Volume 4

Capítulo 1.3: A Estação que não me Pertence

Era semelhante à boca de uma besta.

Um líquido completamente negro saltou de dentro da sombra da Barbatos, a massa escura mostrou seus dentes e avançou contra mim. Cada um dos seus inúmeros dentes era tão grosso quanto o meu antebraço. Gyaaaaaak⎯⎯⎯⎯ o ar gritou enquanto era rasgado pela criatura. Foi instantâneo. O monstro de sombras cresceu como um tsunami, parecendo que estava prestes a me engolir.

“…!?”

Me pergunto se meu cérebro percebeu que eu estava em perigo. Meus arredores começaram a se mover a uma velocidade claramente mais lenta do que o normal. Para algum lugar. Precisava ir para algum lugar e evitá-lo. Mesmo que eu não tivesse certeza de que tipo de líquido aquela tsunami era feita, era bem óbvio que não era de algo adorável como H2O.

Direita, esquerda, cima e baixo. Meus olhos procuram por um lado em que a sombra fosse ao menos um pouco menor que mesmo que infimamente. Foi no momento em que estava prestes a escapar para a direita, percebi um fato em específico.

Farnese.

Farnese estava parada atrás de mim.

Se me mover daqui, a sombra vai engolir ela na mesma hora.

Minha cabeça começou a esquentar e tentei distinguir quais as minhas prioridades. Minha segurança ou a segurança da Farnese. Minha consciência determinou qual tinha a maior prioridade.

‘Abandone-a.’

O canto do meu cérebro anunciou. Eu era mais importante do que a Farnese. Não havia valor algum em deliberar sobre isso. No entanto, uma decisão mais elaborada e complexa recusou a anterior logo em seguida.

‘Faça o completo oposto. Proteja-a e cubra-a.’

‘Idiotice.’

‘Não há a menor possibilidade da Barbatos me matar assim de repente. Ela não ganhará nada fazendo isso. No máximo, tudo o que fará é me ferir. Mas Farnese é diferente. Do ponto de vista da Lorde Demônio, não importa se ela matar a garota, sendo de propósito ou não. Portanto, Farnese morrerá se você se mover agora.’

‘E…?’

‘E…’

 

E a Farnese é a minha filha e da Lapis.

 

“…”

Fim do julgamento.

Não havia mais argumentos. Naquele instante, minha mente encerrou os seus cálculos.

Parei o meu movimento que faria o meu corpo desviar para a direita. Como demorei um pouco para decidir, meu corpo se moveu de forma desornada para compensar o atraso. Virei-me de qualquer jeito e abracei a Farnese. Como a abracei com todo meu corpo, consegui cobri-la por completo, mesmo que por pouco. A pequena Farnese se contorceu em meio aos meus braços.

“Sen…”

Antes que ela pudesse terminar de dizer ‘Senhor’.

Pude sentir a besta de sombras no ar, acima de nós. Como se a meia palavra da Farnese fosse o gatilho final, o tempo ao redor de nós voltou a fluir de forma normal. Agora o método de esquivar do ataque deixou de existir.

Não havia nada a se fazer quanto a isso. Sempre que o perigo se aproximava, eu era alguém que agia de acordo com as prioridades. Sempre fui assim, desde criança.

É minha natureza, o que posso fazer? Posso apenas ter esperanças que a Barbatos não será tão agressiva. Abracei-a mais forte e fechei meus olhos.

—— Naquele instante, algo similar a uma brisa passou junto a minha bochecha.

Pareceu que a sombra da besta, que estava prestes a nos engolir, parou em algum ponto no meio do ar, também não aparentava mais nenhum sinal de que alguma outra coisa estava se aproximando de nós. Quando, com cautela, virei minha cabeça, pude ver sete mantos negros tremulando ao vento.

Sete chapéus cônicos.

Sete cajados.

“Ahahah.”

Minha Guarda Real.

As Irmãs Berbere.

“Nananinanão, não pode fazer isso não. Seria muuuuuito problemático para nós se o nosso único e verdadeiro mestre se machucasse.”

O grupo de bruxas, o qual a Humbaba comandava, estava com seus cajados levantados e com seus mantos negros, que eu as presenteei, balançando ao vento.

A besta de sombras havia sido bloqueada pelos cajados e não conseguia se aproximar mais. Ela apenas se contorcia de maneira perturbadora, fazendo tudo que podia para encontrar outro caminho enquanto se debatia. E toda vez que o fazia, as garotas mudavam as direções de suas armas e obstruíam a fera.

Grrrurrrg, grrrk⎯⎯⎯⎯ um grunhido de frustração escapou em meio às presas da fera. Sem se perturbar por isso, Humbaba riu.

“O que é isso? Um demônio de Agilis? Ahahah? Esse é mesmo um familiar bem antigo. Acho que já fazem quase 300 anos desde a última vez que vi um. Tenho que dizer, isso faz mesmo jus a Vossa Alteza Barbatos. Um ser desses não impressionaria apenas a nós, mas até o caralhinho da sua criatura é extraordinário, pessoas inferiores como nós ficam mesmo impressionadas com tal espetáculo.”

“…”

A Lorde Demônio franziu o cenho.

“Garotinhas. Como ousam não saber a que lugar perten—”

“Siiiiiiim, nós interferimos e não sabemos o nosso lugar. Pedimos miiiiil perdões. Apesar de bruxas como nós sermos os seres mais inferiores na escala da inferioridade, temos uma doença fatal que nos mata caso não protejamos Sua Alteza Dantalian. Por natureza, essa doença é uma retardadice escrota incurável, mas já não somos famosas por praticamente sermos escrotas retardadas? Esperamos que um Grande Ser, como Vossa Alteza, com toda sua magnanimidade consiga compreender.”

Humbaba riu. No momento que o fez, as outras bruxas também deram risadinhas.

Conforme a discussão se estendia, pouco a pouco mais bruxas afiliadas ao meu exército começaram a se juntar. Antes que eu percebesse, a minha Guarda Real de 20 bruxas estava me rodeando, sem deixar nenhuma brecha.

“Ah, só por acaso, sabia que, apesar das bruxas novatas de hoje em dia serem todas ignorantes, nós pobres servas de Sua Alteza Dantalian sabemos como eliminar seres como esse? Apesar de podermos apagá-lo em uma fração de segundo, nós estamos aguardando com paciência graças ao nosso respeito por Vossa Alteza.”

Grrrrk… a besta sombria choramingou. Uma espécie de líquido negro estava pingando no chão.

A besta havia encolhido a ponto de não conseguir mais se mexer um milímetro qualquer e estava tremendo, como se estivesse perguntando a sua mestra o que deveria fazer.

“Tsk.”

Barbatos estalou a língua. E no momento que estralou os dedos, a criatura se desfez de imediato.  Assim, o líquido negro se infiltrou na terra e desapareceu.

“Eu deixei essas coisas, que deveria ter matado antes, vivas por que dava dó de ver elas se arrastando no chão… É mesmo impressionante, Dantalian. Realmente impressionante. Quando você enlouquece, parece que não faz isso sozinho, mas com seu grupinho todo.”

Ela cuspiu no chão.

“Como foi que você conseguiu seduzir esses vermes de almas podres a ponto delas ficarem dóceis como cadelinhas? Hm? A sua noiva é uma mestiça, sua general atuante é uma vadia humana, e sua Guarda Real são bruxas, não é mesmo? Olhando parar os distintivos nos chapéus delas, elas também são todas Quadrifólias, não? Nossa. Vocês estão mesmo fazendo questão de se divertir. Dantalian, sabe quantas vezes essas putas tiveram que arreganhar a bunda para Lordes Demônios para ganharem um Distintivo Quadrifólio? Caraaaalho. Ei, o cu dessas vadias é tão arrombado que dá pra ouvir as pregas delas balançando daqui.”

Humbaba balançou a cabeça concordando.

“Ahahaha. As palavras Graciosas de Sua Majestade Barbatos são bem certas, mestre. Na verdade, ficamos desoladas por estarmos em segundo lugar do continente dos demônios no ranking de quem tem o cu mais arrombado. Contudo, não se preocupe! Afinal, juramos que, desse ano em diante, até o dia de nossas mortes, iremos apenas arreganhar nossas bundas única e exclusivamente para o nosso mestre! Isso é algo que chega a ser até um pouco comovente.”

Barbatos rangeu os dentes.

“Bruxas desgraçadas. Como essas putas são taradas a ponto de ser ridículo, elas não se ofendem quando você xinga elas…”

Mm.

Isso é algo que concordo totalmente.

Deixei escapar um suspiro e falei com a Humbaba.

“Obrigado. Parece que agora estou te devendo.”

“Ahaha, e que tipo de dívida seria essa? A Guarda Real é algo que se nomeia para ser utilizada em momentos como esse. Mas, se Vossa Alteza realmente se sente grato a nós, então, por favor, conceda a Vossa Rola Real a nós, hoje mais tarde.”

Essas garotas não mudam nem em uma situação dessas.

… Então com isso, consegui resolver a crise por enquanto. O que deveria fazer a partir de agora? Primeiro, precisava descobrir porque a Barbatos estava agindo com tanta agressividade.

Corvos voaram ao redor e repousaram no topo dos chapéus e cajados das bruxas. As aves crocitaram. As bruxas eram da ralé, então não podiam ousar reclamar da Barbatos, mas parecia que os corvos estavam se revoltando contra a Lorde Demônio em seu lugar. Além disso, as bruxas, cujos corpos eram sempre totalmente cobertos por seus mantos negros, pareciam ser unidas aos corvos de corpo e alma. Ignorando os corvos e os chapéus cônicos, Barbatos gritou bem alto.

“Ei, Dantalian! Você vai mesmo fazer isso comigo? Em? Vamos mesmo só dar a merda de um tapa na cara do outro e romper relações assim? Se formos só contar os crimes que você cometeu agora, meu caralho: traição racial, insubordinação frente aos inimigo, motim em grupo e até mesmo heresia! Ninguém teria do que reclamar se agora mesmo eu arrancasse sua cabeça e desse uma olhada na cor dos seus intestinos! Entregue essa garota humana para nós e termine com isso obedientemente enquanto eu ainda estou pedindo por bem!”

“…”

Então era isso?

Entendi porque ela estava sendo mais rude do que o necessário. Ao fazer a Farnese receber as responsabilidades excessivamente, Barbatos queria reduzir a quantidade de culpa que recairia sobre mim. Pelo seu ponto de vista, ela estava fazendo isso pelo meu bem. Pode-se dizer que essa era a maneira da Barbatos mostrar consideração.

Contudo.

“Minhas desculpas, Vossa Excelência, Barbatos.”

Abaixei a cabeça.

Aprecio as suas intenções, mas tenho que recusar.

“Mesmo que essa criança parte da raça humana, ela é uma menina que decidi criar, além de uma vassala pela qual sou responsável. Como aquele que a nomeou como minha general atuante, também fui eu que a enviou para realizar aquele discurso. Se a General Farnese cometeu um equívoco, então a falha é minha, e se há algo pelo qual a General Farnese precisa se responsabilizar por, então também é algo que apenas eu devo suportar.”

“…Senhor.”

Farnese, que estava sendo mantida em meio aos meus braços, olhou diretamente para mim. Me pergunto se ela estava preocupada. Fiquei tão surpreso que quase engasguei.

Meu pai e eu éramos diferentes.

Eu não traria para perto de mim uma pessoa caso, desde o princípio, fosse incapaz de me responsabilizar por ela. Caso eu a trouxesse, então faria questão de tomar conta até o fim.

É claro, se eu absorver toda a culpa no lugar no lugar da Farnese, então haverá um pequeno contratempo no meu plano para remover a Paimon. No entanto, sou um gênio excepcional. Tenho um plano. Também tenho uma carta na manga. Na verdade, um pequeno obstáculo só vai fazer a tarefa mais divertida para mim.

Com meu braço direito, dei um tapinha nas costas da Farnese. Você é jovem demais para se preocupar com a minha segurança, garotinha. Se você é uma criança, então se comporte como uma e seja protegido por um adulto.

“…”

Concordando, Farnese balançou de leve a cabeça. Então lentamente ela repousou a sua cabeça contra meu peito. Mesmo não sendo conectados por sangue ou algo assim, a filha que eu a Lapis decidimos cuidar juntos confiava em mim dessa jeito.

É muito provável que essa cena tenha desagradado a Barbatos. Ela vociferou de forma rude.

“Haa, e daí? Você vai só se esquivar, se arrastando no chão como uma serpente, sem tomar nem um pouco de responsabilidade, mesmo que tenha ido contra a disciplina militar bem na minha frente? Por que você só não caga no buraco meus olhos de uma vez, Dantalian? Já que eu não quero ver a disciplina militar caindo aos pedaços, mesmo que eu morra.”

Neguei balançando a cabeça.

“Até mesmo eu sei o quanto Vossa Excelência se importa com os regulamentos militares. Não possuo a menor intenção de realizar tal ato de evitar minhas responsabilidades. Assumirei também, junto as minhas, as falhas da General Farnese. Vossa Excelência, por favor, me execute.”

“O quê?”

“Pedi pela minha execução.”

Olhei com calma ao meu redor. A atmosfera dos arredores estava rígida. Por alguma razão, parecia que a Paimon estava olhando para cá com o rosto demonstrando preocupação com alguma coisa. Sem parar para pensar qual seria o significado por trás daquela expressão facial, declarei.

“Eu, Lorde Demônio Dantalian de Rank 71. Aqui neste local renunciarei as minhas autoridades de Lorde Demônio e me colocarei sob julgamento militar.”

 

 



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