Lana – Uma Aventura de Fantasia Medieval Brasileira

Autor(a): Breno Dornelles Lima

Revisão: Matheus Esteves


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 16: Estrada

Naquela tarde, Lana e Aline seguiam pela mata fechada em direção a antiga casa da ruiva, que dizia ter assuntos a tratar no local.

Aline andava um pouco à frente com o olhar atento para qualquer possível emboscada das tropas do exército do Leste. Com passos cautelosos, tentava a todo custo não fazer barulho, e apesar de confiar na capacidade de luta da amiga ela já estava cansada de toda aquela agitação.

Lana que estava um pouco atrás avistou um pedaço de graveto de tamanho médio. Pegou a madeira no chão e cruzou o ar algumas vezes simulando o corte de uma lâmina. Então olhou para frente e reparou que sua amiga seguia concentrada e gritou:

— Aline!

A menina ao virar reparou que sua amiga preparava para lhe acertar um golpe com a arma improvisada de madeira, deu um salto para o lado seguido de um grito e assim que se recuperou do susto disse:

— Que foi isso?

— Nada. Apenas praticando um pouco — disse Lana com tranquilidade e tomando a frente no caminho.

— Tá doida é?

— Relaxe, eu não ia te acertar.

— Sabe de uma coisa? Eu ficaria mais tranquila se você tivesse uma arma de verdade — falou Aline observando os gestos de Lana.

— Infelizmente o punhal já era.

— Onde foi parar mesmo?

— Da última vez que eu o vi, estava cravado no peito de um soldado.

— Credo! Me poupe dos detalhes.

— Ainda tenho a faca que você me deu no confinamento — disse Lana apontando para o pequeno pedaço de metal preso em sua cintura.

— Isso não é uma arma! Não serve nem para cortar uma maçã direito.

— Infelizmente é tudo que temos no momento. No meio daquela confusão no bosque não consegui roubar nenhum sabre, e o monge também não possuía nenhuma arma que pudesse nos emprestar.

— É verdade. Por falar no monge, você não gosta muito dele não é mesmo?

Lana encarou a amiga por alguns segundos em silêncio e então disse com um leve sorriso amarelo:

— Deu para perceber?

— Eu vi a forma que conversaram antes de irmos embora, não sei do que falavam, mas pelo seu tom de voz o assunto não era muito amigável.

— Eu não gosto do jeito dele. Pra tudo tem um sermão! – resmungou Lana.

— Ele é meio difícil de entender eu concordo, mas é uma boa pessoa.

— Para mim ele é arrogante, isso sim.

— Você acha? Ele me parecia ser tão sábio.

— Pra tudo ele tinha resposta pronta como se as coisas fossem tão simples — disse a ruiva riscando o ar com o graveto em direção da amiga que novamente deu um grito de susto.

— De novo! Quer parar com isso?

— Desculpe. Só estou praticando. — Lana respondeu baixinho.

E assim seguiram até o entardecer, mata adentro entre conversas e golpes surpresas.

Durante a noite as duas fizeram uma breve refeição enquanto caminhavam. Nada de fogueira ou acampamento, não poderiam se dar ao luxo de chamar atenção desnecessariamente.

— Lana, foi seu pai mesmo que te ensinou a lutar? — perguntou Aline entre uma dentada e outra em uma pera.

A ruiva levou o olhar para o alto como se estivesse invocando o passado, e nas estrelas estivessem as lembranças de sua adorável infância. Seus olhos brilhavam, ela esboçou um leve sorriso e disse:

— Sim, ele me ensinou um monte de coisas, entre elas a “lutar”, mas eu prefiro que você diga “esgrima”.

— Não é a mesma coisa?

Lana ainda admirando a noite estrelada respondeu:

— Não me recordo de um dia da minha vida, digo antes dessa guerra toda começar, em que eu não tenha pego uma lâmina para praticar. A arte de manusear a espada era a minha disciplina, e essa disciplina era minha rotina.

Aline ainda não satisfeita tornou a insistir:

— Tudo bem, mas eu acho que nunca vi uma pessoa como você na minha vida.

Nesse momento Lana dirigiu o olhar para a amiga e perguntou surpresa:

— Como assim?

Meio sem jeito, sem encontrar as palavras apropriadas Aline tentou explicar:

— Sabe, esse negócio de lutar contra vários homens sem medo algum de se machucar, como se fosse acostumada com tudo isso e como se tivesse certeza absoluta do que está fazendo. E o sangue? Eu desmaio só de ver sangue, e principalmente se for o meu!

Enquanto ouvia a amiga tentar descrever a forma como enxergava os seus feitos, Lana sentia um certo orgulho crescendo dentro de si. Com um sorriso de satisfação estampado no rosto ela não tinha palavras para responder a amiga, pois era a primeira vez que ouvira um elogio sincero e espontâneo sobre suas habilidades.

— Depois que… bem, depois que visitarmos minha mãe, nós iremos para o sul encontrar o meu pai. Nós teremos abrigo e bastante comida, então poderei até te ensinar um golpe ou outro se você quiser.

— Não. Isso não é para mim. Eu sou uma donzela e terei meu próprio cavaleiro para me defender.

— As vezes é importante saber se virar sozinha.

— Eu deixo essas vezes para você —  respondeu a jovem com um sorriso largo no rosto.

Foi no meio dessa animada caminhada noturna que as duas finalmente saíram da mata fechada e passaram a seguir por uma estrada, e nela avistaram ao longe um pequeno ponto luminoso. Pela distância e intensidade do brilho, deduziram que se tratava de uma fogueira e isso criava imediatamente um dilema para as jovens, seguir em frente para investigar ou dar a volta e perder mais tempo por um caminho mais longo.

Aline ficou muito receosa. Estava desfrutando de um bom momento e de repente, como um inesperado e forte soco no estomago, ela sentia que era arrastada de volta para a dura realidade da guerra. Medo e desconfiança. Seu semblante mudara completamente, pois por mais que confiasse na amiga, a horrível sensação do perigo era algo que ela jamais gostaria de se acostumar.

— Está bem no nosso caminho. Devem ser soldados já que refugiados não iriam atrair atenção desse jeito — deduziu Lana.

— E se dermos a volta?

— Iríamos perder um dia para nos afastar deles e cair numa estrada auxiliar! Está vendo aquele contorno acima das arvores a esquerda? É um paredão, nós iríamos gastar um dia inteiro só para subirmos nele, e depois gastaríamos mais dois dias e meio para completar a viagem. E falta tão pouco.

— Mas não é mais seguro?

— Talvez. Nós nunca saberemos se não investigarmos melhor, afinal uma tropa pode aparecer pela frente em qualquer caminho que pegarmos, e além de que, dar toda aquela volta pode ser apenas perda de tempo.

— Será que a gente consegue passar por eles sem sermos notadas?

— É o que eu espero — disse Lana seguindo em direção à fonte de luz. — Venha comigo, vamos ficar numa distância segura. Se acontecer alguma coisa eu quero você vá para a direita e se esconda na mata.

— Está bem — respondeu Aline quase que por reflexo, pois na verdade ela não queria avançar de forma alguma.

Quando chegaram numa distância que consideraram perigosa para prosseguir Lana sugeriu que fossem pelo meio da mata, margeando a estrada.

Estavam cada vez mais próximas. Era apenas um ponto de luz fraco e não havia barulho. Olhando para o alto era possível perceber um pequeno sinal de fumaça que cortava o céu. Aparentemente eram poucas pessoas e talvez estivessem em torno de uma única fogueira.

Não eram tropas, se fossem, haveria diversas tochas iluminando o local. Isso despertou ainda mais a curiosidade em Lana, que se permitiu aproximar do seu alvo. Aline ia em silêncio mesmo contra a sua vontade, incapaz de protestar, ou de iniciar uma discussão ali naquele momento ela apenas seguia.

Por trás das arvores Lana avistou a fonte da luz, e como havia deduzido, tratava-se de uma fogueira. Já não era muito forte, sobre algumas brasas um resto de coelho assado ainda permanecia pendurado e ao lado havia um homem recostado numa árvore, possivelmente dormindo portando uma espada na cintura. Os mantimentos próximos ao fogo eram duas sacolas e havia também um cavalo descansando mais à frente. Lana aguçou a visão e tentou ao máximo localizar mais pessoas em volta do local, não avistara ninguém.

O silêncio era imenso, tudo que Aline conseguia ouvir eram os passos das duas no meio da mata, amassando folhas velhas ou quebrando gravetos e o fraco crepitar da fogueira logo a frente.

Por um momento, Lana ameaçou invadir o pequeno acampamento. Aline percebendo a intenção da amiga, segurou-a pelo braço e lançou um olhar que questionava a sua intenção. A jovem ruiva virou-se e apenas fez um sinal para que a menina esperasse ali mesmo.

Aproximando-se sorrateiramente alguns passos à frente, Lana pode ver com clareza que não se tratava de um soldado que dormia. Pelas vestes surradas, ausência de armaduras e pelo tamanho das sacolas, julgou ser um viajante. Era um jovem, deveria ter entre vinte e vinte cinco anos de idade. A pele bem clara contrastava com os cabelos negros que possuía. Por um segundo Lana admirou a beleza o rapaz, mas isso logo passou ao correr os olhos pela cintura dele. A espada! Sua atenção voltou-se totalmente para a arma. Instantaneamente ela cobiçou o objeto de metal. Diferente daquelas que os exércitos inimigos portavam, esta se tratava de uma autêntica lâmina do Oeste. A empunhadura e a lâmina eram longas, de fato uma arma pesada. Mas Lana preferia manuseá-la em vez das lâminas curvadas de menor alcance que poderia obter do inimigo.

“Que incauto!” Pensou Lana. E foi nesse exato momento que se deu conta. Era ela quem estava desafiando o perigo, e resolveu então retornar para perto de sua amiga sem arriscar levar a arma.

Quando virou, Lana foi surpreendida. Um homem enorme de meia idade segurava Aline pelo braço e com a outra mão tapava e boca da menina que não oferecia resistência alguma. Estava completamente paralisada pelo medo.

Virando-se para o outro lado novamente o viajante já se encontrava de pé. De súbito a situação estava completamente fora do controle. Arrependida Lana se perguntava como uma simples distração pode colocar tudo a perder.



Comentários