Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini

Revisão: Marina


Volume 1

Capítulo 33: Infiltrados (2)

O comandante do bando segurou a espessa e resistente corda, pôs o pé esquerdo contra a parede e puxou-se. Com os dois pés na parede e o corpo suspenso na horizontal, repetiu o processo em forçosas sucessões. A cada impulso dado, um vão retangular se aproximava a sua direita, por sorte, a corda não ficou visível para as molduras das janelas. Espiando com a pouca visão proporcionada, ele conferiu o cômodo.

Estava vazio, apesar da pouquíssima iluminação.

A escalada continuou até a próxima abertura, também vazia. Quando atingiu a metade do trajeto a fadiga já lhe ardia o braço devido ao peso da couraça. Por sorte o comandante mantinha-se em forma, sempre preocupado em deixar sua constituição no limite que o corpo permitia. Respirou fundo, puxou a corda e impulsionou-se com a ponta dos pés na parede, subindo mais um pouco.

Quando…

O ecoar dos passos de alguém se aproximando foi captado. Num reflexo o comandante largou a mão direita da corda para sacar uma adaga da cintura. Da janela à direita uma desafortunada figura olhou para fora, mas para o lado errado, e a ponta da lâmina cortou o ar, perfurando o pescoço sem lhe dar a chance de alertar o resto da guarda.

O cavaleiro grunhiu com a ardência de ter que segurar-se com uma mão só. Trocou a mão suspensa e, com a esquerda, puxou para fora o corpo repousando sem vida no parapeito, que semelhante a um boneco de pano, caiu em queda livre, assustando os demais cavaleiros lá embaixo.

Agonizando, o comandante de cabelo castanho avermelhado continuou a escalada até atingir o topo do complexo. Seu braço continuou latejando graças à fadiga do esforço desprendido em puxar seu peso somado da couraça robusta. Como se não bastasse, tivera de se segurar na corda com uma mão para enfrentar o desafortunado soldado. Por isso mesmo, torceu para que nenhum dos outros passasse pela mesma situação. Como se um gênio atendesse seu pedido, a subida deles foi tranquila, mas não para o sétimo.

O último estava a poucos metros do topo, mas ele não resistiu à dor e ao cansaço. Num lamento choroso ele largou a corda. E sobre o teto da prisão os sete viram o corpo do colega desaparecer na escuridão. Guibs refletiu: teria sobrevivido se não tivesse a armadura, não sei por que o comandante insistiu em usarmos numa missão de infiltração. Porém sabia que era inútil discutir com o superior, pois era teimoso como uma rocha e tudo tinha que ser como ele queria.

— Era um bom rapaz, fraco, mas um bom rapaz mesmo assim — disse baixinho.

Os sete agora pisavam no teto de pedra da prisão. Guibs ficou encarregado de guardar o gancho que seria utilizado novamente para a descida. Na ponta dos pés eles caminharam tomando todo o cuidado para não fazerem o som dos passos reverberarem estrutura abaixo.

Cem metros foram percorridos até chegarem à extremidade sul do complexo. Ao olharem para baixo, viram a luz irradiante das tochas próximas à entrada da prisão. Porém, a passagem era vigiada por dois guardas brandindo alabardas. No pátio em frente à entrada, duas patrulhas de três soldados faziam a ronda próxima de um grande sino de bronze que serviria de alarme nos casos de invasão.

Voltando para perto dos seus cavaleiros, o comandante refletiu sobre o próximo passo. Os prisioneiros levados a esta prisão poderiam ser encarcerados em dois locais distintos. O mais infame seria a prisão subterrânea, reservada à escória da sociedade. Enquanto no interior do complexo que o bando pisava, abrigava os figurões nos andares de cima, mas as janelas eram gradeadas com espessas barras de aço e seus corredores contavam com uma vigilância contínua.

Para invadirem o complexo precisariam descer mais uma vez e adentrar por um dos vãos não gradeados dos primeiros andares, mas tudo isso de nada serviria se Marcos, o Sábio a ser resgatado continuasse trancafiado no calabouço subterrâneo, onde o comandante o encontrou meses atrás durante sua breve visita.

Após muito ponderar ele optou por dividir o grupo. Fez um sinal para todos se reunirem em circulo.

— Guibs, você e mais dois irão vasculhar os dois andares abaixo de nós. Eu levarei outros dois para nos infiltrar nos calabouços lá embaixo.

Todos concordaram.

— E eu comandante? — perguntou o encapuzado que sobrou.

— Você vai ficar aqui aguardando o nosso retorno. Quando dermos o sinal, você vai descer a corda. Não podemos deixar nossa rota de fuga desprotegida. — Sentia-se ofendido por ter de explicar algo tão simples para ele.

Desanimado por ser incumbido de uma tarefa tão besta, mas feliz por não ter que se arriscar, o “rapaz da corda” aceitou o novo ofício sem reclamar. Os sete seguiram para oeste até chegarem à extremidade, onde a muralha ficava quatro metros abaixo e se estendia até à ponte que ligava a prisão com a cidade.

Encostado no pequeno parapeito do teto, o comandante vigiou a movimentação dos guardas lá embaixo. Guibs lhe ofereceu a corda, ele a tomou em mãos. Subiu no parapeito e ficou de costas para a queda livre. Os demais cavaleiros ajudaram Guibs a segurar a corda e, com um aceno singelo, o comandante largou-se de costas na escuridão em um passo para o vazio.

A corda foi tencionada. A força abrupta fez os cavaleiros serem puxados contra o parapeito. A tensão estabilizou e aos poucos eles foram soltando a corda até o comandante chegar entre as ameias. O processo foi repetido até o último integrante da unidade de infiltração ao calabouço estar na muralha leste com os demais.

Lá embaixo, o líder do bando observava a entrada da fortificação, seria necessário passar por ela para acessar o calabouço subterrâneo. Dois guardas armados com alabardas faziam a segurança da entrada, uma grande porta dupla entreaberta.

Dois grupos de três soldados com espadas nas cinturas patrulhavam o pátio. Nesta noite, pouca gente fazia a segurança da muralha, pois acreditavam que a última coisa a acontecer seria uma infiltração por malucos que, porventura, encontrassem uma forma de escalar todos os obstáculos.

Apesar da relativa proximidade com a entrada, a muralha onde se escondiam terminava na parede do complexo atrás deles. Para conseguirem entrar, precisariam percorrer o estreito corredor da muralha que seguia ao sul, achar uma descida e cruzar o pátio despercebido. Os três se agacharam e colaram suas costas na mureta à direita.

Devagarinho, eles foram até a primeira torre, onde apenas um guarda se encontrava. Os três pararam ao ficar a dez metros dele.

O comandante fez o sinal para um dos encapuzados se adiantar e executar o serviço. Abaixado e na ponta dos pés, o cavaleiro designado se aproximou, sacou sua adaga e cortou a garganta do vigia, tapando-lhe à boca antes para evitar gritos desnecessários. Sem perder tempo ele pegou o corpo do caído e o arrastou para próximo dos colegas.

Sabendo o que tinha de ser feito o segundo encapuzado despiu as vestes do guarda, tirou seu manto e capuz, revelando o rosto retangular e o cabelo castanho escuro desgrenhado. Em seguida, vestiu as roupas do falecido, mas permaneceu com a couraça por baixo, vestindo por cima dela o tabardo com o símbolo imperial, um grifo vermelho num fundo branco.

Os três aguardaram por volta de quinze minutos até um dos grupos de vigília partir em uma ronda pela muralha, começando pelo oeste, para sorte dos infiltrados. Percebendo o perigo do grupo que partiu encontrar o vigia morto, os três atiraram o corpo do maldito sem vida pela muralha, em direção ao penhasco.

Agora era questão de tempo e precisão.

Os três seguiram em direção sul. A vinte metros da próxima torre encontraram uma escadaria que descia em paralelo as ameais. Eles se aproximaram, abaixaram a cabeça para não serem vistos e encostaram-se contra a pequena parede de pedra à direita.

Agachado, o comandante observou os três soldados no pátio, dois estavam de costas para eles, mas o outro poderia avistá-los caso tentassem se aproximar da entrada. Por sorte, na morosidade dos seus passos, o grupo que saiu há pouco demoraria até contornarem a muralha da prisão.

Alheio a isso tudo, um soldado de rosto farto apareceu na janela do primeiro andar da prisão para berrar a plenos pulmões:

— Perna, Soluço, Ricardo, venham logo seus desgraçados, invadiram o andar lá de cima!



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