Volume 5

Capítulo 180: Sobre Mestre e Lâminas Divinas

“Então, você está mesmo tentando rejeitar Fran?”

— Quem… exatamente foi esse?

“Eu.”

— Uma espada capaz de falar!? Por acaso você é uma Arma Inteligente?

“Sou.”

— Bom… estou bastante surpresa em ver que sua raça realmente existe.

— Mestre. Exposto, tudo bem?

“É claro que não. Mas já não há o que fazer.”

Esta foi a primeira vez que eu me expus de propósito para outra pessoa que não fosse Fran, e, para ser honesto, fazer isso me fez parecer um imbecil. Na mesma hora me arrependi de minhas ações porque sabia que elas foram estúpidas demais, mas, no fim, acabei decidindo que estava tudo bem. Quanto a este momento, minha principal prioridade não era mais manter minha identidade em segredo. Nem era minimizar o número de olhos em nós. O mais importava agora era Fran. Não poderia deixar Rumina fazer algo tão prejudicial a ela quanto cortar todos os laços conosco aqui e agora.

Enquanto essa era a causa principal por trás de minha decisão, essa não foi a única coisa que me fez me expor. Para ser franco, isso foi em parte porque me senti culpado. Fran se certificou de não contar a Rumina sobre mim. Ela chegou até a manter um segredo da antecessora que ela respeitava do fundo de seu coração.

Tudo pelo meu bem.

O estresse que o ato causou a ela foi ainda mais evidenciado pelo leve suspiro que ela deu assim que anunciei minha identidade.

— Entendo… e isso significa que sua jornada não é uma acompanhada pela solidão… saber disso acalma meu coração.

— Nn?

— Não ligue para isso. Não foi nada.

Nada o caramba. Ela também suspirou aliviada, um suspiro que provava que ela ainda se importava com Fran. Quer dizer, eu a ouvi com clareza. Ela até murmurou que saber que Fran não estava sozinha a deixava mais tranquila.

Parecia que ela realmente só estava fingindo para manter a garota afastada.

— Vamos seguir em frente e discutir assuntos de maior interesse. Espada, você por acaso é uma Lâmina Divina?

Rumina usou força bruta para guiar a conversa e apenas mudou o assunto — não que eu me importasse. Já tínhamos obtido prova de que seus sentimentos por Fran não mudaram. Nesse sentido, era seguro dizer que cumpri meu objetivo.

“Infelizmente não. Uma famoso ferreiro me disse que eu não sou nada mais do que uma espada com uma habilidade estranha.”

— E qual poderia ser esta estranha habilidade?

Hmmm… o que devo fazer? Sem querer, a contei mais do que pretendia. Ao fazer isso, a permiti encontrar uma pista que poderia leva-la a descobrir mais sobre nós, e eu não estava com muita certeza de quanto eu poderia revelar.

“Ei Fran, o que você acha? Pessoalmente, não acho que precisamos fazer mais do que dar alguns breves resumos.”

“Não pode… apenas dizer tudo?”

A resposta dela foi o que eu estava esperando que seria. Ela não queria guardar mais segredos de Rumina. Além disso, parecia que a única pessoa que a velha Gata-Negra estava disposta a encontrar cara a cara era Dias, e ele já sabia que eu era uma Arma Inteligente, então não fazia tanto sentido esconder minhas habilidades dela.

Aliás, eu queria respeitar o desejo de Fran. Ela parecia mesmo ansiosa em contar a Rumina, e isso era o bastante para me convencer a dar à luz verde a ela.

“Quer saber? Só vá em frente.”

“Obrigada.”

E assim, Fran começou a falar. Ela contou a Rumina tudo o que sabia sobre mim. Ela a contou como eu costumava ser humano, como tinha a capacidade de absorver habilidades e pedras mágicas, e como eu tinha acabado na parte central das Planícies Maokami.

Para ser justo, Fran não era a única toda animada em contar a Rumina sobre mim. A Gata-Negra mais velha era uma Mestra do Calabouço e uma que viveu por mais de 500 anos. Havia uma chance de ela saber um pouco mais do que nós sobre as circunstâncias de minha origem.

— Sua espada pode ganhar habilidades ao absorver pedras mágicas, é isso? Esse é um talento bem interessante de se ter. Ela-ela pode absorver qualquer tipo de habilidades? Ela funciona com Habilidades Únicas? E quanto a Habilidades Extras?

“Eu basicamente consegui absorver todos os tipos de habilidades que encontrei, contanto que elas viessem de uma pedra mágica.”

— Então você tem mesmo o dom de manter qualquer habilidade que desejar…

“Apenas se você encontrar uma pedra mágica que a possui.”

— Que… esplêndido! Hahahahahaha!

— Algum problema?

Rumina de repente teve uma crise de riso. Fiquei um pouco surpreso, mas podia dizer pelo sorriso brilhante que ela mostrava em seu rosto que ela ainda estava lúcida e sã.

— Não, não, não é nada. Eu apenas ri em resposta ao que acabei de perceber.

“Certo, eu estava querendo de perguntar algo. Por que exatamente você está rejeitando Fran?”

— Eu tenho meus motivos.

“E esses motivos são?”

— Devo me desculpar. Não posso informa-los a você. É uma infelicidade, mas não tenho escolha além de pedir que você acredite que minhas ações serão de benefício a Fran.

Isso, em outras palavras, significava que o que quer que ela estivesse fazendo devia estar relacionado de algum modo com a evolução de Fran. Talvez ela estivesse fazendo algo que iria permitir que Fran evoluísse?

“Mas então por que você estava tentando se distanciar dela?”

— Desejo criar uma distância entre nós duas para me impedir de fazer mal a vocês. Parece, contudo, que meus esforços foram em vão, já que fiz exatamente o que queria evitar.

A expressão de Rumina hesitou enquanto ela falava.

— Fran…

— Nn?

— Eu sinto muito.

Fran e eu encaramos confusos assim que Rumina começou a se curvar e se desculpar logo após terminar de rir.

— Te fiz mal ao fazer uma escolha tola de forma egoísta. Gostaria de me desculpar com você do fundo de meu coração; eu realmente sinto muito. Minhas ações continham um excesso de pressa.

— Não importa, se Rumina não me odeia.

— Minhas emoções são evidentes. Eu nunca poderia me fazer odiar você, Fran.

— Graças a Deus.

Isso era ótimo, mas sua mudança súbita de atitude só poderia ser descrita como esquisita. Devia existir uma razão para isso. Olhando com atenção, percebi que Rumina parou de tentar se distanciar de Fran no momento que ela ouviu sobre minhas habilidades, o que por sua vez indicava que minha capacidade de absorver habilidades devia ter alguma ligação com a evolução de Fran. Eu queria investigar esse tópico mais a fundo, mas isso não parecia algo que ela poderia nos contar com mais detalhes.

— Seu potencial é genuinamente impressionante. Você tem absoluta certeza de que não é uma Lâmina Divina?

“Ao que tudo indica, não estou qualificado porque meus atributos são baixos demais.”

— Parece que você está mal informado. Nem todas as Lâminas Divinas ganharam seus títulos por suas capacidades ofensivas.

“Sério?”

— Sim. Aguarde só um momento.

Rumina seguiu para o fundo de seus aposentos, apenas para voltar um pouco mais tarde com um pergaminho em mãos.

— Peço desculpas pelo atraso. Contemplem.

“O que isto deveria ser?”

— Esta é uma lista incompleta das Lâminas Divinas, uma que obtive há muito tempo no passado.

“Puta merda! Você está falando sério?”

Não pude evitar de me sentir animado pra caramba após descobrir o que tínhamos diante de nós.

 

A Lâmina Divina da Origem — Alfa — Ulmer

A Lâmina Divina da Insanidade — Berserk — Dionysius

×A Lâmina da Sabedoria — Querubim — Ermella

A Lâmina da Cavalaria — Carruagem — Folkan

A Lâmina do Lorde Demônio — Diablo[1] — Dionysius

A Lâmina Divina do Buscante — Exploradora — Ermella

×A Lâmina do Fanatismo — Fanático — Dionysius

O Fio da Terra — Gaia[2] — Ulmer

×A Lâmina do Espírito Santo — Ordem Sagrada — Ulmer

A Lâmina do Aprisionamento — Inferno — Folkan

A Lâmina Brilhante das Chamas — Ignius[3] — Ulmer

×A Lâmina da Convicção — Julgamento — Ulmer

A Lâmina do Imperador Serpente — Jörmundgander[4] — Fargo

A Lâmina Sagrada da Água — Krystallos[5] — Ulmer

A Feroz Lâmina do Dragão — Lindwurm[6] — Fargo

×A Lâmina de Ataque Nuclear — Fusão — Ulmer

A Lâmina Do Raio Lunar — Luar — Kruselka

A Lâmina da Feitiçaria — Necronomicon[7] — Ermella

A Lâmina Divina da Canção — Oratório — Kruselka

A Lâmina da Hipocrisia — Pacificador — Dionysius

A Lâmina Alada do Arco-Íris — Quetzal[8] — ...

 

A lista continha os nomes de várias Lâminas Divinas diferentes, junto ao que eu assumi ser os nomes dos ferreiros que as criaram. Algumas estavam marcadas com um “x”, mas não consegui descobrir o porquê.

— Vocês por acaso tem familiaridade com a habilidade extra chamada “Oráculo”?

“Não.”

— Essa é uma habilidade que permite que o usuário faça perguntas aos Deuses em troca de uma quantidade proporcional de energia mágica através do ato de manifestar um Deus dentro do corpo de uma pessoa. Esta lista foi criada através do método citado, pois antes existiu um indivíduo que perguntou aos Deuses sobre as localizações das Lâminas Divinas.

Mas espere, então por que a lista estaria incompleta? Foi porque o cara cancelou sua habilidade para que ele pudesse começar a escrever, ou o quê?

— Parece que o indivíduo não tinha poder mágico o bastante para os Deuses atenderem seu pedido. Assim, a habilidade começou a drenar sua força vital como alternativa. Ainda assim, com sua fome por conhecimento, ele continuou a escrever até seu último suspiro. Ele foi um tolo até o fim, e falhou até em gravar os nomes e criadores de todas as lâminas.

“Então por que há algumas delas com um ‘x’ ao lado de seus nomes?”

— As lâminas marcadas são as que já não existem mais. Não estou certa de como elas foram perdidas, já que, em primeiro lugar, estou incerta sobre como alguém poderia destruir uma Lâmina Divina.

Assim, imaginei que isso significava que Querubim, Fanático, Ordem Sagrada, Julgamento e Fusão foram todas destruídas.

— Lamentavelmente, a lista que eu tenho aqui tem mais de 500 anos. A informação contida aqui pode não mais ser precisa, já que alguns itens da lista podem ter sido substituídos.

— Entendo.

— Agora, gostaria de redirecionar sua atenção para uma questão que desejo discutir. Para ser mais específica, gostaria de direcionar sua atenção para a espada chamada Exploradora.

— Lâmina Divina do Buscante.

— Sim. Existe outra habilidade não tão diferente do Oráculo que acabei de mencionar a vocês. Essa habilidade, Index[9] Nomeado, fornece informação adicional em qualquer tópico que o usuário desejar, contanto que saiba seu nome. A compensação exigida para ativar esta habilidade é, mais uma vez, poder mágico.

“Estou com um mau pressentimento sobre isso.”

— Isso está de acordo com suas conjeturas. Houve um homem que tentou usar a habilidade para aprender mais sobre a Exploradora. Ele também perdeu sua vida no processo.

“Eu sabia!”

— Ele também deixou um documento assim que a morte bateu a sua porta. Ele comprovou que, enquanto a Exploradora era capaz de conceder a seu usuário suas habilidades de busca de alto nível e detecção, ela na verdade não era excepcional em termos de suas outras especificações. Ela ostentava a mesma força que uma Espada Mágica mediana.

“Isso é sério?”

— Sim. Esses dois pedaços de conhecimento nos levaram a uma única conclusão. Nem todas as Lâminas Divinas são nomeadas pelo puro poder destrutivo que elas fornecem. Considerando isso, sinto a tentação de te classificar como uma Lâmina Divina, mas não posso. Pois se você fosse mesmo uma Lâmina Divina, você possuiria um nome concedido por um Deus. A falta de tal nome só pode servir como evidência de que você não é de forma alguma uma Lâmina Divina.

Quer saber, eu já tinha imaginado isso após olhar a lista que ela nos mostrou. Eu realmente não tinha o tipo de título extravagante que você encontra associado a uma Lâmina Divina. O único nome que eu tinha era o que Fran me deu, e, para ser sincero, isso era tudo o que precisava. Neste momento, ser chamado de Mestre me deixava orgulhoso. Na verdade, eu chegaria até a dizer que não conseguiria aguentar ser denominado de nenhuma forma diferente.

— Não se aflija. Você pode não ser uma Lâmina Divina, mas você ainda é uma Arma Inteligente, uma espada que alguém só poderia considerar como lendária.

— Nn. Mestre incrível.

Fiquei feliz por ela tentar me animar, mas isso me fez ficar todo envergonhado.

“Então, quem você acha que pode ter me feito?”

— Eu não faço a menor ideia. Nunca vi outra Arma Inteligente antes de você, nem conheço tal altar situado dentro das Planícies Maokami. Contudo, eu tenho sim parte de uma informação que você pode achar útil como uma pista.

“Me diga.”

— Você deve ser o trabalho de um ferreiro do nível Divino.

“Mas você não acabou de dizer que não sou uma Lâmina Divina?”

— Lâminas Divinas não são o único trabalho para ferreiros do nível Divino. Suas razões são numerosas. Lâminas Divinas são superarmas, e apenas 26 são permitidas a existirem em conjunto. Além disso, ouvi rumores de que criar tal lâmina consome mais de dez anos, apenas de preparação.

“Dez anos? Com que diabos eles precisam de todo esse tempo?”

— Essa é uma pergunta para a qual não tenho a resposta, assim, mais uma vez, a fonte da informação é um mero rumor.

“Certo. Acho que isso significa que sou algo que alguém fez entre alguns projetos de Lâmina Divina ou algo do tipo?”

— Acredito que essa é de fato uma possibilidade.

Não estava certo se eu deveria estar orgulhoso do fato de que fui criado por um ferreiro do nível Divino, ou triste por não ser uma Lâmina Divina. Mas de qualquer forma, descobri que provavelmente seria melhor para nós fazermos uma pesquisa sobre ferreiros do nível Divino, já que isso poderia me permitir descobrir um pouco mais sobre como fui criado. Nossa conversa com Rumina fez com que agora soubéssemos do que não sabíamos, o que, por sua vez, já era um progresso bastante decente.


Notas

[1] Em espanhol, diablo significa "diabo".

[2] Gaia, na mitologia grega, é a Mãe-Terra, como elemento primordial e latente de uma potencialidade geradora imensa. Segundo Hesíodo, no princípio surge o Caos (o vazio) e dele nascem Gaia, Tártaro (o abismo), Eros (o amor), Érebo (as trevas) e Nix (a noite). Gaia gerou sozinha Urano (o Céu), Ponto (o mar) e as Óreas (as montanhas). Ela gerou Urano, seu igual, com o desejo de ter alguém que a cobrisse completamente, e para que houvesse um lar eterno para os deuses "bem-aventurados".

[3] Ignis significa "fogo" em latim.

[4] Na mitologia nórdica, Jörmundgander, ou Jormungand, é o segundo filho do deus Loki com a gigante Angrboda. Tem como irmãos o lobo Fenris e a deusa Hela. Jormungand tem o aspecto de uma gigantesca serpente. De acordo com a Edda em Prosa, Odin raptou os três filhos de Loki, sendo Jormungand jogado no grande oceano que circula Midgard, tendo aí vivido desde então. A serpente cresceu tanto que seria capaz de cobrir a Terra e morder sua própria cauda. Como resultado disso, ganhou o nome alternativo de Serpente de Midgard (Midgårdsormen) ou Serpente do Mundo. O arqui-inimigo de Jormungand é o deus Thor, que durante o Ragnarök, a matará e morrerá no processo.

[5] Em grego, krystalos significa "cristal".

[6] O Lindworm ("dragão" em alemão) é uma criatura lendária semelhante a um dragão ou uma serpente monstruosa. Na heráldica britânica, lindworm é um termo técnico para um monstro serpente sem asas com duas patas com garras afiadas na metade superior de seu corpo. Na heráldica norueguesa, um lindworm é o mesmo que um wyvern (serpe) da heráldica britânica.

[7] O Necronomicon ("Al Azif", no original árabe) é um livro fictício criado por H.P. Lovecraft, autor americano de ficção científica, horror e literatura fantástica. Segundo o próprio autor, o Necronomicon teria sido escrito em Damasco por volta de 730 d.C. por Abdul Alhazred, um poeta árabe louco originário de Sanaa, no Iémen. O "Necronomicon" é o mais famoso livro fictício dos "Mitos de Cthulhu", nome dado pelo escritor August Derleth à mitologia criada por Lovecraft, e aparece em grande parte das suas obras. Um dos exemplares da obra estaria guardado na biblioteca da Universidade de Miskatonic, sediada em Arkhan. O grimório conteria fórmulas mágicas ligadas à magia negra e aos Antigos, seres descritos especialmente em dois contos, "Nas montanhas da loucura" e "A sombra perdida no tempo". Usando esta fórmula de atribuição a um autor antigo de um livro, cuja cópia em seu poder seria a última existente, e usando um contexto fantástico, o autor desenvolve a ideia de um livro mágico, creditando possíveis excessos à alma de poeta do "autor" original. Esta fórmula literária foi também utilizada por Jorge Luis Borges e Umberto Eco nas suas obras.

[8] Quetzal é uma ave com plumagem de bonitas cores da família Trogonidae, que pode ser encontrada nas zonas tropicais da América Central.

[9] Index é o nome da lista oficial de livros cuja leitura a Igreja católica romana proíbe, por considerá-la nefasta e perigosa à fé e à moral.



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