Volume 4

Capítulo 121: A mansão do Lorde

A mansão do Lorde estava exatamente no meio da cidade, bem no local onde os distritos comercial, residencial e nobre se encontravam. Era uma viagem de quase cinco minutos com Urushi na velocidade máxima.

— Sensação confortável.

Fran estreitou seus olhos enquanto ela aproveitava a fria brisa da noite. Ela normalmente teria achado isso gelado, mas sua armadura contava com Resistência ao Frio, assim, ela achou a sensação agradável.

“Graças a Deus é de noite.”

— Woof?

Fazer Urushi saltar pelo céu a toda velocidade durante o dia seria impossível. Nós acabaríamos nos destacando demais.

“Muito bem, parece que chegamos.”

O portão que levava para a entrada da mansão estava, naturalmente, fechado. Na sua frente se posicionava um par de Guardas. Eles pareciam estar vigiando atentamente seus arredores para garantir que nada estava errado.

“Hmm, o que você acha que devemos fazer? Nós queremos ver o Lorde, portanto, você que tentar pedir permissão aos Guardas, ou vamos apenas seguir em frente e entrar?”

— Perguntar aos Guardas.

“Tudo bem, mas e se eles disserem não? Porque eu tenho certeza que eles vão acabar pedindo para irmos embora.”

Falando de forma realista, as chances de nós conseguirmos uma audiência eram muito minúsculas. Nós chegamos no meio da noite sem qualquer tipo de agendamento ou aviso. Além disso, não éramos tão conhecidos assim. Fran era apenas uma Aventureira Rank D, e uma jovem garota acima disso. Os dois únicos tipos de pessoas que a receberiam neste tipo de situação seriam as exageradamente bondosas e os lolicons.

— Perguntar a Flut e Satia.

“De acordo.”

Quero dizer, eles realmente queriam que nós os visitássemos, mas eles já deviam estar na cama considerando o horário. Mesmo assim, contatar o Príncipe e a Princesa era a única carta que poderíamos usar. Yeahhh, de forma alguma eu poderia chamar a situação de favorável.

Nós imaginamos que teríamos uma chance maior se nos antecipássemos um pouco, então seguimos para um local um pouco mais afastado e nos aproximamos do portão da forma mais natural possível. Mesmo assim, ambos os Guardas acharam muito estranho para uma criança estar caminhando na direção deles tão tarde.

— Uma garota?

— Numa hora dessas?

— Olá.

— O qu-que você precisa?

Maravilha, parece que eles ao menos vão nos ouvir ao invés de apenas nos mandar embora sem chance para conversarmos.

— Vim ver conhecido.

— Você tem certeza que não veio ao lugar errado? Esta aqui é a mansão do Lorde.

— Eu tenho certeza. Conhecidos ficando aqui temporariamente.

— Hahahah. Apenas membros da nobreza ficam na mansão do Lorde.

— Muito bem, já chega de brincar com você. Vá para casa garota. Está tarde e você deveria estar na cama.

Os Guardas eram surpreendentemente boas pessoas. Eles não gritaram com Fran para tentar expulsá-la, e eles até pareciam estar preocupados com ela.

— Flut e Satia. Devem estar aqui. Amigos.

— Flut, Satia? Quem?

— Espere, eu tenho bastante certeza que Flut e Satia são os nomes do Príncipe e da Princesa do Reino Fyrias.

— Ah, sim, verdade. Mas esses dois são realeza. Não há chances de eles serem amigos dela.

— Espere. Eu me lembro deles dizendo que uma de suas amigas poderia aparecer para fazer uma visita, e que nós deveríamos deixar essa amiga entrar se ela viesse.

— Ahhh, tem razão. Eu me lembro agora. H-hey, qual era mesmo o no-... er, você se incomodaria se eu perguntasse seu nome?

— Nn? Fran.

— Viu, eu sabia!

— Por-por favor, nos conceda um pouco de tempo para confirmarmos os detalhes necessários!

E assim, os Guardas correram e trocaram informações por um tempo de uma maneira perplexa para confirmar a identidade de Fran.

O processo todo acabou nos custando um total de trinta minutos.

— Que gentileza a sua nos visitar!

— Estamos felizes em te ver mais uma vez.

— Nn. Eu também.

— Nós ouvimos muito sobre suas conquistas. Nos contaram que sua participação no Rei da Culinária conta com um prato completamente desconhecido até para os próprios juízes.

— Nossos servos declararam que ele é extremamente delicioso. Nós gostaríamos muito de experimenta-lo.

— Então, visitar a barraca?

— Não podemos. Nós, como parte da realeza, não podemos demonstrar qualquer descontentamento sobre a comida que o Lorde de Barbola está nos providenciando. Além disso, há toda aquela complicação do provador de comida¹ também.

Ceeeerto. A realeza não tem a liberdade para apenas caminhar por aí para comprar e comer qualquer coisa que deseja. Isso se aplica ainda mais a Flut e Satia vendo como eles acabaram de escapar de uma tentativa de assassinato². Serid, que por acaso estava de prontidão, mostrou uma leve cara fechada em resposta as palavras do Príncipe.

— Então pode apenas ficar com alguns. Aqui.

— Incrível! Então este é o famoso pão de curry?

— Ainda está quente!

— Sabor supremo.

— É-é tão delicioso?

— Nn.

— Nós aceitamos a oferta de bom grado.

Flut e Satia alegremente receberam a comida que Fran os presenteou sem nem mesmo um momento de hesitação.

Espere, o que aconteceu com aquela história do provador de comida?

Eu olhei para Serid, apenas para descobrir que ele realmente não se incomodaria em dizer ou fazer nada. Tudo o que ele fez foi continuar com a mesma cara fechada de antes. Na verdade, ele, da mesma forma que o Príncipe e a Princesa, pegou uma porção do prato quando nós decidimos oferecer a ele. Ele apenas pegou o prato sem o menor sinal de suspeita.

Parecia que ele confiava de verdade em Fran. No entanto, eu imaginei que isso fazia sentido. Não havia motivos para ela envenenar nenhum dos presentes, especialmente após tudo pelo que passamos juntos.

— O sabor é realmente muito bom!

A Princesa foi a primeira a reagir.

— Eu acho que esse pode ser o prato mais delicioso que eu já provei!

— Eu também!

— Eu realmente admito que o prato de fato é arrasadoramente delicioso.

O fato de os três gostarem fez eu me sentir muito bem. Parecia que até a realeza estava dentro da zona de alcance do pão de curry.

Curry é o melhor.

— Essa é uma alegação que eu sou mais do que capaz de entender.

— Nn.

Fran olhou para os três, Flut, Satia e Serid, com uma expressão orgulhosa em seu rosto. Ela acabou dando um aceno contente em cada uma das frases de qualquer um dos três que continham as palavras “gostoso” ou “delicioso”.

“Deve estar na hora de começarmos a falar de negócios.”

— Nn?

Aparentemente, Fran estava tão feliz com as reações de todos que ela esqueceu por completo o motivo para virmos até aqui.

“Nós viemos os visitar porque precisamos ver o Lorde, se lembra?”

— Verdade. Esqueci sem querer.

— Qual o problema Fran?

— Vim pedir um favor.

— Que tipo de favor? Vamos dar o nosso melhor para resolver isso se for algo em que possamos te ajudar.

— Nn. Quero ver o Lorde de Barbola.

— Você quer ver Sir Rhodas? Por quê?

— Amanhã. Golpe de Estado.

— Você acabou de dizer que vai acontecer um golpe de Estado!? Nos explique os detalhes imediatamente!

Serid interveio no momento que escutou sobre o golpe.

E assim, Fran disse aos três tudo o que ela sabia. Ela descreveu a traição do segundo filho, e o envolvimento do terceiro filho nesse plano, enquanto também fazia menção aos assassinatos ordenados.

Sua explicação fez Flut imediatamente se levantar.

— Serid, eu te ordeno que nos providencie uma reunião com Sir Rhodas imediatamente.

— Ao seu comando Sua Alteza!

— Acredita em mim?

Parecia que o Príncipe levou as palavras de Fran a sério; sua expressão não revelava o menor sinal de dúvida.

— Eu acredito. Eu sei que posso acreditar em você, Fran.

— As imagens que Urushi nos mostrou também pareciam muito realistas.

— Contar uma mentira desse calibre pode resultar em execução, eu não te tomaria por uma tola tão grande.

E assim, dizendo isso, Serid deixou a sala para marcar uma reunião com o Lorde. Flut e Satia eram da realeza. Suas palavras possuíam muito valor para eles, tanto valor que, na verdade, o próprio Lorde veio para o quarto deles antes mesmo que cinco minutos se passassem.

— Eu vim responder a sua convocação, Suas Altezas?

— Eu gostaria de te apresentar a uma amiga nossa antes de começarmos nossas discussões.

— Fran. Aventureira. Prazer em conhecê-lo.

Rhodas era um nobre com uma incrível quantidade de poder, mas, mesmo assim, ele acabou apertando a mão de Fran com um aceno de cabeça em reconhecimento. Me parecia que ele estava sendo o mais cuidadoso possível para garantir que ele mantivesse o Príncipe e a Princesa em seu bom humor. Tratar ela sem o devido respeito, apesar da apresentação, provavelmente causaria o oposto de seu resultado desejado.

— E eu sou Rhodas Krysten, Lorde de Barbola. Suas Altezas, vocês por acaso me chamaram para permitir esta apresentação?

— Infelizmente isso não é tudo. Nós gostaríamos que você escutasse o que ela tem a dizer.

— Entendo… muito bem então.

Eu tinha que dizer, Rhodas era realmente um nobre exemplar. Ele estava provavelmente sobrecarregado com dúvidas e perguntas, mas ele conseguiu manter um rosto inexpressivo e sua resposta apenas indicava uma ligeira hesitação. Ele sabia que estava lidando com a realeza, e seria melhor para ele atender as demandas deles.

— Nn. Aqui para discutir sobre segundo e terceiro filho.

— Vocês estaria se referindo a Bluke e Waint?

— Nn.

E assim, Fran contou a Rhodas exatamente o que tinha dito para os Príncipes fyrianos. Naturalmente, nem mesmo um nobre tão competente quanto ele poderia manter a calma quando lhe diziam que seus filhos estavam planejando um golpe.

— Isso é absurdo! Com que tipo de fundação ridícula você poderia basear essas alegações!?

Ele eventualmente ficou incapaz de se segurar e acabou interrompendo Fran com um grito.

— A verdade.

— Então você com certeza está em posse de evidências!

Ele se levantou de sua cadeira enquanto continuava a gritar, apesar do fato de ainda estar na presença da realeza.

— Urushi.

— Woof!

— E-e o que precisamente você estaria fazendo agora?

— Não se preocupe Sir Rhodas. Nenhum mal te afligirá. Por favor, relaxe.

— Su-sua alteza, eu…

— Woof!

— Ugh… eu…

Ver as memórias de Urushi fez Rhodas formar uma careta. Não parecia que ele estava disposto a acreditar no que acabou de testemunhar.

— O que você me apresentou falha em servir como evidência... mas eu duvido que uma garota tão jovem quanto você teria conhecimento das características de Zerais de outra forma... além disso, é realmente um fato que o festival deste ano está com muito mais prisões do que qualquer outro no passado.

Ele começou a murmurar sob sua respiração enquanto organizava os detalhes.

— Bom, Sir Rhodas? Quais são seus pensamentos sobre o assunto?

— Nós ainda precisamos ver evidências sólidas, e, portanto, eu não posso concordar em despachar as tropas da cidade.

— Eu entendo suas preocupações, mas o perigo apresentado por um potencial golpe de Estado não pode ser ignorado.

— Antes de continuar discutindo o assunto, eu tenho que perguntar algo a você Sua Alteza. Você confia nas palavras que essa jovem senhorita diante de nós disse neste dia?

— Eu tenho total confiança nela.

— Entendo…

O Lorde passou algum tempo contemplando os prós e contras de cada uma de suas opções.

Se eu tivesse que deduzir, diria que ele provavelmente considerou primeiro que seus filhos eram confiáveis. O próximo fator que ele analisou deve ter sido se ouvir ou não os fyrianos seria um bom movimento do ponto de vista político. Eles eram realeza, mas eles também vinham de um país completamente diferente. Ele não precisava acatar as palavras deles, porém, fazer isso o permitiria construir uma relação de confiança com o outro lado. Além disso, eles ficariam devendo um favor a ele se estivéssemos errados sobre toda essa situação. A última coisa que ele provavelmente debateu era se o que mostramos através de magia era algo que aconteceu de verdade.

E assim, depois que poucos minutos se passaram, ele finalmente conseguiu chegar a uma decisão.

— Eu entendo as circunstâncias e vou agir de acordo. Eu não posso prender nenhum de meus filhos sem evidência. Contudo, eu farei os Guardas que normalmente cuidam do turno da noite os restringir enquanto alegam estar agindo como escolta. Eu também vou trabalhar para aumentar o número de Guardas em patrulha e vou fazê-los procurar por Zerais e Zerrosreed. Eu irei então mobilizar uma unidade adicional com o objetivo de coletar evidência para não perder tempo.

— Nós iremos contribuir com nossos próprios Guardas para aumentar suas forças. Quanto mais cabeças você tiver, mais fácil a tarefa será cumprida.

Honestamente, nós esperávamos que ele mobilizasse todas as suas tropas para capturar e prender rapidamente Bluke e seus companheiros, mas isso era pouco realista, e o que ele estava propondo ainda era o suficiente. Além disso, as tropas que Flut e Satia trouxeram iriam se juntar, dessa forma, nós ainda tínhamos mais mão de obra do que precisávamos.

— Entendido.

— E para onde, se eu puder questionar, você está seguindo agora?

Rhodas questionou Fran enquanto ela se levantava de seu assento. Ele deve ter assumido que ela ficaria apenas sentada aqui e esperaria até que tudo estivesse terminado.

— Encontrar evidência.

Nós imaginamos que seria bom se lidássemos com Zerrosreed ou Zerais.

“Muito bem Urushi. Vamos contar com o seu focinho garoto.”

— Woof.

— Vamos voltar.


Notas

[1] Um provador de comida é uma pessoa que ingere comida que foi preparada por outro indivíduo, para confirmar que o prato é seguro. A pessoa cuja comida será servida é normalmente alguém importante, como um monarca ou uma pessoa ameaçada.

[2] O Mestre está se referindo ao ataque dos piratas que aconteceu no capítulo 92 e foi organizado por Salrut, raidosiano que estava agindo como Cavaleiro dos gêmeos para roubar a Lâmina Divina do Reino Fyrias.



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