Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini

Revisão: Marina


Volume 1

Capítulo 41: Lágrimas (3)

No fim da tarde, Nathalia andava de um lado para o outro da mansão, pensando em como resolver o problema da amiga. Normalmente, neste horário, costumava praticar e estudar manipulação, porém o turbilhão que assolava sua mente a impedia de se concentrar por um maior período de tempo.

Após cruzar o mesmo corredor umas vinte vezes, Nathalia caminhou até o quarto e jogou-se na cama, se afundando no colchão enquanto pensava no encontro que tivera com Anna após a aula. Por quinze minutos ela contou o que foi discutido na sala do Rafael, o coordenador, ou naquele caso: o conselheiro.

As boas notícias findaram parte da preocupação que assolava Nathalia. Sua amiga poderia não querer dar um fim aos abusos do pai, mas agora ela estaria segura e longe das garras dele. Como Lucio trabalhava durante a manhã e tarde e, Anna recebeu permissão para faltar durante a semana, ela se aproveitou da situação para buscar suas coisas sem que ele estivesse em casa. Mesmo aliviada, Nathalia entristeceu-se pela amiga não se abrigar mais em sua residência, mas valia de tudo para ela se distanciar daquele maníaco.

Seus devaneios acabaram quando Joff, o mordomo, abriu a porta do quarto.

— Visita para a senhorita — anunciou educado.

— Anna! — gritou empolgada.

Mas notou que o mordomo parecia incomodado. Será que o pai dela descobriu sobre o apartamento e ela veio pra cá ainda mais arrebentada? Refletiu sentindo um arrepio gelado percorrer sua espinha. Levantou-se num salto e se pôs a seguir o mordomo, compartilhando as mesmas feições preocupadas.

Chegando lá, Joff não perdeu tempo e abriu a porta sem aguardar a autorização da senhorita. Iluminado pelo distante crepúsculo vermelho, um homenzarrão de cabelo curto e castanho com um rosto oval a encarou com uma expressão emburrada.

— Onde é que ela tá! — inquiriu sem rodeios, ajeitando a camiseta branca, listrada por manchas de gordura.

Por que não me avisou que era ele, Joff, ela pensou, mas seria injusto culpá-lo, ele sequer sabia quem era o mostro diante deles. Precavidos contra ameaças, os guardas vigiavam a entrada da propriedade, além disso, Joff era um ótimo lutador, apesar da idade.

— Ela não está mais aqui… Lucio Ambrósio! — replicou semicerrando os olhos.

Ele bufou.

— Não minta para mim. Você está escondendo a minha filha. Quer que eu volte aqui com os guardas da cidade?

— Pode ir chamá-los, se fizer isso eu vou denunciá-lo na frente de todos eles.

Boa, pensou para si mesma. Nathalia observou o mordomo, ele parecia curioso, mas permanecia calado, como demandava o ofício.

— Você não ousaria, pois a Anna não te perdoaria por isso. — Lucio a encarou com malícia antes de prosseguir: — Ela não mandaria para a cadeia um dos poucos familiares ainda vivo.

Aquelas palavras atiçaram sua curiosidade.

— Aaaaaa… — ele começou animado. — Ela não te contou né, eu percebi só pelo seu olhar inocente.

Uma súbita sensação de pavor tomou conta da garota que não disse nada, mas já imaginava o motivo.

— Eu já sabia… sabe? — Lucio começou. — Quando seu pai veio lá na minha vizinhança chamar todos os soldados, homens, crianças mais velhas e até minha esposa. Eu sabia que algo ruim iria acontecer. Alguém como ele não viria num bairro daqueles para distribuir sua montanha de ouro. Gente como o seu pai vem chamar gente como nós para lutar em suas guerrinhas.

Nathalia ouviu cada palavra, estava curiosa, mas amedrontada com o que estava por vir. A garota não tinha muita noção do que o pai fazia. O que sabia era que ele viajava muito, inclusive agora. Por isso, deixou que a verdade fosse dita.

— Éramos jovens garota! — Ele se animou ao falar. — Alguns anos mais velhos que você, Anna tinha vindo ao mundo alguns meses antes de partirmos. Tivemos que deixá-la com minha mãe.

Ele fez uma pausa. Nathalia agora nutria uma simpatia bizarra pela criatura.

Ele é um monstro, se lembre de quando a Anna veio até aqui toda arrebentada por causa desse monstro, isso a fez se sentir um pouco melhor.

Joff permaneceu quieto, apenas observando, mas estava pronto para defender sua senhorita caso a situação piorasse. Lucio parecia triste, tomado por uma melancolia nostálgica, o saudosismo da juventude o inundou. Ele prosseguiu, mas com uma raiva repentina.

— É tudo culpa de vocês, são vocês que causam essas guerras, são vocês que causam tanta desgraça contra gente como eu.

— Escuta aqui senhor Ambrósio! Não tenho culpa se minha família é do jeito que é! — retrucou irritada, ofendida com as acusações.

— Não estou falando de riqueza garotinha.

Então do que ele esta falando?

Lucio prosseguiu:

— Eu estava com minha esposa, quando… — Respirou fundo. — Quando ela foi atingida por um… uma… — Gesticulou com a mãe direita, imitando uma onda.

Nathalia sabia que não se referia a uma onda, ele se referia a:

— Uma conjuração, manipulação, dá no mesmo.

— Uma dessas bruxarias ai! Se ela não tivesse se metido com essas coisas demoníacas, ela nunca seria convocada pra guerra, poderia estar comigo e minha filha agora mesmo.

Um silêncio se arrastou. Nathalia sentiu pena daquele triste brutamente, ao mesmo tempo que começou a se ressentir de seu pai. Estava curiosa para saber o que ocorrera com a mãe de Anna, precisava satisfazer essa curiosidade, precisava perguntar.

— Então…

— Ela tinha que se meter com isso também — interveio a triste criatura. — Ela não poderia deixar essa porcaria pra gente como vocês. Eu fiz de tudo para ela desistir, mas a Anna insistia em querer ser uma de vocês, dizia ser o seu sonho. Porque ela foi entrar nessa maldita universidade? Pra terminar como a mãe? Pra morrer atingida por bruxarias?

— Eu estou falando a verdade senhor Ambrósio, a Anna não está aqui.

A tristeza sumiu do rosto de Lucio e uma expressão de ira contraiu os músculos de sua face.

— Então onde ela está? Me diga, agora!

Aquela bipolaridade repentina fez Joff quebrar sua postura passiva.

— Peço que o senhor se acalme, por favor.

— Ou o que? O que vai fazer seu almofadinha? — berrou furioso.

O mordomo sacudiu a cabeça para os lados.

— Rapazes! — disse em voz alta — Acompanhem o senhor Ambrósio até a saída.

Disciplinados, quatro soldados se aproximaram e cercaram o homenzarrão. Num gesto intimidador eles seguraram a cabeça dos porretes que guardavam em suas cinturas, presas por uma tira de couro marrom. Lucio estarreceu ofendido, mas não ousou enfrentar aqueles homens tão grandes quanto ele. Resmungando, ele fez o caminho inverso de sua chegada. Ao alcançar o portão, olhou por trás do ombro esquerdo, cuspiu no chão e foi embora.



Comentários