Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini

Revisão: Marina


Volume 1

Capítulo 43: Lágrimas (5)

Anna se debruçava na mesinha enquanto fazia a leitura de um romance que pegou da biblioteca. Seu quarto, apesar de simples, tinha tudo que precisava: uma cama com armação de madeira, um colchão de penas, uma estante feita de um estranho eucalipto negro, uma bancada para preparar suas refeições e um cantinho onde estudava em paz. Mas para hoje, nesta noite de quinta-feira, ela havia planejado entreter-se com a leitura de um romance.

Há pouco tempo Anna adquiriu o habito do conselheiro Rafael. Com os cotovelos apoiados na mesinha ela pendia a cadeira nas pernas de trás enquanto se divertia balançando-se para frente e para trás. De alguma forma, essa esquisitice a deixava feliz, mas sua coluna não poderia dizer o mesmo.

Nunca estivera tão concentrada, nem sequer durante as aulas mais cabeludas da professora Grivaldo Anna foi capaz de mergulhar tão fundo em alguma coisa. O romance que lia era a melhor história do mundo, mas todo o foco se perdeu quando a porta bateu. Graças ao espasmo involuntário dos cotovelos que a estabilizava, Anna perdeu o equilíbrio e as pernas da cadeira tombaram para trás, levando-a consigo. Durante a lenta queda os lábios da garota se moveram, e um sonoro “Puta que pariu” foi proferido.

Novas batidas ressoaram da porta, acompanhadas por risinhos abafados.

— Sou eu — anunciou uma voz conhecida.

Anna ficou apreensiva, já podia imaginar o porquê da visita. Depois de se levantar e arrumar a cadeira no devido lugar, ela foi abrir a porta.

— Posso entrar? — disse a garota dos cabelos dourados.

— É claro Nat — convidou-a dando um passo para trás, abrindo a porta por completo.

Nathalia adentrou e correu os olhos pelo cômodo inteiro.

— Bem… aconchegante.

— Obrigada.

Anna reparou que sua amiga usava um casaco grande para seu tamanho, somado a um cachecol em volta do pescoço.

— Você está braba comigo? — a visitante perguntou.

— Não muito. Alguns oficiais vieram me contar sobre o ocorrido. Fico feliz que esteja bem.

Nathalia retirou o cachecol, revelando dois cortes finos e inúmeros pontilhados em seu pescoço, típico de lâminas bem afiadas. Uma lembrança de mau gosto. O rosto de Anna se contorceu ao ver aquilo.

— Desculpe por te envolver nisso, amiga…

— Ao menos estou beeeem melhor do que você, não é mesmo?

Nathalia pôde notar a melhora que o tempo e o tratamento caseiro proporcionaram a sua amiga. Apesar do inchaço ter reduzido, a cara dela ainda conservava as marcas da violência de Lúcio Ambrósio.

A visitante puxou sua bolsa e tirou um volume de dentro.

— Trouxe um presente para você — disse estendendo um embrulho retangular.

Anna pegou o objeto e rasgou o papel em volta. Era um livro, Uma análise sobre os infrutíferos estudos da manipulação curativa. Os pelos de Anna eriçaram numa manifestação sublime de esperança. Seus olhos se voltaram para a parte inferior do livro. Uma obra do mais novo Sábio da Ordem dos Magos: Victor Ambrósio. Com os olhos arregalados, Anna encarou a amiga.

— Como você conseguiu uma cópia?

Levantando o dedo indicador ela respondeu em tom convencido:

— Tenho minhas fontes, amiga, tenho as minhas fontes.

Anna pulou em Nathalia num abraço de urso.

— Agora sim. Agora eu não estou mais magoada com você.

As duas trocaram sorrisos alegres. Anna ofereceu a cama para Nathalia se sentar enquanto ela mesma optou pela cadeira em seu cantinho de estudos/lazer. Por minutos elas conversaram sobre amenidades. Nathalia a atualizou sobre as fofocas mais quentes que percorriam os corredores da universidade enquanto Anna retribuiu contando sobre o romance que estava lendo. Mas elas sabiam que cedo ou tarde teriam de falar sobre “aquilo”.

— Ele vai ser solto alguma hora, você sabe né? — perguntou Nathalia, acabando com o clima descontraído.

— E nós duas estaremos em perigo.

— Você vai denunciá-lo?

— Talvez.

Nathalia arqueou as sobrancelhas ao ouvi-la.

— Que bom. Ao menos você está pensando no assunto.

— Por mim eu não faria, mas… — Suas bochechas erubesceram. — Depois do que ele fez com você, eu venho pensando em… — suspirou. — denunciá-lo.

— Eu te entendo amiga e agradeço por pensar em mim.

— Você não entende, mas obrigada.

— Sabe… eu senti aquilo de novo.

— Sentiu o que?

— O sangue… quando eu me deixei levar pela situação… Eu senti meus ferimentos pulsarem. Alguns cortes até abriram, mas eu consegui fazê-los… parar. — Nathalia fechou os olhos e suspirou. — Eu achei que ia morrer quando ele… — Levou os dedos da mão direita aos cortes no pescoço e os massageou.

Aquilo fez os olhos de Anna marejar e seus lábios tremerem. Ela se debruçou na mesa onde estava seu livro.

— Me desculpa Nat — disse entre soluços chorosos. — Me perdoa por ser teimosa. — desculpou-se com a voz abafada pelos braços em que apoiava o rosto umedecido.

Nathalia levantou da cama onde sentava. Aproximou-se dela e a abraçou por traz, envolvendo-a em seus braços.

— Tá tudo bem amiga — disse roçando o rosto no cabelo castanho da colega. — Está tudo bem agora — confortou-a com a voz manhosa.



Comentários