Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 71: As Runas de Ronan (1)

— Tem certeza? — Nathalia perguntou após alguns fios do seu cabelo recair sobre os seus olhos.

Segurando um bloco de madeira com as duas mãos, Ronan acenou em afirmação.

O punho dela se abriu e uma chama bruxuleou sobre a palma virada para cima. A concentração deu forma ao fogo, transformando-a numa pequena seta, uma seta flamejante que ela arremessou contra o bloco nas mãos de Ronan. O projétil incandescente tremulou em sua trajetória, projetando luzes e sombras nos pilares cilíndricos ao redor do pátio.

Mas…

Pouco antes do impacto o cubo brilhou, fazendo a conjuração vermelha ser sugada para dentro do círculo talhado na madeira.

— Caralho! — Ronan praguejou sacudindo as mãos numa tentativa de aliviar o calor transferido para o cubo, que agora jazia no chão do pátio da mansão.

Anna correu para perto, puxou o braço dele e assustou-se ao sentir o calor irradiado por aquelas mãos.

— Está ardendo?

— Um pouco, mas logo passa. — Tentou parecer forte.

Dario foi analisar o objeto largado. Confirmou a temperatura encostando o dedo na superfície. Focou uma canalização na ponta do indicador e rodopiou o ar em redor do cubo para acelerar o resfriamento. Apesar de morno, pegou-o em suas mãos e o mostrou para os três colegas.

— Ficou intacto — observou Nathalia, referindo-se tanto a runa quanto ao objeto.

— O que mais esperar do criador número um da sala. — Anna sorriu e direcionou um olhar satisfeito para Ronan.

Mas ele não demonstrava satisfação alguma consigo mesmo.

— Obrigado, mas do que adianta ser o número um em uma, e o último em outra?

— Deveríamos voltar a estudar manipulação ofensiva — Nathalia sugeriu.

— Você quis dizer, me ajudar a não reprovar — Ronan corrigiu.

— É pra isso que estamos em minha casa, não é mesmo?

Mas um intrometido respondeu:

— Você quis dizer: em meu castelo construído com dinheiro roubado.

— Vai se catar Zeppeli. Não faça eu me arrepender de convidá-lo.

Acompanhando a anfitriã, os três sentaram em um dos bancos do pátio onde Nathalia costumava treinar. No meio estavam os bonecos de madeira, chamuscados pelas famosas conjurações de fogo da tradicional família Leonhart. Além de um eficiente instrumento para praticar, os bonecos também serviam como aviso para os incautos, lembrando-os do que os residentes eram capazes.

Apesar de triste Ronan deslumbrou-se com o ambiente. A única coisa que o incomodava era a presença de um mordomo que não tirava os olhos dos quatro. Ao percebê-lo, Dario se manifestou:

— Qual é a dele? — Apontou para o criado que não se mexeu ao ser descoberto.

Nathalia deixou um risinho escapar.

— É o Joff, o mordomo da casa. Ele cuida de mim quando meus pais estão fora.

— O que acontece quase sempre — completou a amiga.

— Anna! — chiou constrangida.

— Que foi amiga? É a verdade.

Nathalia precisava mudar de assunto.

— O professor Fernando é tão legal né? — Ela esticou a cabeça para ver Ronan — Ele até deixou suas duas notas da prova em aberto.

— Verdade, mas do que adianta? Já é agosto e eu não consigo manifestar essa porcaria de energia de forma alguma.

— Muito esquisito. A sua manipulação do vento é boa. Isso não faz o menor sentido — interveio Dario.

As duas concordaram balançando a cabeça, mas foi Anna quem se manifestou.

— Mesmo assim, você pode no futuro se tornar um Procurador, ou até Guardião Rúnico, que tal? Se você se focar na criação de runas, eu tenho certeza que seria aceito. Além do mais, você já sabe como manejar uma espada muito bem.

Dario e Nathalia tinham que admitir, Anna era ótima em levantar a autoestima dos outros. As palavras dela trouxeram a motivação que Ronan precisava.

— Obrigado Anna, por tudo, de verdade. — Com os olhos brilhando ele sugeriu: — Vamos continuar?

Eles concordaram.

Os quatro se levantaram do banco e voltaram ao pátio de treinamento. Cada um sugeriu dicas que poderiam ajudar o amigo em dificuldade. Ronan deu ouvido a todas elas, mas não chegou a resultado algum.

Em pé, com os olhos fechados e os dedos entrelaçados como numa oração, ele se concentrou mais uma vez, sentiu a energia ao seu redor, mas como exteriorizá-la?

Apesar dessa manipulação se assemelhar a do vento, ela divergia pela ausência de sincronização ou conversão. Mas para compensar, a exteriorização da energia arcana demandava uma concentração absurda, algo que Ronan julgava ser competente devido à eficácia da sua manipulação do ar.

Ele deixou a reflexão para trás, concentrou seus esforços e tentou materializar em suas mãos algo que não compreendia.

E falhou pela centésima vez.

Não deixou se abater, tentou mais uma vez, e outra, e mais outra.

Dario, Anna e Nathalia não tinham mais conselhos para dar ao amigo, por isso o deixaram treinando sossegado. Os três se reuniram no canto direito do pátio.

— Agora vai depender dele — disse Anna.

— O quão difícil pode ser fazer isso. — Nathalia projetou uma energia azulada ao longo do braço direito.

— Consegue fazer algo útil com isso? — Dario perguntou.

— Testemunhe em primeira mão.

Ela jogou toda a energia na palma. Algo começou a tomar forma. O brilho concentrado foi solidificando. O rosto da garota foi se contorcendo aos poucos. Os olhos dos dois colegas ao lado se arregalaram, Dario abriu a boca. A massa azulada ganhou a forma de uma seta, parecida com as produzidas pela mesma manipuladora. Gotas de suor respingaram no chão. A mão de Nathalia brilhou e uma pasta azulada caiu no piso, sobrepondo as gotas de suor.

— Maldição!

Dario se ajoelhou, passou o dedo na pasta e contemplando a desmaterialização acontecer.

— Então é assim que a energia arcana se parece quando materializada.

— É a primeira vez que viu?

— Ao vivo? Sim.

— Mas os seus pais não te ensinaram?

— Foi meu irmão quem me ensinou a manipular o vento. Ele dizia que era perigoso me ensinar algo mais complexo. Mas no fundo eu acho que ele tinha medo de ser descoberto e por isso parou de me dar aulas, afinal, é proibido ensinar manipulação fora da universidade, mesmo para familiares, não é senhorita Leonhart?

As bochechas dela coraram.

— Me-meu pai tinha permissão para lecionar.

— Falando nisso, como você manipula o fogo? Não deveria ter apreendido a manipulação arcana antes?

— Foi o meu irmão quem me ensinou.

— Mas ele tinha permissão para lecionar?

— Vai para o inferno Zeppeli! — ela praguejou ao cair na armadilha, irada por tropeçar em suas palavras.

Anna não se aguentou e junto de Dario, os dois riram.

Nathalia permaneceu impassível. Jogou sua seriedade num olhar julgador contra Anna, que se calou num instante. Não entendendo a situação, Dario não se aquietou.

— O que foi? — perguntou para as duas.

Anna se aproximou e sussurrou no ouvido dele.

— Leonel Leonhart… Walfrido Zeppeli… Entendeu ou quer que eu desenhe?

— Desculpa — detestou se desculpar, mas foi necessário.

Nathalia sacudiu a cabeça.

— Não foi nada. Na verdade eu devo desculpas, pois não deveria ficar revivendo tanto o passado. — Ela levou uma mão ao peito. — Mas respondendo a pergunta da Anna, sim, eu deveria ter aprendido a manipulação pura antes, mas a minha linhagem tem uma “afinidade natural” com o fogo — Imitou as aspas com as mãos.

— Será que essa “naturalidade” — Dario repetiu o gesto. — Pode funcionar do avesso? — disse apontando para o amigo sentado com as pernas cruzadas no meio do pátio.

Foi Anna quem respondeu.

— Pode sim, acho que o Professor Felix já até mencionou algo em sala.

E os três acompanharam os esforços de Ronan durante o resto do fim de semana…

chegarem a lugar nenhum.

 



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