Volume 6

Capítulo 322: Murellia e a família real

— Foi ela que fez com que a tribo dos gatos-negros fosse punida pelos deuses 500 anos atrás.

Ela acabou de dizer 500 anos atrás? Nesse caso, essa garota está viva por todo esse tempo? Mesmo se ela tivesse despertado, sua longevidade não deveria chegar nem perto desse intervalo...

— Ah, se você conhece minha história, por favor, conte-a com os contos de minha grandeza!

Murellia ergueu o queixo enquanto dizia isso.

— ... não sei ao certo quanto é lenda e quanto é verdade.

Mare murmurou e contou a Fran e eu a história de Murellia. Ao que parecia, a história foi transmitida sob a forma de tradição1, de modo que ela não tinha certeza de quanto dela era precisa.

Mesmo que ela dissesse isso, quase todas as tradições e livros relacionados à Tribo dos Gatos-Negros foram apagados pelo Rei das Feras anterior, então a credibilidade do que restou seria bastante baixa.

— Você sabe por que a Tribo dos Gatos-Negros foi punida pelos deuses?

— Tentou usar o poder do Deus Maligno.

Não ouvimos a história toda, mas pelo menos sabíamos que a tribo tentou obter a bênção do Deus Maligno.

— Isso mesmo. Mas, há mais na história; dizem que a única razão pela qual o Rei das Feras levou a Tribo dos Gatos-Negros a fazer isso é porque Murellia o pressionou.

500 anos atrás, quando o Rei das Feras que estava governando a Tribo dos Gatos-Negros tentou se aproveitar do poder do Deus Maligno, parece que ele não estava tentando conceder seu poder a toda a tribo. A princípio, eles apenas pretendiam aproveitar o poder de forma exclusiva para a família real, a fim de solidificar ainda mais seu governo.

Durante esse período, foi Murellia que acendeu a ambição do rei. Na época, ela era uma aventureira rank B, conhecida como a Imperatriz do Trovão, que ganhou um poder que não era de modo algum inferior ao rank A, como resultado da conquista das bênçãos do Deus Maligno. No entanto, dizia-se que suas habilidades estavam além do que deveria ser capaz para uma mortal.

O Rei das Feras, que testemunhou os frutos da transformação de Murellia, ficou obcecado em conceder as mesmas habilidades para outras pessoas da Tribo dos Gatos-Negros. Com o apoio do Rei das Feras, Murellia exerceu sua autoridade para forçar inúmeros Gatos-Negros a aceitarem o poder do Deus Maligno. Ao mesmo tempo, ela executou Gatos-Negros que se manifestaram contra a família real e começaram a suprimir as outras raças de homens-fera.

— Como resultado, o nome de Murellia foi amaldiçoado e desprezado e transmitido à família real como uma pessoa perigosa por gerações. É tudo o que posso dizer com certeza.

Em outras palavras, foi ela quem levou a família real a invocar a ira dos deuses e deixou lendas de vários crimes e atrocidades. Por que diabos uma pessoa dessas estava aqui!?

Murellia ouviu atentamente enquanto Mare contava sua lenda. Apesar de todas as calúnias e críticas envolvidas, ela na verdade não pareceu se importar muito. No entanto, no meio da história, sua expressão azedou. Logo depois que Mare terminou, ela abriu a boca:

— Minha versão da história é um pouco diferente, mas não importa. Em vez disso, você é uma chefe tribal dos Leões-Vermelhos?

— De fato eu sou.

Mare parecia sentir algo no tom que Murellia usou e respondeu com cuidado. Não, se você pensasse bem, era certo que Murellia não tinha sentimentos benevolentes em relação a Mare.

Afinal, quando a Tribo dos Gatos-Negros atraiu a ira dos deuses e foi apagada da história, foi a atual família real, a Tribo dos Leões-Vermelhos, que apagou a existência deles e assumiu o trono.

Não havia nenhuma razão para as duas se darem bem. Em vez disso, se isso continuasse por muito mais tempo, elas poderiam partir para o combate.

— Eu acho que isso é verdade... fufufufu.

— Você é mesmo a Imperatriz do Trovão Murellia?

— É claro. Na verdade, sou a segunda princesa do Rei das Feras, a Imperadora do Trovão Murellia.

— Receio que você esteja errada. Faz muito tempo que vocês deixaram de fazer parte da realeza.

— Errado. A família Krishna ainda mantém sua posição real. Em vez disso, são vocês, seus impostores, que roubaram o trono e acabaram esquecendo de largar o osso.

Bem, achei que seria assim. Enquanto Murellia e Mare trocavam insultos com entusiasmo, Fran faz uma pergunta a outra gata-negra:

— Por que fez isso?

— Você, alguém já lhe disse que você não usa palavras suficientes? Bem, eu sei o que você estava tentando dizer. Não é preciso dizer que meu objetivo é me livrar dos usurpadores e restaurar o prestígio da Tribo dos Gatos-Negros! E mais uma vez criar um paraíso para nossa espécie!

Eu tinha que admitir, fiquei um pouco chocado quando a ouvi dizer isso. As lendas sobre ela não a consideravam má e perversa? Eu poderia jurar que ela era nossa inimiga...

Ela estava tentando salvar os membros perseguidos da Tribo dos Gatos-Negros? Claro, ela forçou os moradores de Schwarzekatze a evacuarem, mas não tínhamos nenhuma prova de que ela planejava atacá-los…

Parecia que Fran estava pensando na mesma coisa e fez mais perguntas a Murellia:

— Você quer ajudar Gatos-Negros? Mas, agora o Rei das Feras e os Gatos-Negros são aliados.

— O que você quer dizer com isto?

A resposta veio de Mare:

— A perseguição de Gatos-Negros entre os homens-fera está chegando ao fim. E, graças a Fran, agora eles sabem o método para evoluírem.

— Hmm…

Enquanto as duas explicavam, Murellia apenas inclinou sua cabeça.

— E daí?

— Você fez isso para salvar os Gatos-Negros?

— Ó, entendi. Você está se perguntando por que tentei atacar a Vila dos Gatos-Negros.

— Nn.

— Ufufufu. Não é preciso dizer que os vermes que perderam o orgulho e passaram a viver com as outras tribos não têm mais o direito de se autodenominarem Gatos-Negros.

— Quê!?

Ela disse isso. A única comparação em que consegui pensar era você dedicar esforço e tempo para exterminar pragas que já tinham deixado sua casa, onde estava a lógica nisso? Não, além de ser uma inimiga, parecia que ela tinha alguns parafusos soltos.

— Mas-mas, não faz sentido um paraíso se você matar todos os Gatos-Negros!

— Gahahaha! Algo tão trivial quanto isso, desde que você use o poder do calabouço, você pode fazer qualquer coisa!

Pensando bem, ouvimos dizer que havia uma dungeon envolvida em algum lugar nessa confusão. Mas usar um calabouço requeria enormes recursos. Explorar um não seria uma tarefa fácil.

— ... tentou mesmo atacar todo mundo?

— Sim, sim! Mas você é diferente!

Murellia exclamou enquanto apontava para Fran.

— Você conseguiu evoluir maravilhosamente, e ainda está crescendo! Se você me seguir, eu garantirei sua segurança e sua vida!

Embora as vidas de Fran, Mare e Kuina tenham sido ameaçadas há pouco, não me senti nem um pouco chateado. Não sentia que poderíamos perder. Em vez disso, minha visão estava bastante clara agora.

Em resposta a Murellia, que acreditava com total confiança que a garota aceitaria sua oferta, Fran ofereceu essas palavras:

— Desculpe, prefiro morrer.


Nota

[1] Tradição é a continuidade ou permanência de uma doutrina, visão de mundo, costumes e valores de um grupo social ou escola de pensamento. Ao nível da etnografia, a tradição revela um conjunto de costumes, comportamentos, memórias, rumores, crenças, lendas, música, práticas, doutrinas e leis que são transmitidos para pessoas de uma comunidade, sendo que os elementos passam a fazer parte da cultura.



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