Volume 5

Capítulo 179: A singularidade de Rumina

A noite passou e com ela quase todos os traços restantes da demonstração de fraqueza de Fran. Ela ainda parecia um pouco mais frágil do que o normal, mas o olhar em seu rosto demostrava que ela estava de volta ao normal.

Decidi não insistir mais no assunto e decidi discutir os planos do dia com ela durante o café da manhã.

“Que tal voltarmos para o calabouço do leste e resolvermos todas as nossas pendências? Você sabe, para podermos aumentar o ranking logo.”

— Nn. Concordo.

Au.

Ambos pareciam estar à bordo da minha sugestão, talvez em parte porque eles viram a extensão da força do Lorde das Feras com seus próprios olhos.

Eu mesmo me sentia da mesma forma. Quem sabe seria possível enfrentarmos Goldalfa ou Royce em uma luta individual e de alguma forma derrotá-los contanto que usássemos tudo o que tínhamos a nosso dispor. Seria por muito pouco, mas não era algo que não poderíamos realizar. O Lorde das Feras, por outro lado, estava em um nível completamente diferente. Derrota-lo em nosso atual estado era, com toda certeza, impossível.

Primeiro havia o fato de que os atributos dele eram altíssimos. Ele nos arrasava de uma perspectiva numérica. Não chegávamos nem perto dos pés dele. Suas habilidades transmitiam tal impressão. Ou seja, ele tinha uma porrada de habilidades de alto nível que desconhecíamos. Ele seria capaz de explorar nossa falta de conhecimento e nos obliterar por completo. A cereja do bolo era sua aura. Ele irradiava um ar de superioridade. A forma como ele se portava e se projetava o tornava incrivelmente difícil de se opor.

O Lorde das Feras era uma aberração da natureza, um desastre natural ambulante, e, por último, mas não menos importante, uma entidade que poderia se tornar nosso inimigo a qualquer momento. Para ser honesto, esse fato em si quase me fazia querer apenas jogar a toalha.

“Vamos focar em terminar nossas missões o quanto antes possível ao invés de nos preocuparmos com treinamentos e afins.”

— Nn.

Decidimos tentar completar todos os pedidos que tínhamos em mão até o fim do dia se possível. Sabíamos com certeza que poderíamos terminar tudo em algum momento até o dia seguinte, no máximo.

A razão para pensarmos que um cronograma tão apertado era possível foi porque já sabíamos onde estavam os monstros e onde as armadilhas apareceriam. Assim, imaginamos que não levaria muito tempo para chegarmos nos níveis mais baixos do calabouço, contanto que levássemos tudo a sério.


Nos custou cerca de uma hora para prepararmos tudo e chegarmos na entrada do calabouço.

— Ei mocinha. Você já está voltando?

— Nn.

— Tudo bem. Eu sei que você é muito habilidosa, então acho que deve ficar tudo bem, mas acho que tenho que te dizer o que estive dizendo a todos, só por precaução. Tome cuidado, o calabouço esteve agitado ultimamente.

— Agitado? Aconteceu algo?

— Ao que parece, o lugar começou a produzir feras demoníacas que não costumava criar no passado.

O guarda-barra-recepcionista do calabouço declarou que Seres Malignos foram avistados no interior do calabouço. As espécies específicas descobertas eram todas variações de goblins ou orcs.

— A estrutura do calabouço não parece ter mudado ainda, porém, parece ter algo estranho acontecendo em seu interior, assim, é melhor que você fique atenta.

— Entendido.

Entramos no calabouço enquanto acatávamos o conselho do guarda, apenas para encontramos um goblin quase na mesma hora em que entramos no local.

O goblin me deixou um pouco confuso, pois ele era muito mais fraco do que todos os monstros que o calabouço normalmente gerava.

No entanto, isso fez parecer que o calabouço ficou muito mais fácil de lidar do que era antes, em especial ao ver como sua estrutura e a disposição das armadilhas não tinha mudado.

Subindo nas costas de Urushi e o fazendo disparar pelo lugar tornou a exploração do calabouço um feito muito simples. Só nos custou cerca de três horas para chegar ao 15º andar.

Avistamos Seres Malignos nas formas de orcs, goblins e kobolds enquanto descíamos. Mais uma vez, notei que as três espécies pareciam deslocadas, já que nenhuma combinava com o tema ou sensação do calabouço.

Eles não pareciam ter nenhuma habilidade de furtividade, nem se aproveitavam das armadilhas que estavam espalhadas pelo local. No entanto, era o oposto. Eles acabavam aparecendo e sendo pegos pelas armadilhas com mais frequência do que faziam um uso decente delas.

Não pude deixar de me perguntar o que estava acontecendo. Quer dizer, o fato de que Rumina fez algo era certo, mas as coisas que ela fez não faziam qualquer sentido.

— Seres Malignos. Fracos.

“É, mas eles fazem com que a exploração pelo local seja muito mais fácil do que o normal.”

Uma passagem mais fácil era o único benefício derivado do que quer que seja que Rumina estivesse fazendo. Nós também conseguimos obter muitas habilidades do tipo criação dos monstros que encontramos, algo do qual não tínhamos muitas chances de fazer até agora.

Os Altos-Ogros que encontramos começando no 12º andar eram muito úteis a esse respeito, já que alguns tinham habilidades de ferraria e artesanato em couro que chegavam até o nível 5. De forma natural, eles também tinham habilidades de combates bem decentes, então fui capaz de lucrar muito ao absorver suas pedras mágicas.

As habilidades de ferraria e artesanato em couro eram as que estavam em níveis mais altos, ambas chegavam no level 3. Nenhuma outra habilidade adquirida chegava perto de ter tantos níveis, mas ainda conseguimos dar um reforço para o que chegou a quase 20 habilidades diferentes de graça, portanto, não havia motivos para reclamar.

De novo, eu não estava reclamando, mas eu notei um problema. Eu senti que mais e mais feras demoníacas estavam lentamente sendo substituídas por Seres Malignos, o que por sua vez indicava que teríamos problemas em encontrar os pedidos que planejamos completar, já que eles envolviam caçar certas feras demoníacas.

“Devemos provavelmente ser um pouco mais cuidadosos com as armadilhas a partir daqui. Mesmo assim, vamos continuar avançando.”

— Nn.

“Urushi, fique de olho nos inimigos, tudo bem garoto?”

Au.

Os únicos pedidos que faltavam para completar envolviam adquirir materiais das feras demoníacas raras e difíceis de se encontrar. Estava ficando mais difícil para nós encontrarmos elas, o que significava que concluir essas missões seria uma enorme dor de cabeça.

Ou pelo menos era como as coisas deveria ter sido se eu estivesse certo.

“Maravilha. Esse é outro pedido finalizado.”

Basicamente não havia qualquer Ser Maligno depois do 15º andar. Entretanto, parecia haver mais monstros do que o normal, então conseguirmos terminar todos os nossos negócios sem desperdiçarmos tanto tempo assim. Eu não entendi o porquê tudo acabou desse jeito, mas deu certo para nós, então, mais uma vez, não me importei mesmo com isso. Mesmo assim, imaginei que devia ser uma boa ideia perguntar a Rumina o que estava acontecendo, vendo como já estávamos por perto.

“Parece que terminamos tudo. Ainda deve ser anoitecer agora.”

— Vou visitar Rumina.

“Vamos nessa.”

Eu não sabia se os Mestres dos Calabouços dormiam, então eu acabaria ficando um pouco preocupado sobre visitá-la se fosse um pouco mais tarde. Por sorte, ainda não era tão tarde assim.

Continuamos atentos enquanto entrávamos na sala do Chefão, a sala onde derrotamos o Tatuzinho-do-Desastre. Rumina disse que poderíamos passar direto por aqui, mas estávamos um pouco preocupados que esse já não fosse mais o caso, considerando que podia haver algo de errado com o calabouço.

Porém, massa, minha suspeita terminou sendo desnecessária. A preocupação que tivemos foi completamente descartada, pois fomos logo recebidos por ambos os teleportadores que nos levavam de volta para a entrada do calabouços e a passagem que levava para os aposentos de Rumina.

De forma natural, Fran, Urushi e eu escolhemos entrar na segunda das duas opções apresentadas e seguimos nosso caminho até a sala em que Rumina nos convidou da última vez.

Ela estava em um estado estranho; ela estava apenas sentada lá, completamente distraída. Ela nem mesmo ergueu o rosto até Fran a chamar.

— Olá.

— Oras… boa noite, Fran…

Espere, ela não percebeu que Fran estava aqui? Talvez ela estivesse um pouco gripada?

Eu não poderia dizer. O que eu poderia falar era que ela começou a sorrir no momento que viu Fran, mas voltou a sua expressão séria pouco depois.

— Nn. Visitando.

— Entendo.

Ela estava agindo com um pouco de frieza. Da última vez, ela nos recepcionou. Desta vez, ela nem mesmo chegou a oferecer a Fran um assento.

— Seres Malignos aparecendo no calabouço.

— Entendo.

Ela mal respondeu mesmo quando Fran tentou falar com ela. Quase parecia que ela não queria receber a gata-negra mais jovem.

— Um…

— Fran, seria melhor para você partir.

— O quê?

— Tenho muito o que fazer e muito pouco tempo para te dar atenção.

Rumina agarrou Fran, que estava a encarando com um olhar de total surpresa, pelos ombros e começou a empurrá-la na direção da saída.

Espere, o quê? Por que ela estava agindo tão diferente?

Imaginei que ela devia ter um motivo, mas não pude me fazer aceitar suas ações.

— Saia. Você está me perturbando.

— Um…

— Nunca mais volte aos meus aposentos.

Fran estava, mais uma vez, atônita. Não parecia que ela poderia entender a súbita mudança na atitude de Rumina.

Tentei usar o Princípio da Falsidade bem rápido para fazer uma dupla verificação para saber se ela estava tentando nos enganar, mas, pelo visto, ela estava dizendo a verdade, Fran não tinha como mudar isso. Contudo, isso não necessariamente significava que ela queria mesmo tratar Fran do jeito que tratou. O Princípio da Falsidade não era onipotente. Eu poderia dizer a diferença entre uma afirmação verdadeira e uma falsa, mas não era capaz de descobrir a emoção que levou a essa frase. Isso ficava a cargo de seu usuário.

Em minha opinião, seria melhor para nós perguntarmos de modo franco o que estava acontecendo, pelo bem de Fran. Deixar o calabouço dessa forma, e portanto não descobrir as emoções de Rumina, levaria a incerteza. Fran nunca saberia se Rumina realmente passou a odiá-la, em especial ao ver como isso também tornaria muito difícil para as duas se encontrarem de novo.

Fran, contudo, nunca poderia perguntar a Rumina a verdade por trás dessas ações. Ela estava muito cabisbaixa, muito… amedrontada. O medo que ela sentiu não era o mesmo tipo de terro de quando encontrou o Lorde das Feras. Era um sentimento muito mais emocional em origem do que a primordial rejeição instintiva da morte. Ao invés disso, Fran estava com medo de perder alguém com quem ela se conectou. Ela estava com medo de sofrer a antipatia de uma das poucas pessoas que ela admirava.

Rumina foi a primeira companheiro Gata-Negra que Fran conheceu em uma vida de solidão, a vida em que ela perdeu ambos seus pais e foi transformada em uma escrava. Além disso, ela era uma pessoa que não apenas ganhou o respeito de Fran, mas também a tratava com afeição. Foi por esse preciso motivo que achei a confusão de Fran completamente compreensível. Ela estava em choque. Não havia como ela ser capaz de duvidar de Rumina, quanto mais analisar as circunstâncias.

E que, por sua vez, significava que era minha função fazer a pergunta. Isso significava que teria que me expor, mas, sendo sincero, não podia me importar menos, contanto que isso esclarecesse tudo entre as duas mulheres-gato.

Considerando isso, eu me preparei e falei.

“Então, você está mesmo tentando rejeitar Fran?”



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