Volume 6

Capítulo 353: Alistair

Enquanto Fran se agarrava ao corpo de Kiara e soluçava, vi várias pessoas correndo de volta para a sala.

Eram Mare e os outros. No entanto, havia uma mulher com eles que eu não reconheci. Quem era essa? No momento, minha avaliação não estava funcionando.

Ela deve ter seguido Fran. Mare e os outros correram para a sala em pânico, e quando viram Kiara deitada ali, seus rostos se contorceram.

— Mestra Kiara!

— Kiara!

Mare e Mianoa foram as primeiras a correr. Além de Mare, nunca vi Mianoa tão séria assim. Tanto Kuina quanto Guendalfa, que carregavam um Asura inconsciente nas costas, também pareciam aturdidos.

Todos pareceriam entender a situação quando viram a condição de Kiara e Fran. Todos já sabiam que Fran poderia utilizar magia de cura, e a de mais alto nível. Apesar disso, o fato de Fran estar chorando sem lançar a magia significava...

— Fran, você conseguiu ouvir as últimas palavras da Mestra Kiara?

Mare falou com Fran, enquanto as lágrimas escorriam por seus olhos e umedeciam suas bochechas.

— Mestra Kiara estava preocupada conosco. Para a Mestra Kiara, que não tinha família, éramos próximas dela o suficiente para que ela sentisse que éramos como suas próprias netas.

— ... ela também disse para ser gentil, legal e viver livremente.

— Entendo. Isso soa como algo que a Mestra diria.

Depois de ouvir as palavras de Fran, Mare deu um grande aceno de cabeça.

— Nn…

— Viver livremente... Mestra Kiara passou por maus bocados por causa daquele velho desgraçado.

Velho desgraçado? Eu me perguntei a quem isso se referia, mas devia ser o Rei das Feras anterior. Foi ele quem escravizou Kiara, mas quando pensei sobre isso, ele era o avô de Mare.

— Mas no final, Lady Kiara parece feliz consigo mesma.

Todos concordaram com as palavras de Mianoa. Mianoa, que era sua aia, devia ter um vínculo mais forte com Kiara do que qualquer outra pessoa. Compreendendo isso, Mare e os outros deram lugar para ela se aproximar de Kiara.

Até Fran começou a abrir espaço para ela. Talvez, ela tenha percebido que não era a única lamentando a morte de Kiara. Ela se levantou, esfregando os olhos com as mãos, que estavam vermelhos porque estava chorando.

— Muitíssimo obrigada...

Mianoa se ajoelhou e limpou a sujeira do rosto de Kiara com um lenço.

— Kiara-sama… você está sorrindo…

Sim, Kiara estava sorrindo. Ela parecia estar muito satisfeita com o que fez antes de partir.

Talvez, quando ela lançou seu último ataque, Kiara mal pudesse sentir seu corpo. Imaginei que ela nem estava ciente de que não só não conseguia ver Zerrosreed, como seu ataque nem mesmo o atingiu diretamente e também foi auxiliado pela minha telecinesia.

Ainda assim, ela disse que estava contente e disse adeus a Fran com um sorriso. Seu rosto parecia muito feliz. Eu terminaria com um sorriso como o dela no meu rosto se fosse destruído agora e tudo chegasse ao fim?

Isso era impossível. Tenho certeza de que, em vez disso, teria sido algo perturbador. Não ficaria nem um pouco satisfeito e teria chorado de arrependimento ao chamar o nome de Fran.

Kiara deve ter experimentado todos os tipos de coisas ao longo de sua longa vida, tanto boas quanto ruins.

Conversar e beber com amigos, saborear a doçura e amargura da vida, beber água lamacenta... não, isso estava errado. Ela deve ter vivido uma vida que não poderia ser imaginada nem mesmo por um monge1 já na casa dos trinta. Em outras palavras, a vida de Kiara não poderia ser totalmente expressa com uma visão tão simplista.

Portanto, achei que era por causa de toda a sua experiência de vida que ela foi capaz de rir e morrer de forma tão pacífica. Era impossível para eu ser assim agora. Eu a admirava. Queria ganhar mais experiência para acabar rindo no final também, junto com Fran, com sorte depois de muitos anos gratificantes.

Portanto, não poderia apenas não fazer nada e ser quebrado em tal lugar. Consegui tentar me consertar um pouco, mas a dor intensa não ajudou.

"Guga…!"

O que diabos aconteceu comigo?

Enquanto todos cercavam Kiara, uma mulher misteriosa, que não estava junto com o grupo, se aproximou de mim.

Ela era alta, com longos cabelos prateados e uma túnica branca. Seus olhos eram penetrantes, não, seus olhos eram perturbadoramente intensos. Será que ela estava com raiva de ser deixada sozinha?

Eu podia ver que os músculos de seu corpo eram bem tonificados, apesar de ser tão magra. O simples fato de estar em um lugar como aquele sugeria que ela não era uma mulher qualquer.

Seu olho direito, com apenas uma fenda aberta, espiando por entre sua longa franja, olhou para mim, segurando-me no lugar com firmeza. Uau... o que deveria fazer... se Mare e os outros a trouxeram aqui, então ela não devia ser um inimigo. Mas se essa mulher começasse a me pegar e tentasse me equipar, todos estaríamos em apuros.

Não podia ser diferente. Eu sei que Fran teria gostado de ficar perto de Kiara um pouco mais, mas se essa mulher de repente me pegasse em silêncio...

"Fran… guh…"

"… nn?"

"Esta, mulher…"

Talvez fosse porque a adrenalina da batalha se dissipou, mas eu não conseguia mais conter a dor. Mesmo assim, consegui pedir ajuda a Fran enviando-lhe uma mensagem telepática.

Fran então se virou e viu a mim e à mulher e entendeu o que eu estava tentando dizer. Ela se levantou apressada, enxugando as lágrimas, e correu até mim. Então ela me pegou antes que a mulher pudesse reagir.

"Mestre. Você está bem?"

"Sim…"

Mesmo dizendo isso, não pude evitar essa forte sensação de desconforto. Não importava o que tentasse fazer, continuava sentindo essa dor voltando de novo e de novo, e não conseguia nem começar a me reparar. Além disso, não havia sinal de que meu poder mágico se recuperaria.

Seria curado se um ferreiro me consertasse? Não, estaria com problemas se não pudesse me curar. Não pude fazer nada em meu estado atual. Este era um momento difícil para Fran, pois ela acabou de perder alguém que realmente admirava. Tinha que ser forte, pelo menos por ela.

— Isso é…

Mesmo que fosse sua posse, entendia que não era educado aparecer de repente e pegar a espada de forma brusca. Fran se aproximou da mulher com uma leve hesitação. A outra pessoa também se aproximou de Fran.

 — Você é a dona da espada?

— Nn.

A mulher tinha um olhar azedo quando perguntou a Fran. Eu sabia que ela estaria de mau humor. Ainda assim, ela tinha bom senso suficiente para não reclamar do choro de Mare e dos outros.

— Entendo. Deixe-me ver essa espada por um minuto.

"Mestre?"

Hmm, o que deveria fazer? Não achei que seria um problema só me mostrar a ela, mas não sabia quem era essa mulher. Contudo, se eu recusasse, parecia que poderia deixá-la brava, e se isso acontecesse, parecia que seria uma dor de cabeça. Em primeiro lugar, minha camuflagem de avaliação estava funcionando?

 — Você deve deixá-la ver.

Enquanto estava angustiado, Mare de repente se aproximou de mim. Pelo que Mare disse, ela parecia ser surpreendentemente superior a princesa. Além disso, o tom de voz de antes parecia um pouco familiar.

— Lady Alistair não faria nada de errado. Llinde também se encontra com ela com regularidade.

"Mestre, está tudo bem?"

"Ó."

Mare confiava tanto nela, então seria rude dizer não. Além disso, ela era o tipo de pessoa que podia lidar com uma espada divina, não é? Ela devia ser uma grande ferreira. Porém, eu não sabia o que alguém com uma habilidade incrível como essa estava fazendo aqui.

 — Nn…

— Ó, obrigada.

Era estranho porque tanto o tom dela quanto a aparência azeda não pareciam muito esquisitos quando se pensava nela como uma ferreira. Pelo contrário, até achei algo muito apropriado para uma artesã.

Alistair olhou para mim enquanto Fran me soltava, e ela ficou me encarando de mal humor. Seu olhar vasculhou da minha ponta ao meu punho.

— Eu sabia que esse projeto era... mas a forma do padrão... posso dar uma olhada mais de perto?

— Nn.

— Agora, se me der licença... Olho de Análise!

Eu podia ver os poderes mágicos nos olhos de Alistair. Havia um poder mágico tão forte concentrado em seus olhos que se estivéssemos em um lugar escuro, seus olhos brilhariam.

Então Alistair soltou um murmúrio de surpresa:

— Esse é um registro de equipamento muito rigoroso. Não, esse poder é um remanescente de Deus...? Além disso... esta... esta coisa... essa espada de merda, quem fez ela? Foi um ferreiro divino?

— Algum problema?

— Não, isso não é algo para dizer em voz alta. Você poderia me dar alguns minutos do seu tempo mais tarde?

Ao que parecia, ela foi capaz de ver meu status e outras informações através de suas habilidades de avaliação. E, baseado na reação que de agora, ela pode ter descoberto que eu era uma arma inteligente.

— O circuito mágico está despedaçado. Nesse ritmo, há o risco de ser de ela não conseguir realizar uma restauração adequada.

"!!! É verdade? O que devo fazer?"

— Espere um minuto... posso tocá-la?

— Nn.

"Isso é uma confirmação, você com certeza está falando comigo. Eu sabia. Esta é uma verdadeira arma inteligente."

Alistair tocou meu punho de forma gentil com suas pontas finas dos dedos e começou a derramar uma pequena quantidade de magia neles. No entanto, não senti nenhum desconforto. Era bastante quente e reconfortante, tanto que até me senti bem. Imaginei que era hora de eu pedir a ferreiro por uma manutenção.

"Ó…"

Isso era semelhante à sensação de curar feridas? Eu podia sentir que algo profundo dentro de mim estava se recuperando.

Ainda assim, o autorreparo não poderia funcionar. Era porque esse tipo de cura não funcionava, ou meu dano foi sério demais? No entanto, esta mulher Alistair parecia confiável.

Um pouco simplória, se eu tivesse que dizer. Eu era o tipo de pessoa que, quando estava gravemente ferido, seria influenciado se alguém fosse um pouco gentil comigo?

"Mestre?"

"Estou bem."

Eu experimentei menos dor agora quando usei a comunicação telepática. Não, tinha certeza, foi sem dúvidas muito menos do que antes. Tudo graças a Alistair. Me perguntei quem ela era de verdade?

— Eu administrei os primeiros socorros. Se você não exagerar, não vai ficar pior do que isso, mas você deve abster-se de lutar até que seja devidamente consertado.

— Então, você pode curá-lo?

— É claro. Não há armas que eu não possa consertar.

— Sério?

— Ó, deixe isso comigo.

— É mesmo... isso é ótimo...!

Logo depois de ouvir as palavras de Alistair, Fran apertou meu punho e soltou um suspiro de alívio.

— Rou. — E então ela derramou uma grande lágrima.

Ela tinha perdido Kiara e até eu estava triste por isso. Tinha certeza que ela não conseguia evitar de ter pensamentos negativos, e a garota esteve ansiosa todo esse tempo todo. Eu estava muito ocupado com meus próprios problemas para notar.

"Fran, me desculpe. Eu não queria preocupar você."

"Não… uh… está tudo bem. Mas de verdade, é um alívio que você esteja bem, Mestre..."


Nota

1 – Um monge é uma pessoa que pratica ascetismo religioso por meio da vida monástica, sozinho ou com qualquer número de outros monges. Um monge pode ser uma pessoa que decide dedicar sua vida a servir todos os outros seres vivos, ou ser um asceta que voluntariamente escolhe deixar a sociedade convencional e viver sua vida em oração e contemplação. O conceito é antigo e pode ser visto em muitas religiões e na filosofia. O monge é uma classe de personagem em vários jogos de mesa e videogames. Nos jogos que seguem as tradições de Dungeons & Dragons, os monges são personagens com excelentes habilidades em artes marciais e especializados em combate desarmado. Muitos jogos de RPG incluem classes de guerreiros semelhantes ao monge de Dungeons & Dragons. A classe monge também encontrou seu caminho no NetHack e no Dungeon Crawl de Linley, que empresta elementos da classe de Dungeons & Dragons. Por outro lado, em alguns jogos mais recentes, o monge é semelhante à classe clerical de outros jogos populares, usando poderes espirituais para curar e eliminar doenças.



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