Volume 6

Capítulo 263: A Associação das Carruagens com Chifres

Nós nos encontramos vagando pelos subúrbios não muito tempo depois de reservarmos um lugar para passarmos a noite. O plano original era voltarmos para a guilda para que pudéssemos descobrir o que fazer para ir para a capital, mas falar com a senhora que administrava a pousada que escolhemos nos fez mudar de ideia.

O estalajadeiro era um homem de negócios com uma infinidade de conexões. A combinação das informações que ela obteve de seus colegas e seus instintos como uma mulher-fera permitiu que ela identificasse Fran no momento em que a garota entrou pela porta. Como resultado, ela tratou a garota com o máximo de fidelidade possível. Ou seja, ela ofereceu o melhor quarto que tinha com um belo desconto.

Ela então passou a declarar que trataria o formulário que Fran preencheu como uma herança de família antes de ouvir nossos planos e nos dar alguns conselhos.

Foi esse conselho dela que nos levou ao nosso destino atual.

— Aquilo? — Fran inclinou a cabeça enquanto apontava para um prédio que parecia combinar com o que o estalajadeiro havia descrito para ela.

"Acho que sim. O telhado é azul, e a estrutura faz parecer um celeiro. É uma combinação quase perfeita."

Aproximando-se do prédio um pouco mais confirmou que era o local que estávamos procurando; a placa pendurada fora dele rotulou-o como um ramo da Associação das Carruagens com Chifres.

— Bem-vinda. —, uma mulher calma na casa dos vinte anos falou quando entramos no prédio. Ela era bastante semelhante ao tipo de garota que muitas vezes encontrávamos trabalhando na Guilda dos Aventureiros, com a única diferença sendo seu uniforme que tinha sido trocado por algo diferente.

Ao contrário do estalajadeiro que conhecemos antes, a recepcionista da associação era humana, então ela não identificou Fran na mesma hora. No entanto, muitas das pessoas que encontramos ao longo do caminho sim. A maioria das pessoas por onde ela passou congelou no momento em que perceberam que ela não era uma gata-negra comum. Mesmo aqueles que ainda não tinham ouvido falar sobre a Princesa do Raio Negro acabaram parando e a encararam no momento em que perceberam que ela havia evoluído.

Alguns dos homens mais velhos que a viram ficaram tão chocados que começaram a adorá-la no local. Em suma, ela foi tratada como o tipo de criatura mítica que abençoa com felicidade tudo o que conseguia localizá-la... basicamente todos os homens-fera que ela encontrou paravam apenas para dar uma boa olhada nela.

— Quero informações. —, Fran começou a trabalhar e passou a questionar a funcionária enquanto eu lembrava dos eventos que tinham acabado de acontecer.

— Será que esta é a sua primeira vez montando uma carruagem com chifres?

— Nn.

A recepcionista nos deu uma visão geral rápida e explicou os serviços que a Associação das Carruagens com Chifres oferecia. Simplificando, eles forneciam um serviço de transporte. Eles alugaram carruagens puxadas por Chifres-Duplos, monstros parecidos com rinocerontes com alta velocidade e resistência. Eles faziam muito poucas pausas, então eram capazes de chegar a seus destinos duas vezes mais rápido que os cavalos. Eles próprios eram considerados monstros rank F, então também poderiam assustar ladrões e outros assaltantes mais fracos.

— Entendi. —, Fran assentiu com a cabeça.

— Aqui estão os preços. —, a recepcionista mostrou um pedaço de papel com um monte de números escritos por toda parte. As taxas pareciam variar de acordo com dois fatores principais. O primeiro era se a pessoa estava disposta ou não a compartilhar uma carruagem com outros passageiros. O segundo tinha a ver com a quantidade de distância percorrida.

— Quero ir para capital.

— Seu destino é Vestia, então? — A recepcionista apontou para as taxas escritas na página e parou por um momento antes de continuar. — Nesse caso, a taxa será de 40.000 gorudo se você estiver disposta a andar com outros passageiros, ou 120.000 se você quiser reservar uma carruagem particular. A viagem deve levar um total de 10 dias.

— Caro. — O comentário de uma palavra de Fran referia-se a mais do que apenas o custo em dinheiro. Ela também quis dizer que a viagem iria tomar muito do nosso tempo. Vendo que Fran parecia bastante confusa, a recepcionista mostrou-lhe um mapa e começou a explicar as circunstâncias.

— Aqui é onde Greyseal está no mapa. Vestia está bem aqui, a oeste.

— Não tão longe?

Greyseal estava na costa leste de Chrom. Vestia parecia estar apenas um pouco a oeste. Não consegui tirar conclusões definitivas, visto que o mapa não tinha uma escala, mas não parecia que levaria 10 dias para se mover entre os dois pontos relativamente próximos.

Sendo tão experiente quanto ela, a recepcionista abordou todas as minhas preocupações antes mesmo de eu expressá-las.

— A distância de linha reta entre as duas cidades não é muito grande, mas você vê esta mancha verde? — Ela moveu o dedo para a grande área verde entre Greyseal e Vestia.

— Floresta do Leão-Escorpião? — Fran leu as palavras em voz alta.

— Exatamente. A Floresta do Leão-Escorpião é designada como um covil rank C. Manticoras¹, monstros rank C, são conhecidos por viverem dentro dela.

“Ah, é por isso que as pessoas evitam atravessar a floresta.”

Não havia como uma pessoa comum conseguir, de alguma forma, trilhar o seu caminho através de um covil rank C.

— A floresta se estende bastante, tanto ao norte quanto ao sul. As carruagens precisam percorrer um longo caminho para contorná-la. —, explicou a recepcionista.

— Não há lugares para atravessar?

— Não é possível para uma pessoa comum, mas aventureiros mais qualificados são capazes de fazer isso.

— Sou uma aventureira.

— Parece que sim, mas eu não recomendo tentar isso por conta própria.

A recepcionista era uma pessoa muito legal. Ela parecia pensar que Fran era uma aventureira novíssima, mas não a negou de forma imediata e, em vez disso, expressou sua declaração de maneira a evitar ferir o orgulho da garota-gato. Além disso, ela não questionou se Fran podia ou não pagar pela carruagem e apenas continuou atentamente a responder todas as suas perguntas.

— Muitos aventureiros que partem de Greyseal preferem passar por Argentlapn. A cidade fica bem perto de onde a Floresta do Leão-Escorpião está menos densa. Você pode encontrar um grupo que está tentando atravessá-la se você seguir para lá.

Em outras palavras, tínhamos duas opções. A primeira era contornar a Floresta do Leão-Escorpião ao fazer um desvio enorme. A segunda era passar por ela indo para Argentlapn. Pelo visto, o covil foi classificado como rank C. Ele não deveria nos causar muitos problemas, por isso seria muito melhor atravessar a floresta.

Mesmo assim, chegar em Argentlapn ainda seria uma tarefa. O mapa fazia parecer que poderíamos alcançar a cidade desde que seguíssemos na direção sudoeste, mas não deveria ser tão simples na realidade. A rota, sem dúvidas, tinha seus próprios altos e baixos, algo que um mero mapa não era capaz de ilustrar.

— Quanto tempo até Argentlapn?

— Deve demorar cerca de um dia. O custo é de 3.000 gorudo se você estiver disposta a andar com outras pessoas e 9.000 se quiser uma carruagem particular.

“Montar uma Carruagem com Chifres parece uma boa ideia para mim. Será muito mais difícil nos perdermos se conseguirmos uma.”

“Concordo.”, Fran respondeu telepaticamente.

Tínhamos ficado curiosos sobre carruagens com chifres desde o início, então acabamos reservando uma que iria partir na manhã do dia seguinte. Passamos um bom tempo debatendo se queríamos andar de carruagem pública ou alugá-la e acabamos escolhendo a primeira opção. A publicidade era importante, e andar com outras pessoas era uma boa maneira de anunciar o status de Fran como uma Gata-Negra evoluída.

— Você tem algo para servir como identificação?

— Cartão da Guilda dos Aventureiros serve?

— É claro.

— Então, aqui.

— Obrigad-mas o quê!? Você é uma rank C? Sério!? — Os olhos da recepcionista se arregalaram quando ela olhou o cartão de guilda de Fran. Ela o virou várias vezes e o examinou de todos os ângulos possíveis antes de enfim confirmar sua autenticidade, examinando-o com uma espécie de dispositivo cristalino.

— Isso é... de verdade? — Sem dúvidas, ela ficou surpresa e impressionada com a capacidade de Fran.

— Nn. Real.

— Cer-certo! Eu deveria devolver isso a você. Sinto muito se fui rude.

— Sem problemas.

— Espero que você não se importe, mas há algo que eu gostaria de perguntar, visto que você é uma aventureira rank C.

— Nn. — Fran pediu à recepcionista para continuar com um aceno de cabeça.

— Para ser sincera, precisamos de escoltas. Parece que não conseguimos encontrar o suficiente para preencher todas as nossas posições, então você estaria disposta em ser uma guarda ao invés de uma passageira? Você é uma rank C, então estaríamos dispostos a dar um desconto de 50% se você aceitar essa proposta.

— Por que não o suficiente? A cidade tem muitos aventureiros.

— A maioria dos aventureiros desta cidade se concentra sobretudo na escolta de navios. Isso é ainda mais verdadeiro agora, dado o estado atual dos assuntos internacionais.

— Quer dizer? — Fran inclinou a cabeça em confusão.

— Ó, por acaso você veio para Greyseal pelo mar?

— Nn.

— As coisas começaram a ficar um pouco tensas entre nós e o país vizinho, em parte porque o rei está no momento fora do país. A maioria dos soldados foi designada para a fronteira. Muito poucos foram deixados para realizar as patrulhas habituais.

A falta de soldados levou a um aumento proporcional no número de ladrões e monstros. Muitos dos aventureiros que normalmente trabalhavam na escolta estavam ocupados exterminando todos os vermes que surgiram devido com o lapso na presença militar habitual.

— Guerra prestes a acontecer?

— Duvido muito, devido aos acordos que nosso país tem com o Reino de Bashar, mas as tensões estão aumentando. Isso seria em parte porque os basharianos não gostam muito dos Homens-Fera.

No momento, o país dos homens-fera estava relativamente livre de discriminação. Ele era um país pacífico e aceitador. Contudo, nem sempre foi assim no passado. Homens-Fera costumavam ter muitas vantagens sociais. A maioria das outras raças foram discriminadas e até oprimidas se voltarmos um pouco no tempo.

Bashar era um reino composto por essas pessoas que foram discriminadas. Ele foi criado por um grupo que havia escapado ou sido expulso do país dos Homens-Fera. Por isso, os basharianos odiavam os homens-fera. Em vez disso, eles defendiam a supremacia humana e garantiam que os humanos recebessem mais vantagens e oportunidades.

— Como humana, o passado de Bashar me faz sentir vergonha. O país costumava proclamar que os humanos eram a raça suprema e que os homens-fera eram apenas seres inferiores destinados a serem tratados como escravos.

— Explicou usando o passado. Diferente agora?

— A facção não extremista da família real chegou ao poder quase cem anos atrás. Embora os dois países ainda não se deem bem, os basharianos se tornaram muito mais tolerantes com o nosso país.

Mas de forma lamentável, os dois países ainda estavam de olho um no outro. A Nação dos Homens-Fera reconheceu que eles estavam em um estado que fazia com que os basharianos não pudessem fazer muito contra nós, em especial com o rei sendo tão forte quanto era, mas eles ainda não podiam evitar que seus soldados se reunissem ao saber que os basharianos haviam feito o mesmo... embora os vizinhos tivessem declarado que estavam apenas usando suas forças militares para limpar um calabouço.

— E é por isso que estamos com falta de mão de obra no momento. —, concluiu a recepcionista. — Você estaria disposta a aceitar o trabalho e nos ajudar?

Os 1.500 gorudo que pouparíamos seria insignificante para nós, mas o pedido passaria oficialmente pela Guilda dos Aventureiros e aumentaria o nosso crédito, então achamos que não havia nenhuma desvantagem.

— Aceitarei trabalho de escolta para Argentlapn.

— Isso é ótimo. —, a recepcionista sorriu. — Seis da manhã é um bom horário para você?

— Nn. Sem problemas.

— Então nos vemos Amanhã.

Uoo. Transporte adquirido.

“Tudo bem. Acho que podemos relaxar e descansar até amanhã.”

— Primeiro, comer todas as especialidades locais.

"Há especialidades locais por aqui?"

— Vi placa agora.

"Você sempre foi rápida em perceber esse tipo de coisa... mas tudo bem, vamos dar uma olhada.

— Nn!


Nota

[1] Manticora, ou Manticore, é uma criatura mitológica, semelhante às quimeras, com cabeça de homem, três afiadas fileiras de dentes de tubarão, uma voz trovejante e corpo de leão (geralmente, com pelo ruivo), olhos de cores diferentes e cauda de escorpião ou de dragão com a qual pode disparar espinhos venenosos que matam qualquer ser, exceto o elefante. Em algumas descrições, aparece com asas de dragão ou morcego, variando as descrições, no que diz respeito às seu tamanho, uma Manticora comum tem 70 metros, já uma alfa tem de 84 a 94 metros, e as progenitoras (mãe de outras Manticoras) têm mais de 120 metros. Originária da mitologia persa, onde era apresentada como um monstro antropófago. O termo que a identifica tem também origem na língua persa: de martiya (homem) e khvar (comer). Segundo algumas lendas, as manticoras surgiram quando um rei foi amaldiçoado e se transformou em manticora. Aparentemente estas criaturas foram inspiradas em tigres. Até hoje, muitas histórias de pessoas desaparecidas na Índia são ligadas às Manticoras. Hoje sabemos que, na verdade, os responsáveis pelos desaparecimentos eram os tigres. A manticora é famosa por cantarolar baixinho enquanto come sua presa a fim de distraí-la e/ou amedrontá-la.



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