Volume 5

Capítulo 216: O predecessor do Lorde das Feras

A participação no torneio nos proporcionou um grande número de benefícios e ganhos, dos quais o mais significativo foi a evolução de Fran. Eu tinha certeza de que ainda estaríamos desesperados com essa questão se não tivéssemos ido a Ulmut.

Nossa estadia na cidade também nos permitiu aprender o que os Gatos-Negros precisavam fazer para evoluírem, tanto como indivíduos quanto como uma raça. Esses dois conhecimentos foram, na opinião de Fran, dois dos mais importantes fragmentos de informações que aprendemos até o momento.

Outra coisa importante a ser observada foi que fomos capazes de enfrentar uma série de oponentes poderosíssimos. A derrota para Amanda nos causou um pouco de frustração, mas acabamos aceitando e seguindo em frente. Nós dois entendemos que era importante aprendermos com a perda e, portanto, a usamos a nosso favor, e com nossas outras batalhas, chegamos a um melhor entendimento de nossas forças e fraquezas. Chegamos ao ponto de derivar algumas novas estratégias que poderíamos usar em combate.

Honestamente, a única razão pela qual fomos capazes de aprender tanto foi porque entendemos que havia uma rede de segurança e que nem nós nem nossos oponentes morreríamos, não importava como a batalha terminasse.

As conexões que construímos com o Lorde das Feras nos permitiram ouvir sobre o estado atual da Tribo dos Gatos-Negros. Isso também foi um ganho bastante significativo, considerando que tirou uma carga da mente de Fran.

Por último, mas não menos importante, foi o fato de a garota ter ganhado um apelido muito legal.

"Ó, pelo amor de Deus Fran! Pelo menos tente ficar acordada!"

—  Mmph… ainda… acordada…

"Aguente só um pouco mais, tá bom? Em especial porque até que enfim chegou a sua vez."

— Nn...

"Que tal isto? Vou lhe dar algum tipo de recompensa se você passar por toda a cerimônia sem se render ao sono."

— Nn. Tipo de curry que ainda não experimentei.

"Tá bom, claro. Vou fazer algo para você, então pense bem sobre isso, fique firme e não adormeça."

— Uhmmm… há uma Gata-Negra chamada Fran presente? Se sim, é a sua vez agora, então por favor, suba no palco.

“Vamos lá, eles estão te chamando.”

— Nn.

O senhor feudal de Ulmut, um homem que estávamos vendo pela primeira vez, concedeu a Fran uma medalha de honra quando ela subiu ao palco.

Ao que parecia, o cara na realidade não era responsável por nada, e meio que apenas ficava lá e existia. Sua abordagem ao governo de Ulmut era bastante prática; Dias era a pessoa que administrava de verdade a cidade e cuidava de seu funcionamento interno.

A medalha que nos foi dada tinha o emblema de Ulmut e o número 3 gravado nela. Ao que tudo indicava, isso não era tudo que estaríamos recebendo; um prêmio de cem mil Gorudo seria entregue a nós mais tarde.

— Você lutou de forma esplêndida.

— Nn.

Fran respondeu com sua maneira habitual, mas acabou usando sua habilidade Etiqueta da Corte para realizar uma bela reverência. Embora essa combinação não parecesse educada, isso levou a uma série de vivas e uma enorme salva de palmas.

A única razão pela qual ela se preocupou em se curvar foi porque eu a lembrei de forma incessante de que ela precisava ter certeza de estar sendo educada. Eu não queria que as pessoas de repente começassem a ficar de olho em nós porque não tínhamos boas maneiras.


E assim, três horas passaram em um piscar de olhos.

Nós tínhamos planejado visitar o Lorde das Feras mais uma vez depois que a cerimônia terminou. Por isso, nos encontramos em frente à pousada mais cara da cidade, ao lado de um grande número de outros homens-fera.

Nosso destino era o quarto, ou melhor, o andar que ele havia alugado.

Ouvi outro homem-fera falar enquanto nos movíamos pela multidão.

A maioria dos membros da multidão era de nobres que serviam sob o comando do Líder dos Homens-Fera ou seus associados. Eles pareciam ter vindo porque perceberam que o Lorde das Feras estava de bom humor. Apesar disso, ele não estava muito disposto a ver nenhum deles. Ele os mandou embora porque não queria lidar com eles, pois pensava nesse grupo como uma enorme dor de cabeça e, em outras palavras, não valiam o seu tempo.

De forma surpreendente, os membros da multidão não ficaram furiosos com suas ações. Parecia que a maioria esperava que ele agisse da maneira que agiu, pois, ao que tudo indicava, sua atitude atual não era de modo algum uma que se desviasse daquilo que era considerado o normal.

Uma grande parte da multidão ainda havia decidido visitá-lo, apesar de suas expectativas negativas, porque eles acharam que uma chance era uma chance e que não tinham nada a perder ao ficarem parados de pé e verificar as intenções de seu monarca. O resto parecia pensar que era impróprio para eles ignorarem o rei que governava sua terra natal, independentemente do tipo de atitude que ele planejava adotar.

O fato de todos os indivíduos presentes serem homens-fera também significava que todos sabiam quem era Fran. Como resultado, ela acabou ganhando muita atenção.

Alguns nobres pareciam querer chamar a garota-gato, mas eles foram dissuadidos no momento em que Urushi, que estava no seu tamanho normal, voltou seu olhar para eles. Usamos o impacto para deslizar pela multidão e fazer o nosso caminho até a estalagem.

Eu tinha a suspeita de que ele não concordaria em nos ver, mas acontece que eu estava muito errado. Ele havia instruído os funcionários da estalagem a deixarem Fran vê-lo, então ela passou pela segurança sem nenhum problema.

— Bem, eu não esperava vê-la tão cedo.

— Fale sobre Kiara.

— Tá, tá, já entendi. Sente-se e eu falarei.

— Nn.

Fran levantou seus ouvidos e se preparou para ouvir o Lorde das Feras enquanto apreciava o chá que Roche preparou para ela.

— Provavelmente faria mais sentido contar sobre meu velho, o Lorde das Feras que depus, antes de contar sobre qualquer outra coisa.

— Entendido.

O antecessor do Senhor das Feras era um homem que se chamava Vairsas Narasimha. Ele era um homem fraco que nutria muito mais dúvidas do que confiança. Ele sempre ficaria paranoico pensando que todos estavam procurando dar um fim a ele. Seus vassalos estavam aterrorizados, não por ele, mas pelo fato de ele ser rei. Ele era extremamente fraco para um Leão-das-Chamas-Douradas e mal conseguiu obter a evolução se aproveitando de seus antecessores. Isso, por si só, não era um grande problema.

Ele não era o único Lorde das Feras que já esteve em tal circunstância, mas, ao contrário de seus antecessores, ele não tinha talento para a guerra; ele não era adequado para o ato de comandar um exército. A enorme extensão de sua fraqueza o levou a desenvolver uma espécie de complexo de inferioridade. Esse complexo levou Vairsas a ficar aterrorizado com aqueles que possuíam maior poder que ele. E assim, ele logo começou a banir e expurgar qualquer um que chamasse sua atenção.

Suas excentricidades ridículas e idiotas fizeram com que sua nação caísse em um estado enfraquecido, que durou até Rigdis derrubá-lo.

A fraqueza de Vairsas o levou a fixar os olhos na Tribo dos Gatos-Negros. Ele não se importava com a tribo antes de sua ascensão ao trono, mas, ao aprender os segredos que a família real mantinha guardados, isso o levou a mudar de opinião.

Ele imediatamente ordenou que a Tribo dos Gatos-Azuis redobrasse seus esforços em escravizar os membros da Tribo dos Gatos-Negros, ao mesmo tempo que ordenava que vigiassem qualquer Gato-Negro que vivesse fora das fronteiras de seu país. É claro que a razão pela qual ele emitiu o pedido foi porque ele era paranoico. Ele temia que um Gato-Negro um dia evoluísse e o destronasse.

— O meu velho era tão patético que não foi capaz de fazer nada além de ordenar a escravização da Tribo dos Gatos-Negros.

Vairsas poderia com facilidade ter emitido um decreto real que exigia que a Tribo dos Gatos-Negros fosse levada à extinção. Isso faria mais sentido.

Mas ele não o fez.

Ele era covarde demais.

O ex-Lorde das Feras temia que a eliminação da Tribo dos Gatos-Negros causasse a ira dos Deuses. Ele não sabia se suas ações seriam ou não perdoadas. Além disso, ele estava preocupado com a possibilidade de algum Gato-Negro que escapasse por entre seus dedos jurasse vingança. Suas muitas preocupações o atormentavam e o impediam de pensar direito em suas opções.

— Não que eu esteja dizendo que isso é uma coisa ruim. Essa é a única razão pela qual a Vovó Kiara ainda está viva e bem.

Ele disse a seus subordinados para levar Kiara até ele ao ouvir sobre ela através da Tribo dos Gatos-Azuis.

O pai de Rigdis hesitou, ele não foi capaz de se convencer a executá-la e, assim, ele pensou em algumas razões para mantê-la por perto.

A primeira foi fazer dela um exemplo. Ele queria demonstrar aos membros da Tribo dos Gatos-Negros que era impossível desobedecê-lo, independentemente de quão fortes eles acabassem ficando.

A segunda foi demonstrar a extensão da nobre dignidade da família real. Ele queria mostrar que podia fazer com que um poderoso Gato-Negro lhe obedecesse.

Foi por isso que Kiara estava trabalhando no palácio no dia em que o local foi atacado e quase invadido.

— Meu velho usou os membros de sua tribo como reféns e a forçou a se tornar sua escrava.

Ela foi designada para o dever de cuidar do lixo e, assim, acabou conhecendo Rigdis, Royce e Goldalfa.

O espírito de Kiara nunca se rompeu, apesar dos muitos anos de trabalho escravo que ela foi forçada a suportar. Na verdade, ela atestou que trabalhar como escrava era algo que exigia muito menos esforço do que se aventurar nos calabouços e, como resultado, ela nunca sofreu demais, desde que você desconsiderasse o fedor horrível que ela tinha que suportar todos os dias.

A Tribo dos Gatos-Negros como um todo parecia ter se acostumado à escravidão, pois eles eram mais resistentes ao sofrimento do que qualquer outra tribo.

— Conhecer a velha senhora nos fez questionar nossas crenças. Não entendíamos mais por que todas as outras tribos desprezavam os Gatos-Negros, nem por que seus membros sempre se transformavam em escravos.

O Lorde das Feras e seus companheiros foram obrigados a reconhecer a força de Kiara. Ela era tão poderosa que destruiu por completo suas noções de inferioridade sobre a Tribo dos Gatos-Negros.

Por essa razão, o Senhor das Feras acabou fazendo investigações, investigações que o levaram a descobrir o pecado que os Gatos-Negros haviam cometido no passado e a razão pela qual as coisas eram como eram.

Ele passou a acreditar que o modo como eles estavam sendo tratados era injusto, que não havia motivo para persegui-los mais porque eles já haviam sido punidos pelos Deuses. Ele até começou a acreditar que era seu dever como membro da família real ajudá-los em sua busca pela expiação.

Rigdis percebeu que seu antecessor havia piorado tudo. O fato de terem chegado ao ponto de destruir documentos pertencentes às evoluções dos Gatos-Negros o deixou perplexo.

Como resultado, nem mesmo a família real sabia com precisão o que um Gato-Negro tinha que fazer para evoluir. Isso, em parte, foi o motivo para ele prometer a Fran que espalharia a metodologia por todo o país, se ela estivesse disposta a compartilhar o conhecimento.

— Acho que você poderia dizer que fiquei um pouco enojado com o modo como meu velho estava lidando com as coisas. Foi por isso que treinei de acordo com as instruções da Vovó Kiara, me fortaleci ainda mais com as aventuras, consegui adeptos, chutei a bunda dele e assumi o trono.

Rigdis provavelmente nunca admitiria, não importava como o questionássemos, mas me pareceu que o motivo pelo qual ele havia chegado a sujar sua reputação assassinando seu próprio pai era porque ele queria fazer algo por Kiara e os membros de sua tribo.

— Obrigada.

Fran também entendeu os sentimentos dele e, por esse motivo, acabou se curvando em gratidão.

— Tá, tá, pode parar com isso. Só fiz o que fiz para satisfazer meu próprio ego. Ter você me agradecendo está me fazendo ter sentimentos estranhos e esquisitos.

— Nn. Entendido.

Fran aceitou as palavras dele, mas não parou o que estava fazendo. Em vez disso, ela só continuou mantendo uma reverência respeitosa.



Comentários