Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini

Revisão: Marina


Volume 1

Capítulo 4: Universidade de Leon

Do gélido sul ao temperado norte, das praias do leste aos córregos de Rioalto, a Universidade de Estudos Arcanos de Leon perdurava como a primordial instituição responsável em instruir as novas gerações nas Artes Arcanas. O quadro de funcionários contava com renomados conjuradores leais ao regime, professores desinteressados com politicagem, além dos Sábios e Mestres da Ordem dos Magos, corajosos o bastante para lecionarem longe da bolha apolítica que era a Cidade Livre.

Mas a Universidade de Leon não monopolizava o direito de ensinar as práticas da manipulação. Fora da capital, nas cidades mais populosas do império, colégios com a mesma finalidade surgiram com o passar dos anos. Apesar da relativa diversidade de entidades com o mesmo propósito, há quinze anos o ensino de conjuração tornou-se uma tarefa exclusiva das instituições imperiais, ficando proibido o ensino doméstico graças ao Primeiro Decreto, a primeira medida outorgada pelo atual imperador: Alexandre Griffhart.

Muitos o viam como um herói de guerra, Ronan sabia que era verdade, mas isso não impedia os insatisfeitos de insurgirem contra os grifos vermelhos bordados ou tingidos nas bandeiras de Leon. Muitos enxergavam em Alexandre um tirano, Alguém que almejava manipular os manipuladores. Torná-los seus instrumentos, suas armas, suas marionetes, limitando o livre arbítrio das futuras gerações, fazendo-os aprenderem em suas instituições, doutrinados por uma ideologia imposta. Assim pensavam os mais ferrenhos opositores.

Ronan não acreditava em tais conspirações, mas vinha estudando a história do decreto há um tempo e desde que a conheceu, acreditou no ideal benevolente de quem a outorgou, mas vinha questionando sua postura, principalmente após a conversa com Ian Smith na taverna Ferreiro Fanfarrão.

As solas dos seus pés latejaram devido à árdua caminhada, mas para o seu alívio havia chegado. Estava em frente às grades esbranquiçadas do portão aberto da universidade. Por segundos apenas contemplou o pátio florido, onde no centro, a cem metros de onde estava, uma fonte circular com duas esculturas de leões em pé sobre a mesma plataforma, mas de costas ao outro, esguichavam filetes d’água entre os dentes desgastados pelo fluxo intermitente.

Atrás da fonte, no limiar do pátio frontal, rodeado em cada um dos quatro cantos por fileiras de árvores podadas, o Bloco Administrativo da universidade ganhou a atenção do rapaz, que já sabia da natureza burocrática do lugar, pois já o havia visitado para fazer as provas de ingresso e financiamento. Comparada às demais construções da instituição, aquela era a menor em altura, mas a largura e o comprimento avantajado compensavam a ausência de andares extras.

Uma estradinha à esquerda levou Ronan pela lateral, passando rente às árvores cujas belas folhas chacoalhavam num ritmo constante e monótono até a estradinha desembocar no pátio traseiro, onde foi recebido pela visão das novas construções.

Duas fileiras de três prédios separados por um espaço aberto foram erguidas para abrigar os alunos nas salas de aula. Do lado esquerdo estavam os três primeiros, denominados: Bloco A, B e C. Um pátio semelhante ao frontal, exceto pela ausência da fonte leonina.

Nervoso, Ronan tirou da mochila o pedaço de papel que recebera junto à carta de admissão. Nela continha as informações necessárias para um novo estudante se localizar com maior facilidade. Constava nela o endereço da universidade, a sala dos novatos, um pequeno mapa da instituição, as disciplinas lecionadas durante o semestre e mais uma dúzia de informações úteis.

A sala seria a “A-101”. Julgando pelo nome dos prédios ela se encontraria no primeiro em sua frente, o denominado Bloco A, cujas duas folhas da porta de madeira estavam abertas, prontas para receberem os calouros. Por ela Ronan entrou, e parou. Estático, com os pés colados no chão ele observou a quantidade de alunos ali presentes. Nos corredores amigos conversavam e amigas fofocavam, colegas discutiam e casais paqueravam sem muito importar com os olhares alheios e julgadores.

Provavelmente, todos veteranos.

Descolando os pés magnetizados pelo choque, Ronan deparou-se com um grande mural que percorria a parede por quatro metros de comprimento por um de altura, nele havia de tudo: anúncios sobre venda de materiais, convites para festas, aluguéis de quartos, livros a serem vendidos e muito mais.

Outro detalhe chamou-lhe a atenção. Dois quadros de madeira fixados por cima do mural indicavam um espaço exclusivo, reservado. O quadro com borda vermelha servia para os comunicados oficiais serem fixados, enquanto o de borda azul continha anúncios das atividades extraclasses, como um grupo de estudos sobre Alquimia, Teoria da Manipulação Avançada I, II, Teoria da Pesquisa Arcana e muitos outros. Além dos anúncios de clubes, como o de arquearia, esgrima, luta corporal, hipismo e etc…

É… parece ter de tudo, concluiu para si mesmo.

Após perder-se no mural por mais dez minutos, Ronan decidiu ir à sala. Subiu os dois lances de escada e, ao chegar ao topo, leu uma plaquinha à direita do corredor, em cima da porta indicando a sala “A-101”.

Muito ansioso, ele entrou.

Aquela sala não tinha nada especial, fora a organização e a limpeza caprichada; não deixava de ser uma sala de aula comum. Ronan julgou o estilo um tanto rústico, datado. Cada bancada era ocupada por um trio de alunos, pois cada uma dispunha de três cadeiras da mesma madeira. Talvez carvalho, pensou Ronan. As bancadas estavam dispostas em três colunas, uma encostada na parede direita, outra à esquerda e a última no meio das duas. Cada coluna dispunha de quatro bancadas separadas por níveis, proporcionando uma vista melhor aos que sentassem atrás.

Bem pensado, bem pensado, julgou se sentindo um arquiteto renomado. Apesar de chegar cedo, as bancadas em sua maioria encontravam-se cheias, mas uma das vagas disponíveis estava na coluna do meio, na penúltima fileira. Ocupada somente por um rapaz de cabelos castanhos sentado no assento do meio. Concentrado, ele observava o canto esquerdo — para quem o via de frente —, fazendo Ronan optar pelo assento da direita a fim de evitar caminhar em frente àquela encarada. Com um plano em mente Ronan caminhou e subiu os pequenos degraus que dividiam as fileiras até o local escolhido.

Curioso, cumprimentou o novo vizinho.

— Bom dia.

Não houve resposta, ele nem sequer deu-se o trabalho de virar a cabeça.   Surpreso com tamanha frieza,  Ronan acomodou-se no lugar escolhido e botou a mente para funcionar. Os minutos passaram e o rapaz do cabelo castanho ondulado ainda focava sua atenção em algo a sua direita, ou melhor: alguém.

— Tá vendo aquela garota? — ele perguntou com o olhar fixado no alvo misterioso.

— Que? Quem? — balbuciou Ronan.

— Aquela lá, ó. — Ele apontou para um grupo de três garotas entretidas em meio a risinhos.

— Qual delas?

— A do meio, quem mais?

A garota ocupando o centro do balcão tinha o cabelo loiro numa tonalidade quase dourada. Quando ela virou-se de perfil para Ronan. Seus olhos azuis claros a destacaram como a primeira flor desabrochando no campo durante o inicio da primavera, encantando aqueles com quem conversava e hipnotizando os que ousassem vislumbrar seus olhos diretamente. Ronan maravilhou-se com tamanha beleza, mas o vizinho parecia irritado. Ele a olhava com uma feição de desprezo talhada em seu rosto.

— De todas as turmas, de todos os semestres, eu acabei na mesma turma de uma maldita Leonhart.



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