86: Eighty Six Japonesa

Tradução: Jeff-f


Volume 10

Capítulo 8: The Banks of the Lethe

O curso das águas do rio era azul e se estendia até onde a vista podia alcançar.

Falando especificamente, a margem oposta do banco em que Raiden estava era de várias centenas de metros de distância. Longe o suficiente para dissipar qualquer desejo curioso que ele pudesse ter de nadar até lá. Para começar, já era outono, e as temperaturas estavam caindo, então ele certamente não estava inclinado a dar um mergulho.

Dito isso, Raiden pensou com um bufar que se algum dos outros membros do esquadrão Spearhead — como Haruto, Daiya, ou Kujo — ainda estivesse por perto, eles provavelmente mergulhariam de cabeça.

Já fazia meio mês desde que partiram para a missão de Reconhecimento Especial — uma marcha da morte reservada para os Eighty-Six que eram teimosos demais para morrer.

Neste ponto, ele não sabia o quão longe tinham viajado desde a última base do primeiro distrito, principalmente porque cortaram os dados de posicionamento do sistema de navegação inercial. Finalmente, conseguiram sua jornada para a liberdade. Deixar tudo acabar sabendo que tinham chegado apenas até ali teria sido desagradável.

"… O Juggernaut… não pode atravessar isso, certo?" Raiden perguntou.

"Claro que não," Shin, que estava ao seu lado, respondeu prontamente.

Juggernauts não podiam atravessar corpos de água. Eles eram produto de um desenvolvimento apressado e só deveriam durar alguns anos até que a guerra terminasse por conta própria. Era uma arma suicida descartável. Seu design e produção eram terrivelmente descuidados, e mesmo com a cabine fechada, havia várias brechas na máquina. As cabines geralmente eram herméticas, para proteger o piloto de ataques nucleares, biológicos e químicos, mas a cabine do Juggernaut ainda tinha brechas. Não é preciso dizer que todas as outras partes não eram mais à prova d'água do que a cabine.

Então, se quisessem atravessar este rio, precisariam encontrar ou construir uma ponte. Mas desde o início da história, as pontes eram consideradas posições militares-chave. Significando que a legion provavelmente considerava quaisquer pontes na área como rotas importantes.

Quando chegaram às margens deste rio três dias atrás, avistaram uma força da legion atravessando uma ponte próxima e seguindo para leste. Claro, atravessar o rio era perigoso, pois dividia as forças entre as duas margens. Naturalmente, isso significava que tinham unidades de reconhecimento em alerta máximo em toda a área. O esquadrão Spearhead não podia se aproximar da ponte e teve que se esconder.

Para piorar as coisas, no dia em que chegaram ao rio, uma tempestade se instalou na área, e choveu por três dias seguidos. Felizmente, encontraram abrigo da chuva, o que lhes permitiu acender uma fogueira para afastar o frio. Isso foi uma sorte. Eles já estavam exaustos da missão de Reconhecimento Especial, e se não tivessem aquela fogueira, alguns deles certamente teriam ficado doentes.

Eles se esconderam em um antigo abrigo de concreto abandonado em um terreno elevado para evitar a água subindo e observaram as forças da legion atravessando a ponte dali. Os dias estavam escuros, com nuvens negras pesadas obscurecendo o sol, e a chuva torrencial ainda obscurecia seu campo de visão. Eles observaram a horda metálica marchar sobre a ponte, alinhando toda a margem enquanto atravessavam o rio e seguiam para leste.

Era uma visão surreal. Como um pesadelo, um pesadelo do qual não se podia acordar. Era um exército maior da legion do que jamais tinham visto antes, provavelmente de várias divisões de tamanho. A legion poderia, sem nenhum esforço particular, gerar esses números e enviá-los para o campo de batalha.

Todos — até Shin, que raramente se abalava com algo — só podiam assistir a legion marchar em silêncio. Parecia que o futuro deles estava diante de seus olhos.

A humanidade perderia esta guerra.

A tempestade passou tarde na noite anterior, e foi por volta desse mesmo horário que o último da legion passou pela ponte. Só fazia sentido que levasse tanto tempo. O mais leve da legion, o Ameise, pesava mais de dez toneladas, enquanto o Dinosauria pesava mais de cem toneladas. Dezenas de milhares deles tinham cruzado a ponte.

Quando o amanhecer surgiu naquele dia, a chuva se dissipou como se nunca tivesse estado ali, e a legion já tinha ido embora. Eles permaneceram naquela margem, no entanto, já que Shin disse que seria melhor esperar um pouco mais. Decidiram que ficariam lá por mais um dia e investigariam a situação.

… Raiden mesmo não gostava disso. Sentia que passar o primeiro dia brilhante que tinham tido em um tempo trancado na cabine do Juggernaut era um desperdício. Especialmente depois de terem ficado de mãos atadas por três dias inteiros por causa da chuva. Mas ele não disse nada. Não gostava, mas também não estavam com pressa de ir a lugar nenhum. Anju tinha estado animadamente dizendo toda a manhã que aquele era um bom dia para lavar roupas, então ela improvisou uma linha de secagem entre um dos braços do guindaste do Fido e o cano do seu Juggernaut. Lá, ela pendurou seus uniformes de campo camuflados desgastados e cobertores finos para secar. Era uma cena quase absurdamente serena. Era difícil acreditar que estavam no território da legion — praticamente o pior lugar em que um humano poderia acabar.

Raiden olhou novamente a paisagem estendida. O céu azul-claro sem nuvens ainda estava escuro o suficiente e claro o suficiente para permitir

 a observação do mar de estrelas no céu. O azul profundo se estendia até onde a vista alcançava. Era uma cena tão irreal. Não havia inimigos à vista, nenhuma pessoa à vista. Era simplesmente pacífico e sereno. Isso colocou Raiden em um estado estranho. Como se estivesse assistindo ao mundo em seu último dia, morrendo.

"Sabe, olhando para essa vista, parece meio que… nós somos os únicos restantes no mundo," Raiden disse.

Shin olhou na sua direção. Raiden continuou falando sem encontrar o olhar dele. Mitologias por todo o continente consideravam o azul-claro como uma cor associada ao céu, e todas as culturas pareciam ligar rios à passagem para a vida após a morte. Ele não conseguia se lembrar se foi a velha ou o Shin quem tinha lhe ensinado isso.

"Ou talvez já estejamos todos mortos, e essa seja a entrada para o céu…"

Shin ainda o encarava com aquele olhar de lado, aparentemente divertido.

"…O quê?" Raiden perguntou desconfiado.

"O que foi que você disse antes? Talvez não seria tão ruim morrer se essa chuva de meteoros for a última coisa que eu vejo?" Shin respondeu, um sorriso travesso nos lábios.

Raiden gemeu. Essa era uma história antiga de dois anos atrás. Ambos sobreviveram a uma batalha e acabaram passando a noite assistindo a uma chuva de meteoros única em um século, quando Raiden deixou escapar aquele comentário.

"Isso foi surpreendentemente poético da sua parte", Shin acrescentou provocativamente.

"… Cale a boca", Raiden rosnou entre dentes cerrados.

Shin riu alto. Raiden o encarou incredulamente enquanto ele gargalhava sem se importar com o mundo. Já fazia meio mês desde que ele conseguira derrotar o fantasma de seu irmão em seu último campo de batalha no Setor Eighty-Six. E desde então, Shin tinha começado a sorrir e rir mais.

Sua expressão parecia amolecer um pouco. Ele contava mais piadas. Juntava-se mais frequentemente às conversas ociosas. Era como se algo que pesava em seu coração tivesse sido levantado. Como se tivesse sido libertado de um castigo imposto a ele.

Talvez ele se sentisse liberado depois de colocar o irmão que procurava no campo de batalha há mais de cinco anos para descansar. Ou talvez estivesse exultante com seu primeiro verdadeiro sabor da liberdade. E, mais do que tudo, aquele pequeno pedaço de salvação que encontrara foi uma influência importante sobre ele.

Seu Reaper, que levaria todos os seus camaradas mortos e até eles mesmos, que morreriam no final desta jornada. Ele os carregaria, lembrando-se de cada um, até seu destino final. Mas quando ele eventualmente encontrasse seu fim, não haveria ninguém a quem pudesse entregar seu próprio coração. Ou pelo menos deveria ser assim, mas no final, ele encontrou alguém a quem pudesse confiar seus sentimentos. Alguém a quem pudesse pedir para não esquecê-lo, para confiar nesse desejo, para sobreviver e chegar ao lugar onde seu fim o encontraria.

Estamos indo, Major.

Para Shin, poder deixar essas palavras para trás realmente era uma salvação maior do que qualquer outra coisa.

Depois de rir por um momento, Shin deu de ombros.

"Dificilmente estaríamos mortos. Se estivéssemos, teríamos simplesmente desaparecido. Nós desapareceríamos nas profundezas da escuridão… Não estaríamos conscientes ou desejando algo."

Shin conseguia ouvir as vozes dos fantasmas persistentes, e conseguia perceber o momento em que desapareciam completamente. Era uma percepção separada de seus cinco sentidos, uma percepção que Raiden não tinha. Então, sempre que Shin descrevia essa habilidade, Raiden nunca conseguia entender completamente o que ele queria dizer.

… Profundezas da escuridão?

Mas de qualquer forma…

"Como aqueles que morreram antes de nós… certo?"

"Sim."

Os camaradas mortos que Shin carregava consigo, que, junto com seu irmão, agora somavam 576. Eles, que só conheceram o campo de batalha do Setor Eighty-Six, provavelmente nunca tinham visto nada como essa paisagem.

Por coincidência, como sua roupa estava sendo lavada e eles naturalmente não tinham conjuntos extras, eles estavam atualmente usando algumas cobertas que encontraram em casas civis abandonadas. Não é preciso dizer que pareciam bastante esfarrapados. E como não queriam se mover muito com essas roupas improvisadas, estavam sentados à beira do rio, pescando com varas improvisadas feitas de corda, galhos e pedaços de metal.

Os outros estavam em um estado semelhante de vestimenta. Anju estava cantarolando uma música estranha para si mesma enquanto fingia pintar as unhas com pétalas de flores coloridas. O impulso criativo de Theo foi provocado por essa visão, mas como ele não tinha nada para desenhar ou com o que desenhar, ele simplesmente girava os dedos nervosamente. Kurena corria e rolava em um campo de flores próximo, que soltava flocos de algodão no ar.

Enquanto Shin observava as bolas fofas de algodão subindo para o céu azul como neve em rewind, ele disse:

"Parece que há uma lenda no leste sobre um coelho branco que rola em um campo exatamente assim."

"…Uau." Raiden se importava muito pouco com essa lenda, mas… "O que você acabou de ver que te fez associar um coelho branco a isso?"

"…"

Do outro lado do campo, Kurena estava correndo por aí, um cobertor vívido cobrindo sua forma pálida e nua. E enquanto ela corria, Raiden podia ver o cobertor flutuando bastante conspicuamente.

Apesar de ser outono, o sol estava quente, e o vento que vinha após a tempestade da noite anterior estava forte. A roupa que tinham pendurado cedo provavelmente estaria seca ao meio-dia. Eles estavam sentados ao redor de uma fogueira, bebendo chá de folhas de pinheiro enquanto o aroma fragrante do peixe ligeiramente cozido demais que tinham almoçado naquele dia pairava no ar. Quando estavam escondidos, tinham que suportar as desagradáveis rações sintetizadas, então o peixe era uma mudança apetitosa.

Um raposo apareceu — um que sem dúvida nunca tinha visto humanos antes — e os observou curiosamente. Eles jogaram para ele um peixe pequeno demais para eles comerem, que ele cheirou por um tempo antes de pegar com a boca e sair correndo. Vendo-o partir com um sorriso, Anju disse: "Nós lavamos a roupa. Agora se tivéssemos um tambor ou algo assim para encher de água…"

Kurena olhou para ela com um olhar de perplexidade, enquanto os três homens, incluindo Raiden, ficaram em silêncio. Eles entendiam o que ela queria fazer, e certamente entendiam por que ela queria fazer aquilo, mas…

"…Então, basicamente você quer aquecer um pouco de água", disse eventualmente Raiden.

"Isso mesmo! Estamos tão perto de um rio, mas estou cansada de apenas mergulhar na água. Queria poder tomar um banho!" Anju exclamou, batendo palmas.

"Um banho?!" Kurena ecoou, seus olhos brilhando positivamente.

"Nós estávamos limpando nossos corpos, mas isso não é suficiente", continuou Anju. "E estava frio até ontem, com a chuva, então eu gostaria de aquecer um pouco."

"Um banho!" Kurena disse novamente. "E um banho quente, e uma toalha, e sabão!"

"Todos esses vão ser difíceis de encontrar aqui, mas sinto falta deles. Pelo menos gostaria de me refrescar um pouco."

Diante de duas meninas tagarelando animadamente, os três meninos trocaram olhares.

Isso… Hmm, entendemos, mas… Não vai acontecer…

"Não, qualquer tambor que acharmos definitivamente estará enferrujado… Quero dizer, se estiver aqui há anos…"

"E tenho certeza de que a legion teria pegado qualquer coisa que ainda tivesse combustível."

"E além disso, qualquer coisa que tenha combustível é provavelmente algo que não é seguro para nós tocarmos mais. Não vai ter nenhum tambor novo e limpo por aí."

Com esse lembrete estranho, mas firme, da realidade em que estavam, Anju abaixou os ombros.

"…Sim… Acho que não vamos encontrar uma caldeira de água quente por aqui…"

As bases de frente tinham salas de banho para que o gado — os Eighty-Six — pudessem manter a higiene básica. Levava muito tempo para a água aquecer, e as instalações e acessórios eram bastante horríveis, dignos apenas do gado.

Mas mesmo essas instalações básicas não eram algo que qualquer pessoa pudesse organizar por conta própria. Elas eram baseadas em vários tipos de infraestrutura fornecidos pelo Estado. E agora que o grupo estava cortado disso, eles nem sequer podiam desfrutar do privilégio de um banho, mesmo que fosse ruim.

Foi um lembrete bastante sombrio de quão pequenos e impotentes os humanos poderiam ser…

Vendo Anju e Kurena baixarem a cabeça desapontadas, Fido, que finalmente estava livre de sua tarefa de suportar o varal, piscou seu sensor óptico.

"Pi."

"Se você está falando sobre o recipiente de munição que esvaziamos há dez dias…", disse Shin. "Está um pouco mal soldado, mas poderíamos cobrir isso com algum tecido. Mais importante ainda, como vamos aquecer tanta água? Não temos o combustível para alimentar esse tipo de fogo."

"Pi…", Fido apitou desanimadamente.

"…Tenho que perguntar de novo, como diabos você consegue entender o que ele está dizendo, até nesses detalhes?", Theo perguntou, arrepiando-se.

Raiden teve que concordar com Theo nisso.

"…Pi!"

"Tem uma cidade por perto?", perguntou Shin pensativo. "Bem… Não vou impedi-los se quiserem procurar."

"Vamos lá… Como você pode entender o que ele está dizendo…?"

"Você tem certeza, Shin?", perguntou Anju, inclinando a cabeça para o lado.

Por mais que ela ansiava por um banho, ela percebeu que era realisticamente difícil organizar. Isso exigiria muito esforço, e ela supôs que Shin, sendo o capitão, não aprovaria isso. Mas Shin simplesmente deu de ombros indiferente.

"Eu entendo querer tomar um banho quente, e não é como se estivéssemos com pressa para chegar a algum lugar. Além disso" — ele sorriu suavemente, exibindo a expressão serena que mostrava de vez em quando durante essa jornada — "deveríamos estar entrando nos territórios do antigo Império em breve. Poderíamos muito bem ver como eram as cidades do Império."

Eles se aproximaram da cidade que Fido tinha visto do planalto, encontrando uma bandeira imperial com o símbolo da águia bicéfala tremulando ao vento na estrada que levava às ruínas da cidade. Ao lado dela, havia uma placa, muito desbotada para ser lida, com o nome da cidade.

Os prédios eram feitos de pedra preta e cinza e ferro fundido enegrecido. Cores opressivas. Prédios uniformes e inorgânicos alinhavam a cidade, e, por contraste, as ruas estavam cheias de curvas coordenadas, fazendo a cidade parecer um labirinto.

Era bastante diferente das cidades da República, onde as ruas tinham um formato radial que passava do centro da cidade até sua extremidade externa, com uma rua principal reta no coração da cidade. Lá, onde edifícios refinados eram montados para refletir a estética do arquiteto. As cidades imperiais foram planejadas, desde o início, para servir como fortalezas militares, e seu design tinha o objetivo de atrasar exércitos inimigos marchando por elas e confundir seu senso de direção.

Isso deixou claro que realmente tinham cruzado a fronteira entre a República e o Império, alcançando o que já fora um país inimigo.

Eles esconderam seus Juggernauts em um armazém nos arredores da cidade, apenas por precaução. Raiden e o resto observaram Fido sair em um humor (provavelmente) alegre para procurar um tambor que pudessem usar, antes de explorar a cidade imperial por si mesmos, esperando apreciar as vistas de uma cidade estrangeira.

Apesar de suas expectativas, ao entrarem na rua principal, encontraram lojas lado a lado, suas vitrines antes brilhantes alinhando a rua

. Como uma cidade da República. Entre lojas que nunca tinham visto antes, notaram redes de fast-food cujos nomes pareciam distantes e familiares. Tinham visto lugares assim nas ruínas do Setor Eighty-Six, mas nunca os viram realmente em funcionamento.

Enquanto observavam Kurena andar entre os dois lados das ruas, espiando as vitrines embaçadas e quebradas, Raiden foi subitamente dominado por um sentimento estranho.

Figuras vestidas em camuflagem do deserto, sem se importar com a estação ou terreno, vagando pelas ruínas da cidade abandonada. Esta era uma visão que ele havia visto inúmeras vezes no Setor Eighty-Six quando eles procuravam suprimentos. Mas por um momento, a visão de Kurena andando pelas pedras de uma cidade de um país desconhecido… quase lhe deu a sensação de que estava olhando para uma garota comum andando por uma cidade pacífica.

Se não fosse pela Guerra da legion, se a República não tivesse perseguido os Eighty-Six, ela… todos eles teriam sido apenas crianças comuns, vivendo vidas sem eventos. Se as coisas não tivessem acontecido dessa maneira, talvez nunca tivessem se encontrado.

Kurena nasceu em uma das cidades satélites da capital secundária do norte, Charité. Theo nasceu do outro lado da República, perto da antiga fronteira sul. Anju nasceu em uma pequena cidade no leste. Raiden era daquilo que atualmente era o trigésimo segundo Setor administrativo.

Nenhum deles teria tido a chance de se conhecer. Os outros membros do Spearhead também vieram de toda a República.

Shin aparentemente nasceu na capital da República, Liberté et Égalité. A capital, junto com o que atualmente servia como os primeiros cinco Setores administrativos, era uma área residencial de alto padrão e afluentes desde antes da guerra. As crianças nascidas lá quase nunca saíam dessas áreas, exceto por férias ou excursões escolares, e as pessoas raramente se mudavam para lá.

Se não fosse pela guerra… Se não fossem os porcos brancos os lançando juntos no campo de batalha… provavelmente teriam passado toda a vida sem nunca se cruzarem. E esse pensamento tornou muito estranho caminhar pelos mesmos lugares e olhar as mesmas coisas.

Ele então percebeu Shin parar no meio do caminho. Ele estava em uma praça estranhamente decorada em comparação com o resto dessa cidade opressiva e impessoal. Estátuas alinhavam a praça. No começo, Raiden pensou que estava olhando para uma estátua de uma jovem, talvez uma imperatriz, vestida com um uniforme desnecessariamente vistoso e um manto excessivamente longo. Mas, ao olhar mais de perto, o olhar de Shin não estava fixo na estátua, mas sim no céu de outono que era seu pano de fundo. Para o leste.

"O que houve?", perguntou Raiden.

Shin virou seus olhos vermelhos sangue para ele e piscou. Ele nem percebeu que Raiden se aproximara dele.

"Não…" Ele ficou em silêncio, pausando por um momento… ou talvez ouvindo uma voz distante, antes de eventualmente balançar a cabeça. "Não é nada… Provavelmente estamos bem."

"…?"

Isso significava que havia motivo para preocupação. A legion estaria por perto? Pensando nisso, Raiden o viu olhar curiosamente ao redor algumas vezes durante a jornada.

"Não nos notaram, e acho que não há muita chance de nos encontrarmos com eles," Shin continuou. "Nada deve acontecer, contanto que não nos aproximemos deles."

"Oh, então realmente era a legion."

Era fácil esquecer, especialmente em dias como este, mas eles estavam dentro do território da legion. Um lugar onde humanos não podiam viver. Estavam atravessando um lugar assim com apenas cinco Juggernauts. Se cometessem um único erro, todos poderiam ser eliminados num piscar de olhos.

Raiden voltou seus olhos para Shin novamente. Todos estavam exaustos pela missão de Reconhecimento Especial. E Shin tinha isso especialmente difícil.

"Você está cansado, cara? Se quiser dar uma pausa, aquela caixa de pílulas deve ser difícil de ser vista. Se voltarmos lá, você pode descansar por um tempo mais longo."

Eles estavam em uma terra repleta de legion, e ninguém poderia fazer os deveres de reconhecimento de Shin por ele. Havia inúmeros fantasmas rondando o campo de batalha em comparação com o Setor Eighty-Six, e ele não tinha como bloquear suas vozes. Não seria estranho se ele estivesse muito mais cansado do que os outros. Talvez fosse por isso que ele disse que adotariam uma abordagem de espera e observação hoje.

Por um momento, Shin o encarou, perplexo, mas ao entender o que Raiden queria dizer, ele riu.

"…O que foi?", perguntou Raiden.

"Desculpe," Shin disse, ainda sorrindo. "Mas eu já te disse. Estou acostumado a ouvir as vozes da legion. Vir para os territórios não faz tanta diferença para mim."

"Você diz isso, mas você…"

Raiden o conhecia há quase quatro anos, e sabia que, talvez como consequência de sua capacidade de ouvir a legion, ele às vezes desmaiaria completamente. Raiden sabia melhor do que assumir que Shin estava bem e acostumado com isso só porque ele disse isso. De qualquer forma, isso definitivamente estava pesando sobre ele.

"Dado que não vamos conseguir nenhum suprimento, estamos limitados em quantos dias podemos continuar. Então, em vez de fazer uma pausa desnecessária, deveríamos nos concentrar em avançar mais."

Quantos dias eles podem continuar. Em outras palavras, quantos dias eles podem sobreviver. A base de frente do primeiro distrito só lhes deu suprimentos para um mês, e essas reservas estavam sendo gradualmente reduzidas.

Raiden suspirou profundamente. Bem… se ele diz, então que seja.

"Entendido… Dito isso, finalmente chegamos ao Império."

"Eu não achei que chegaríamos tão longe. Sinceramente, não esperava que sobrevivêssemos tanto tempo."

"…Esse lugar traz lembranças para você?", perguntou Raiden, olhando para Shin.

Os pais de Shin emigraram para a República do Império Giadiano, tornando-o um cidadão da República de segunda geração de descendência giadiana. Sua família não era cidadã da República há muito tempo. Raiden pensou que ele poderia estar familiarizado com a cultura do Império devido à influência de seus pais. Se seus avós ou outros parentes tivessem permanecido no Império, talvez ele até tivesse visitado o país antes.

No entanto, Shin simplesmente balançou a cabeça.

"Não, nunca estive no Império. Mal me lembro dos meus pais de qualquer maneira… Só parece um país estrangeiro para mim."

Ele então respirou fundo e moveu seu olhar de volta para Raiden.

"E você? Sua família não era imigrante do Império?"

"Não, isso foi o avô do meu avô… ou até mesmo o avô deles…"

Deve ter sido há duzentos anos que a família de Raiden se mudou para a República. Chamar de seus antepassados parecia uma descrição muito próxima. Uma vila inteira se mudou do Império para a República, pensou Raiden enquanto olhava para o espesso manto azul do céu derretendo no horizonte. Shin olhou na mesma direção, provavelmente sentindo a mesma coisa que ele.

Eles haviam chegado à sua chamada terra natal, o lugar de onde suas linhagens derivavam. Se as coisas tivessem sido um pouco diferentes, isso poderia ter sido sua terra nativa. Mas embora finalmente tivessem pisado ali…

"No final, este lugar… não é onde pertencemos."

"…Suponho que não."

Em algum lugar ao longe, ouviram o chamado agudo de um faisão.

Fido realmente se superou.

"…Um aquecedor solar de água. Entendi. Vou admitir que não pensei nisso."

"E seu sistema de bombeamento de água e gerador de energia solar ainda estão operacionais…"

"Esse dispositivo provavelmente consegue aquecer uma quantidade de água suficiente para um recipiente, mas… Fido não está um pouco inteligente demais?"

Eles tiraram água do rio, colocando-a em tanques de alta capacidade que aqueciam a água usando painéis solares. Enquanto Anju e Kurena trocavam um emocionado toque de mão, Fido parecia levemente orgulhoso.

Sentado em seu poleiro entre as moitas, o pequeno animal roía os ossos do peixe que as criaturas estranhas tinham jogado para ele mais cedo naquele dia. Mas de repente ouviu um uivo peculiar ecoando de longe através do crepúsculo e ergueu as orelhas em preocupação.

"Uauuuuuuuuuu, tão quenteeee…!"

Era um som curioso, diferente do uivo de um lobo. Talvez fossem aquelas criaturas estranhas de antes. Certamente tinha um tom estranho que se encaixaria nessas criaturas estranhas. Não ouviu aquela voz novamente depois disso. E assim, com um balançar de sua cauda fofa, a raposa voltou à sua tarefa de roer os ossos.

"Uauuuuuuuuuu, tão quenteeee…!"

"Kurena, a legion pode ouvir você se você gritar tão alto."

Mas Kurena estava tão

 animada com a perspectiva de um banho depois de tanto tempo que o aviso de Anju não conseguiu penetrar. Ela parecia tão feliz que se tivesse uma cauda, certamente estaria abanando vigorosamente enquanto se esbaldava no recipiente cheio de água quente. Este recipiente era grande o suficiente para conter vários cartuchos de 57 mm, e eles o esconderam dentro de um prédio que tinha o teto faltando, dando-lhes uma visão do céu avermelhado.

Visivelmente satisfeita, Kurena se encharcou até os ombros na água, que era aquecida por energia solar.

"Realmente faz muito bem… Provavelmente vai esfriar com o passar do tempo. Queria que Shin e os outros pudessem entrar também…"

Como era de se esperar, os três garotos não estavam ali. Eles deixaram as garotas entrarem primeiro e estavam esperando do lado de fora do prédio, carregando um pequeno suprimento de alimentos enlatados no recipiente de Fido. Vendo Anju suspirar e olhá-la repreensivamente com um olho fechado, Kurena deu um pulo.

"O- o que eu disse?!"

"Você diz algumas coisas bem ousadas sem nem pensar, mas não consegue realmente agir sobre elas. Esse é o seu problema, na minha opinião."

Percebendo o que acabara de dizer, Kurena ficou vermelha até as orelhas.

"N-não foi isso que eu quis dizer—"

"Além disso, me sinto estranha até mesmo tendo que mencionar isso, mas você percebe que só as garotinhas diriam isso, certo? Implorar para seu irmão mais velho tomar banho com você e coisas do tipo. Tenho certeza de que o tal irmão mais velho começaria a perder a paciência com você."

"Mas não foi isso que eu— Espera, sério?!"

Apesar de estar na água quente até os ombros, Kurena ficou muito pálida desta vez, provocando outro suspiro de Anju.

"…E para piorar, falar alto assim quando estamos dentro do alcance de audição é um dos maus hábitos da Kurena…"

Afundando na água, que tinha esfriado um pouco com a passagem do tempo, e apoiando os braços na borda do recipiente, Theo olhou para o céu violeta à medida que a escuridão da noite avançava e as estrelas se tornavam visíveis.

Shin fingiu ignorância e agiu como se não tivesse ouvido, enquanto Raiden permanecia em silêncio, olhando para o lado, pois não conseguia encontrar palavras para abordar isso. Shin provavelmente tinha a pior parte, no entanto. Theo não esperava uma resposta e não disse mais nada.

Quando ouviram o comentário de Kurena, todos se engasgaram com o chá de pinheiro. Tomar banho com elas não era uma ideia com a qual eles concordariam, é claro.

"Shin… Por que você acha que Kurena é tão criança por dentro…?"

"…Não me pergunte."

…Justo o suficiente.

Eles voltaram para seu acampamento na pílula e imediatamente se serviram da sopa enlatada e dos biscoitos duros que encontraram. Os garotos então se enrolaram em cobertores quentes e recém-lavados que cheiravam a luz do sol e logo adormeceram.

Sua marcha sem apoio pelo território inimigo esgotava seus suprimentos a cada dia. Essa falta de equipamento apertava lentamente, mas com certeza, em seus pescoços como um laço de seda fina. Eles acamparam por dias nas temperaturas frias do outono, comendo rações sintéticas que não mereciam ser chamadas de comida e certamente não eram destinadas a manter os Eighty-Six vivos.

Essa jornada só os exauria e lhes dava poucas chances de descansar. Sua fadiga definitivamente estava se acumulando; eles simplesmente não estavam cientes disso. E todos eles perceberam, no fundo, que se isso continuasse, eles não durariam muito.

A chuva gelada tinha passado no dia anterior, e a legion não estava por perto. A pílula em que estavam não permitiria que o vento da montanha ou qualquer animal os perturbasse.

E assim, tendo encontrado um lugar seguro para descansar pela primeira vez em um tempo, os garotos caíram em um sono profundo. O suave piar das corujas não perturbaria seu sono. Apenas Fido estava agachado perto da pequena janela da pílula, banhado pela luz da lua enquanto ouvia suas respirações silenciosas.

                                   †

—Mm.

Ao ouvir uma voz puxar sua consciência, Shin acordou de seu sono raso naquela manhã.

Uma das vozes tinha se aproximado em comparação com o dia anterior. Era apenas uma unidade, o que significava que provavelmente não estava em patrulha. Unidades de patrulha da legion se moviam em pelotões ou companhias. E a direção estranha em que estava se movendo implicava que não estava procurando por eles, também...

Não, essa voz era...

Está... chamando?

Mas não estava chamando Shin. Não estava chamando ninguém em particular.

Alguém. Qualquer um.

Por favor... Alguém...

…me acabe...

Franzindo os olhos, Shin arrancou o fino cobertor de seu corpo.

A outra unidade parecia ter parado por hoje. E então Shin se levantou silenciosamente.

Quando acordaram, Shin já havia ido embora.

“…O que esse idiota está fazendo?”

Fido ainda estava lá, e Undertaker também. O que significava que ele não simplesmente fugiu deles. Eles tentaram se conectar com ele através do ParaRAID, mas ele fechou a Ressonância assim que se conectaram, o que não pareceu indicar que ele estava em apuros. Mas ele pegou o rifle de assalto que mantinha na cabine de Undertaker e sua pistola habitual com ele.

Sério, o que diabos ele está fazendo?

Eles esperaram um pouco, mas ele não voltou. Kurena começou a ficar agitada de preocupação, e então Raiden decidiu que era hora de eles procurarem por ele.

Desceram o terreno elevado e, felizmente, encontraram uma estrada lamacenta que ainda tinha um par de pegadas frescas levando às ruínas da cidade. As pegadas lamacentas logo secaram e desapareceram, então eles só puderam ver a direção geral em que ele caminhou. Eles viajaram ao longo da borda externa da cidade, eventualmente encontrando...

“…Um zoológico?”

A palavra estava escrita em um grande letreiro em letras douradas e exageradas. O letreiro estava no topo de um portão projetado como videiras de rosas e cercado por muros de pedra branca e uma cerca de prata. Não era um zoológico grande, no entanto. Talvez o governador da cidade o tenha feito como parte de um hobby e o abriu ao público. De fato, as gaiolas e as pedras do pavimento pareciam ser arranjadas com elegância.

Esta era uma cidade provincial perto da fronteira e uma fortaleza militar, então os nobres do Império devem ter tido muito tempo e dinheiro sobrando para construir isso.

Mas essas eram praticamente as únicas coisas que restaram do passado.

Esta cidade provavelmente foi evacuada e abandonada para escapar da legion. Com base na quantidade de suprimentos aqui deixados intocados, era fácil imaginar que a evacuação foi feita com muita pressa. E é claro, as pessoas estavam tão ansiosas para escapar vivas que não tiveram tempo de libertar os animais de suas gaiolas.

Deitado atrás de uma gaiola com barras projetadas como vinhas enroladas estava o esqueleto branqueado de algum animal grande. A placa empoeirada ao lado dizia que era um tigre, mas não havia mais traços de sua imponente figura ou de sua pele listrada brilhante.

Um leão. Um urso polar. Um jacaré. Um pavão. Uma águia negra... Todos reduzidos a esqueletos. Um hiena estava em sua gaiola, com as mandíbulas cerradas nas barras numa tentativa de sair. Talvez tenha morrido de sede antes da legion chegar para matá-la.

Essas gaiolas eram feitas para manter os animais raros de escapar, mas também mantinham os carnívoros, como lobos e raposas, de comerem os corpos. Isso permitiu que as criaturas menores simplesmente se decomponham. Pensar nesses animais, que foram tirados de seus lares distantes e presos em gaiolas, apenas para apodrecerem no concreto sem nunca se tornarem alimento para algo... Isso deu aos quatro uma sensação terrivelmente vazia.

Eles, também, foram tirados de sua terra natal e trancados. Para eles, estavam enjaulados no campo de batalha, onde eram forçados a morrer em batalhas sem sentido. Suas vidas não deixariam nada para trás. Suas vidas não seriam permitidas a ter qualquer valor.

Esses animais são como nós, os Eighty-Six...

Talvez por ser nomeado após um cachorro, isso deu a ele um estranho senso de parentesco, porque Fido parou de repente perto dos ossos de um que supostamente era um estranho canídeo de origem oriental. Provavelmente sentiu algo semelhante ao que os Eighty-Six sentiam, apesar de estar acostumado a ver esqueletos graças ao seu trabalho de coletar os corpos dos mortos na guerra.

Os cadáveres de animais, deixados para perecer sem terem para onde ir ou qualquer propósito em suas vidas.

“É assim que vamos...?” Kurena sussurrou suavemente.

Ela então fechou os lábios, hesitando como se tivesse medo de terminar a frase. 

Mas todos sentiram como se soubessem o que ela ia dizer.

É assim que vamos morrer? Ou...

Desconhecidos para todos, incapazes de tocar nas vidas de alguém, simplesmente desaparecidos e esquecidos...?

Quatro pessoas e uma máquina marcharam por este zoológico abandonado, alinhado com gaiolas decoradas que aprisionavam os restos sem vida daqueles animais. Eles passaram silenciosamente por essa exposição de morte ilimitada.

E na extremidade mais distante do zoológico, eles encontraram uma gaiola prateada que era maior e mais decorada do que as outras. Dentro dela estava o grande crânio de um elefante, encarando-os através de suas órbitas vazias. Lá, Shin estava de pé, de costas para eles. E bem na frente dele, estava, suas oito pernas dobradas e quebradas...

Um Löwe.

Raiden sentiu todo o sangue drenar de seu rosto de uma vez. A memória horrível de como uma de suas colegas de equipe, Kaie, teve a cabeça decepada por um ataque brutal de um Löwe veio à tona em sua mente.

“Shin?!”

Ele correu até Shin antes mesmo de poder pensar nisso. Ele deslizou a alça de sua espingarda do ombro, agarrando-a em suas mãos em um movimento familiar.

“Seu idiota! O que está fazendo?!” Ele rosnou.

“—Está tudo bem, Raiden,” Shin disse quietamente. “Não é perigoso... Ele não pode mais se mover.”

Seus olhos vermelho-sangue estavam fixos no Löwe, que estava agachado e encolhido, aparentemente incapaz de se mover. Ao se aproximar, ficou claro o quão quebrado ele estava. Sua torreta estava inclinada de lado e imóvel, e seu imponente canhão de 120 mm estava arrancado em linha reta. Suas metralhadoras estavam ausentes, aparentemente sopradas completamente.

E finalmente, o sangue vital dos Legion—os prateados MicroMáquinas Líquidas que serviam como seu processador central—escorriam dele, incapazes de manter sua forma enquanto vazavam de um grande buraco… que provavelmente foi causado por um projétil de calibre 120 mm.

Tendo matado os Legion tantas vezes quanto ele fez, Raiden pôde perceber que isso era um dano fatal para um Löwe. Assim como seus camaradas, que observavam a troca de palavras a uma curta distância, e Shin, que lutou e sobreviveu a batalhas com os Legion mais do que qualquer outro. Ele estava desprotegido, com sua espingarda de assalto ainda pendurada no ombro, na frente de um gigantesco monstro Legion que normalmente poderia partir um humano ao meio com um único golpe de suas pernas metálicas.

Ele olhava para esse drone de combate em ruínas com um olhar quase sombrio.

"Eu podia ouvir ele se aproximando desde ontem. Não podia ser um escoteiro em patrulha, e parecia que ele estava indo em uma direção diferente. Então pensei em ignorá-lo… Mas essa manhã, tive a sensação de que ele estava chamando."

"... Chamando?"

"Ele disse que queria alguém, qualquer um, ao seu lado."

E o motivo pelo qual ele queria alguém ali estava claro para qualquer um que visse o estado lamentável desse Löwe.

Eu não quero morrer sozinho.

"Isso não foi o que ele disse no leito de morte, então eu apenas tive a sensação de que era isso que ele queria dizer. Tudo o que ouço é uma repetição das últimas palavras deles antes de sua vida terminar."

"E o que ele está dizendo?"

"Eu quero voltar."

Era uma voz silenciosa e suave, mas parte dela parecia um reflexo do próprio desejo de Shin, e ao ouvir isso, Raiden sentiu seu próprio coração tremer. Era como uma expressão de um desejo aninhado profundamente dentro dele também.

Eu quero voltar. Sim, talvez sim. Talvez alguma parte dele tenha estado desejando isso o tempo todo.

Eu quero voltar. Para voltar atrás.

Mas voltar aonde? Eles não tinham para onde retornar. Eles não se lembravam de tal lugar. Não havia lugar para voltar.

"Ele quer voltar para casa mais uma vez… Ele é um Eighty-Six. E diferente de nós, ele é do tipo que ainda pode lembrar de sua casa e família."

Esse Eighty-Six provavelmente era mais velho que eles, ou talvez eles simplesmente não tivessem sobrevivido o suficiente como Processadores para terem suas memórias apagadas pelas chamas da guerra. De qualquer forma, esse Löwe queria voltar para aquele lugar tanto que mesmo após sua morte, ele estava tentando arrastar seu corpo quebrado e dilacerado na tentativa de voltar.

Mas no final, ele não pôde chegar lá. Não havia lugar para retornar, e então, no final… ele não era diferente de Raiden e dos outros. Um Eighty-Six expulso para o campo de batalha, onde era forçado a viver e destinado a morrer. Um Eighty-Six que não pertencia a lugar algum além do campo de batalha. E então…

Você saiu do acampamento e veio até aqui por um fantasma mecânico de alguém que você nem conhece?

Raiden coçou a cabeça, meio exasperado. Se for o caso, não havia muito mais o que Raiden poderia dizer. Não a este Reaper Sem Cabeça que assumiu o dever de coletar os camaradas que morreram ao longo do cam

inho, lembrando-se deles e levando-os consigo para seu destino final…

"Isso não compensa o fato de você ter saído sem dizer nada. Idiota…," resmungou Raiden para ele.

"Desculpa," disse Shin.

Mas ele não disse que se arrependia, o que Raiden admitiu relutantemente para si mesmo que era típico de Shin. Mesmo enquanto conversavam, Shin manteve seu olhar fixo no Löwe. Raiden estreitou os olhos desconfiado. Não poderia ser, mas…

"Você não está pensando em levá-lo junto, está?"

"Não, eu não posso fazer isso. Eu não sei o nome dele nem nada sobre ele."

Shin podia ouvir as vozes dos Legion, mas não conseguia se comunicar com eles. Como Shin acabou de dizer, tudo o que ele conseguia ouvir era o ruído ininteligível de uma inteligência mecânica ou uma repetição constante dos últimos pensamentos dos mortos antes que sua vida chegasse ao fim. Ele não podia se comunicar com nenhum deles, nem mesmo com os Pastores, que mantinham as memórias e faculdades mentais que tinham em vida.

Dito isso, se Shin soubesse mesmo tão pouco quanto apenas o nome dessa pessoa, ele teria lutado ferrenhamente para levá-los consigo, mesmo que fossem um Legion. Na verdade, Raiden nunca conseguiu lembrar de Shin se referindo aos Legion como pedaços de sucata ou os amaldiçoando da mesma forma que os outros normalmente faziam.

Ele estimava o suficiente seu irmão para passar os últimos cinco anos procurando pelo Legion que continha sua cabeça… e ele provavelmente via os outros Legion como humanos que mereciam ser postos para descansar assim como seu irmão.

"Então eu pensei que, como ele estava por perto, eu deveria ao menos me despedir dele."

As articulações das pernas do Löwe rangiam e chocalhavam. Seus instintos como máquina de matar o impulsionavam a matar o inimigo parado na frente dele, e assim ele tentava mover seu corpo. Mas ele não conseguia sequer se levantar, suas pernas falhando em suportar seu peso de cinquenta toneladas. E ele não podia se mover o suficiente nem para arranhar o chão onde estava.

Seu sensor óptico piscava irregularmente enquanto seu olhar se movia de Shin para Raiden e depois de volta para Shin, a quem ele havia chamado ali. Seus movimentos gradualmente se tornaram mais lentos, e aos poucos, suas pernas pararam de se debater. Quando finalmente se acalmou, Shin estendeu a mão e colocou-a em seu sensor óptico agora parado.

"Está tudo bem."

Sendo otimizado para batalha, os Löwe não estavam equipados com funções de análise de linguagem. Mesmo sabendo disso, Shin o tocou e falou com ele como faria com um camarada morrendo.

"Você pode voltar para casa agora."

Deixe-me voltar para casa. Para a casa em minhas memórias.

Ou talvez para o local de descanso final de todos que morreram… a escuridão nas profundezas do mundo.

O Reaper sacou sua pistola. Sua arma final, que ele usaria para tirar seus camaradas moribundos de seu sofrimento. A última bala, ele guardaria para si mesmo, quando o fim viesse reclamá-lo.

Ele ajustou a mira da pistola como se estivesse virando seu olhar para ela. Ele mirou no buraco onde um projétil APFSDS tinha rasgado a lateral de sua torreta de canhão, de onde o processador central dos Legion vazava.

O som desse tiro foi engolido e silenciado pelas gaiolas e edifícios em ruínas sem chegar a ninguém. Como uma canção do cisne de um homem moribundo tocando por uma terra desabitada, nunca a ser ouvida.

Na parte de trás da torreta agora eternamente silenciosa do Löwe, havia um buraco perfurado por um projétil APFSDS de 120 mm. 120 mm. O canhão principal do Juggernaut era de calibre 57 mm. E o canhão de interceptação que eles quase nunca viram em uso—na verdade, a única vez que viram o seu Antecessor usar foi a única vez que testemunharam—era de calibre 155 mm.

Quem destruiu esse Löwe não era da República. Ou era outro canhão de 120 mm de um Löwe, ou talvez—

"Raiden, se houver outras facções que sobreviveram além da República…"

Raiden bufou com a sugestão. Isso era algo que ele tinha ouvido algumas vezes antes de partirem para a missão de Reconhecimento Especial. Além das antigas fronteiras da República e ainda mais longe dos territórios dos Legion estava uma área onde Shin não podia ouvir nada.

É claro, Shin não podia dizer se havia pessoas ainda vivas lá. Talvez houvesse outro motivo—por exemplo, um lugar poluído por radiação intensa o suficiente para impedir até mesmo os Legion de operarem lá. Ou talvez estivesse simplesmente além dos limites do que a capacidade de Shin podia ouvir.

E ainda assim, se… se houvesse sobreviventes exceto pela República, talvez eles pudessem alcançá-los e sobreviver.

Essa era uma teoria que Raiden não achava nem um pouco atraente.

"Então o quê, nós vamos para lá e vivemos vidas pacíficas? Eu nem consigo imaginar isso."

Nesse ponto, mal conseguia se lembrar de sua vida antes de ser enviado para o campo de batalha para ser um Processador. Antes de ser abrigado naquela pequena escola. Ele não conseguia se lembrar como era sua casa, que sonhos ele tinha, ou como passava seus dias. Nem os outros. Nem Shin.

Viver uma vida pacífica agora? Depois de todo esse tempo? Além disso—e ele manteve esse pensamento para si mesmo, não o colocando em palavras—ele duvidava que eles conseguiriam, mesmo se um lugar assim existisse. Dar voz a essas coisas tinha um jeito de atrair má sorte. Era isso que a velha sempre dizia...

"Se isso fosse um conto de fadas, encontraríamos a utopia no final da nossa jornada, embora," disse Shin, indiferente e desinteressado.

"O que, você está dizendo que a reviravolta foi que o que dissemos ontem estava certo, e nós realmente passamos pelas portas do paraíso? Ir para o paraíso apenas depois de morrer não é divertido."

"O que, você não quer ver como é lá?"

"Claro que não. Quem precisa disso depois de tudo que vimos?"

Se ele tivesse alguma expectativa de que havia um paraíso na vida após a morte, ele teria se matado há muito, muito tempo. Um de seus camaradas passados fez exatamente isso, na verdade. Ele resistiu bravamente, gritando para Raiden e Shin que ele não se tornaria louco como eles antes de fazer isso.

Shin gravou seu nome em uma lápide de alumínio e o levou consigo. Dessa forma, caso o camarada perdido não encontrasse o paraíso que procurava, ele não acabaria deixando-o para trás.

Raiden viu os olhos vermelho-sangue opostos a ele olharem para baixo. Como se estivessem afundando em algum lugar escuro e profundo, completamente sozinhos. E Shin mexeu os lábios, sussurrando as palavras para que só ele pudesse ouvi-las.

"Ainda assim, se eu puder chegar lá…"

O som do vento abafou seu monólogo interior. Shin então virou as costas para os restos do Löwe.

"Vamos. Já ficamos aqui tempo suficiente."

Desde que partiram para a missão de Reconhecimento Especial, Shin começou a sorrir mais frequentemente. Como se um peso que ele estava carregando tivesse sido aliviado, como se ele tivesse sido libertado. Como se não tivesse mais arrependimentos, nada deixado para trás neste mundo.

E assim, Raiden pensou que ele parecia… terrivelmente instável.

Cinco Juggernauts e seu fiel Catador cruzaram a ponte. Tendo confirmado sua passagem segura, uma certa unidade Dinosauria se levantou. Estava a sete quilômetros de distância da margem onde o esquadrão Spearhead estava escondido. Durante os quatro dias que os cinco passaram lá, o Dinosauria permaneceu onde estava, fora do alcance efetivo de seu canhão de tanque, seguindo-os de longe enquanto mantinha sua distância.

Shourei Nouzen.

O que Shin havia perseguido por cinco anos. Os remanescentes do fantasma que ele procurava e finalmente derrotou. Graças aos sistemas de segurança dos Legion, ele mal escapou da morte. Mas não seria muito tempo antes de ele se desintegrar.

Mas até isso acontecer, ele usaria o pouco tempo emprestado que ainda tinha para observar e proteger a jornada de seu irmão mais novo. E com esse único desejo, seu fantasma permanecia neste mundo.

Sendo uma unidade Legion, Rei sabia o que esperava Shin no final de sua jornada. Outro país que não era o Império—um país que os protegeria.

Provavelmente vou desaparecer antes que tudo acabe.

Mas se eu puder pelo menos levá-lo—levá-los—a um lugar seguro, isso é tudo o que eu preciso.

Em dois lados do horizonte, entre as duas margens do rio que separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos, estavam dois irmãos—o mais velho morto, o mais novo ainda vivo. Nenhum deles ciente de que ambos tinham resolvido fazer a mesma coisa.

 



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