso inferior e aproximou a cadeira de rodas da escadaria. Escovou os dentes, colocou um pijama bem largo e dirigiu-se ao cômodo do rapaz.
Ele ainda estava dormindo, leve como uma pluma.
Sentou-se na beirada da cama e repousou a mão sobre seu peito, que subia e descia vagarosamente com a respiração branda. Deitou-se ao lado dele, por cima do lençol que o cobria.
Enquanto fitava seu rosto relaxado, memórias daquele dia voltaram a martelar a cabeça.
O resgate no vale após a batalha decisiva. O desaparecimento da Marcada de Vega. E, por fim, o estado do garoto depois de despertar.
“Maninho...”, os olhos marejados se fecharam, até que um fio de lágrima verteu de um deles, silencioso.
Essa era a maior das consequências. O resultado doloroso provocado pelo evento místico que mudou suas vidas...
O último fardo a ser carregado por eles, escolhidos pelas estrelas.

Opa, tudo bem? Muito obrigado por ler mais um capítulo de A Voz das Estrelas, espero que ainda esteja curtindo a leitura e a história!
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