Fenrir Brasileira

Autor(a): Marcus Antônio S. S. Gomes

Revisão: Heaven


Volume 6

Capítulo 70: Barbatus

Finalmente deixei os portões da cidade de Harp, agora tenho que descobrir onde Barbatus se meteu.

Francamente, o que aquele rinoceronte babaca tem na cabeça? Por que diabos ele não me esperou?

Não! Não é hora para perder o foco, tenho pouco tempo sobrando, se não sei onde ele está só preciso descobrir.

Apesar de estar enferrujado nisso já vivi um bom tempo dentro da floresta junto aos lobos de chifre.

Aprendi a sobreviver e a rastrear minhas presas e inimigos.

Enor me contou que Barbatus havia deixado a cidade com um grupo pequeno de aventureiros.

Foquei minha concentração em meu olfato e captei o cheiro de um grupo de bestiais indo ao leste daqui.

Me agachei no chão e procuro se há algum rastro deixado para trás, para meu azar não havia rastros, pois, a chuva havia apagado tudo, o cheiro também não era tão forte devido ao excesso de água.

Parece que vou ter que confiar em meu olfato apesar de tudo e olhando para o céu tenho certeza que a chuva vai continuar forte daqui para frente.

Suspirei em minha mente, não havia ninguém para me ajudar nesse momento, fora que não posso esperar por ninguém, o cheiro já está bastante fraco, uma outra chuva e certamente o odor se dispersaria.

— Tsk! Devia ter feito o bisão me falar onde era o local.

Bem, é da minha natureza cometer esse tipo de erro afinal.

Sem perder tempo, corri em direção ao cheiro do grupo, não demorou muito até adentrar a floresta densa de Lemur. Saltei pelos galhos das árvores para facilitar minha locomoção, o solo da floresta é mole quando chove muito.

Usei uma velocidade moderada para evitar perder o rastro do cheiro. Felizmente o cheiro ficou mais forte.

— Beleza! Estou no caminho certo.

Desci um pouco para o chão e observei alguns galhos e arbustos quebrados, com certeza eles passaram por aqui. Bestiais são cuidadosos por natureza em não deixar esse tipo de rastro, mas tendo em conta a situação crítica eles decidiram apertar o passo descartando o cuidado.

Também é complicado andar com cuidado pela floresta com um grande grupo.

Vejo algo interessante no solo e me aproximo, eram pegadas, toquei nelas e senti que não estavam frescas.

— Duas ou três horas, talvez…

De qualquer forma, foi sorte encontrar pegadas dado em conta a chuva, ainda bem que o tempo decidiu dar uma folga agora.

Voltei para cima das árvores e saltei com uma velocidade maior, uma vez que o cheiro ficou mais forte, também era mais difícil perdê-lo.

Perto de um rio, achei rastros de um lugar que, provavelmente, eles usaram para descansar, com isso ao menos descobri que o grupo passava de trinta pessoas.

— Umas trinta pessoas contra uma legião? Barbatus é mais burro do que eu ou o que?

Cocei minha cabeça pensando na situação. Para começar é mesmo possível vencer muitos inimigos? Fiquei mais forte, porém eu já vi grandes insetos serem subjugados por um formigueiro, ou seja, os números podem superar a qualidade.

Para falar a verdade, nunca experimentei uma guerra e nem queria, mesmo que os membros da Predatory sejam um bando de bundões eles ainda têm orgulho o suficiente para encarar uma situação adversa.

Enquanto caminhava por algumas horas, sentia o cheiro do grupo ainda mais forte, isso significava que estava me aproximando.

Uma boa notícia pelo menos. Embora ficasse surpreso com a velocidade de locomoção do grupo, não podia me dar ao luxo de deixar a diferença crescer, por isso acelerei o passo para alcançá-los o mais rápido possível.

O engraçado é que tinha escutado que o local onde a Predatory estava se escondendo não era tão longe de Harp, segundo o que Mike havia me informado. Contudo, já estou a quatro horas no encalço do grupo de Barbatus.

Mais uma vez reparo em algum rastro e me aproximo. Dessa vez as pegadas estavam bem desordenadas, parecia que algum tipo de luta aconteceu no local.

Passei minha mão sobre os rastros e confirmei minhas dúvidas, definitivamente houve conflito nessa área.

De alguma forma me senti preocupado por Barbatus.

— Hmm! Não há sinal de sangue em lugar algum, houve um conflito, mas ele deve ter sido resolvido rápido com a captura de alguém.

De qualquer forma, agora que percebi isso, não acho que seja uma boa ideia me aproximar do grupo sem saber o que aconteceu. Talvez tenha sido uma briga interna que tenha sido resolvida, ou talvez tenha sido uma emboscada armada por membros do grupo. Será que Barbatus está bem?

Tendo em vista esse novo dado, não posso me aproximar do grupo sem averiguar a situação. Devo prosseguir com cautela.

Me levantei do local dos rastros e continuei a procurar, dessa vez de forma mais furtiva.

Guardei minhas correntes Gleipnir em meu espaço dimensional, elas são ótimas “armas”, mas infelizmente fazem muito barulho quando me locomovo rápido.

Claro que retirei uma arma dada a mim por Bartor, uma espada longa. Posso não estar com minha melhor arma, porém ficar sem nenhuma forma de defesa é tolice.

Com os preparativos feitos, saltei por cima de uma árvore alta, irei prosseguir por cima para ter uma melhor visão.

Graças a minhas perícias, (Furtividade)(Ocultar presença)(Equilíbrio) e minha habilidade [Movimento rápido] podia saltar sobre as galhas sem fazer muitos ruídos.

Não demorou muito até o meu olfato captar o cheiro do grupo a frente, felizmente a chuva havia dado uma trégua assim criando um ambiente perfeito para farejar.

Diminui meu movimento ao mínimo e prossegui contra o vento para evitar que algum bestial de faro apurado me rastreasse, antigamente não seria tão cauteloso, mas adquiri um pouco da experiência de vida do Fenrir, acho que isso me deixou mais cuidadoso e sábio.

Não demorou até poder escutar uma conversa:

— Ei! Ei! Isso é mesmo certo?

— Cale a boca, idiota! Essa é a melhor escolha, não podemos vencer um exército tão numeroso apenas com coragem. Tolos sempre serão tolos, mas não me ponha no mesmo barco que o seu, minha família ainda não saiu da cidade.

— Eu compreendo até certo ponto sua preocupação, mas isso é errado! Barbatus é um herói do povo, para ele receber tal tratamento.

Arregalei os olhos para essa conversa que me pareceu perigosa e me aproximei até o ponto onde fosse possível ver o grupo sem ser percebido.

Meus olhos não acreditaram no que viam. Barbatus estava preso a amarras de energia mágica restringindo seus movimentos, seu estado era lamentável como se sofresse com uma luta unilateral.

Foi então que me lembrei dos rastros que havia identificado a algum tempo atrás. Rastros que sinalizavam uma luta que acabou rápido.

O grupo era grande, contando haviam cerca de trinta e cinco bestiais, mas apenas Barbatus estava amarrado.

Inclusive Zizis, que assistia a discussão entre os dois com olhos lamentáveis, não estava amarrada como Barbatus.

O grande rinoceronte respirava pesadamente com hematomas em seu rosto. Ele olha para Zizis e a questiona:

— Mesmo você, Zizis?

A leoa virou o rosto evitando contado, mesmo assim era possível ver a amargura em sua face.

— Era preciso! Não posso deixá-lo prosseguir com essa loucura.

— Loucura?! Então você concorda com Aurus? Logo você, Zizis!

Não podia acreditar na situação, não precisava ser nenhum gênio para entender o que estava acontecendo, o grupo se opôs a decisão de Barbatus e a maioria decidiu pará-lo. Faz sentido que ele esteja um pouco machucado, dado em conta a natureza desse rinoceronte ele não desistiria calado.

Zizis que tinha um olhar arrependido ao notar os ferimentos de Barbatus falou:

— Barbatus, os números são tudo nessa situação, você mal conseguiu vencer um grupo de aventureiros, acha que pode lutar contra um número ainda maior de inimigos? Enxergue a realidade, por favor.

Barbatus bufou:

— Hunf! Então faremos o que? Vamos dar um dos nossos como oferenda? Ferus é um aventureiro como qualquer outro aqui, a simples menção de entregá-lo a Predatory vai contra todo o código que o aventureiro tem uns com os outros.

As palavras de Barbatus parecem atingir a todos ao seu redor de forma dolorosa, mas ninguém mostrou sinal de arrependimento pela decisão tomada.

Zizis argumenta:

— Ninguém aqui foi louco o suficiente para desafiar a Predatory, você sempre supervalorizou o lobo negro, mas a verdade é que ele se meteu nessa situação sozinho, por que temos que enfrentar uma situação que ele sozinho criou? Embora entenda seus argumentos, você também deveria entender o nosso ponto.

— Haha…. Hahahahahahahaha!…. — riu Barbatus.

Um dos colegas aventureiros questionou a atitude de Barbatus:

— Isso não é engraçado!

Barbatus balançou a cabeça de um lado para o outro e encarou seus companheiros com olhar de pena.

— Vocês são cegos!

Todos botam os olhos sobre Barbatus que continuou:

— Ferus não criou essa situação sozinho, ela já existia a muito tempo, mas a covardia instalada em nossos corações permitiu que fechássemos os olhos para o que estava acontecendo. Sempre houve humilhação, sempre houve desigualdade, sempre houve perigo.

Um aventureiro mestiço questiona Barbatus:

— O que você sabe? Como um bestial de sangue puro você não pode falar por nenhum de nós aqui, o mesmo vale para Zizis que foi abençoada por nascer com sangue da realeza.

Zizis fechou seus olhos ao escutar as palavras do jovem que afrontou Barbatus, para ela não existia palavras cabíveis para negar o fato jogado em sua cara.

Contudo, Barbatus ousou responder:

— É verdade, não nego que como um bestial de sangue puro seguia minha vida em uma posição privilegiada, mas ao menos nunca fechei os olhos e sempre estendia a minha mão a aqueles que necessitavam. Dito isso, eu devolvo a pergunta… por que você, que tem o sangue mestiço, não fez nada por seus companheiros? Alguma vez já tentou ajudar um semelhante oprimido pelo rótulo tolo de “mestiço”? Eu posso ter o que vocês chamam de “sangue puro”, mas ao menos nunca deixei de ajudar ninguém independente do rótulo tolo que me foi dado, afinal só enxergo bestiais entre nós.

O bestial mestiço que afrontou Barbatus cerrou seu punho e mostrou um rosto frustrado, pois ele também não podia negar as palavras do grande rinoceronte.

Barbatus abriu a boca com determinação:

— Vocês vão aguentar até quando? Pretendem mesmo deixar essa divisão esmagar o futuro de seus filhos? … “Mestiços” e “sangue puro” … Vão mesmo aceitar esses rótulos até o final de suas vidas, ou vão abrir seus olhos e finalmente entender que todos são bestiais?

Zizis respondeu:

— Barbatus, ninguém aqui acha errado o que está dizendo, todavia, para pouparmos o máximo possível de vidas devemos negociar, uma solução pacífica é a melhor saída.

Barbatus apertou os olhos e zombou:

— Saída pacífica? Desde de quando negociamos vidas? Você é tão arrogante ao ponto de achar que o valor de uma vida é compensada com outras? A realeza é mesmo arrogante.

Zizis grita ofendida:

— NÃO ME DEFINA COMO QUER!

— Estou te definindo pelo o que está me mostrando — declarou Barbatus, enquanto encarava Zizis nos olhos.

A leoa apertou a face em desgosto e deu as costas para Barbatus.

Barbatus apenas olhou para ela enquanto se afastava, mesmo que fosse apenas para suas costas.

De um local seguro coberto por folhagens, apenas podia assistir a isso tudo.

Provavelmente os aventureiros se voltaram contra Barbatus e decidiram que me entregar era a melhor solução. Por isso o ataque de Enor aconteceu.

E pela primeira vez, comecei a me questionar se essa não era a melhor escolha.

Apertei meu punho com força e pela primeira vez sentia em meu coração a incerteza sobre mim mesmo.

Para mim, Hiekf, Hellen, Stela, Millin são como a família que perdi, eu quero protegê-los com tudo, mas todos também querem proteger suas famílias, o que me dá o direito de negar isso a eles?

Foi quando, em minha mente, a imagem de Hellen queimou forte. Me lembrei de que se eu cair o pior acontecerá a ela, Ranpa e Azfir, ambos desejam se apoderar de Hellen.

Não posso deixar isso acontecer. Não! Jamais permitirei que isso aconteça.

Encarei aquele grupo desesperado e não pude sentir ódio por eles, não pude fazer nada para eles. Foi quando eu percebi que na verdade eu nunca quis fazer nada para ninguém.

Depois de muito tempo, lembrei-me da forma tola que meu pai morreu na frente dos meus olhos, um jeito inútil e tolo de morrer só para dizer que tinha algum orgulho, nunca botei para fora meus pensamentos. Todavia, era isso mesmo que sentia em relação a morte do meu pai.

Lembrei-me das chamas consumindo o corpo da minha mãe, enquanto o bispo Sillas sorria, eu não pude fazer nada também, apenas assistir aos poucos o corpo de minha mãe se transformar em cinzas.

Meu irmão, que foi o último laço que me foi tirado, sempre pensei no porque dele ter me lançado no abismo escuro daquela masmorra infernal, ele havia me dito que começou a acreditar nos deuses, mas me pergunto se ele mesmo não queria apenas evitar me ver sendo morto em sua frente.

Coisas que não queria pensar…. Não, coisas que eu evitei pensar, coisas que me assustavam, coisas que temia.

Após perder tudo, achei que não seria possível obter o que foi tomado, foi aí que conheci Hiekf que é como um pai substituto. Não demorou muito para me apaixonar pela primeira vez em minha vida pela Hellen.

Cada dia conheço mais pessoas e a relutância em meu coração vem diminuindo, por isso não posso culpar ninguém por se desesperar, mesmo que isso me prejudique. Eu comecei a entender os outros e também a respeitá-los.

Olhei para minha própria mão e sorri um pouco, embora fosse um sorriso amargo.

Não há muito no que se pensar, afinal existe uma forma de vencer.

Barbatus ainda estava imobilizado, poderia ir até lá e salva-lo, porém, seu maior inimigo deveria ser eu mesmo, ainda assim ele nunca me enxergou dessa forma, pelo contrário, ele tentou me proteger.

Não há saída, tenho que dar um jeito nisso sozinho.

Fechei minha mão e me desculpei em meu íntimo por Barbatus, pois não iria ajudá-lo agora.

Na verdade, fugi dali com pressa e procurei por um lugar distante, por sorte achei uma pequena colina próxima, subindo nela cheguei até o topo e me sentei.

O vento bateu em meu rosto, a chuva voltou a cair. Com isso, embora estivesse fraca, todo meu corpo ficou ensopado, minha armadura danificada incomodou um pouco, no entanto, isso nem sequer era um problema dada a situação.

Respirei fundo e fechei meus olhos, estava me concentrando em olhar dentro de mim.

Foi aí que cheguei a um lugar branco, não existia teto, não existia chão, apenas o branco puro.

Dei um passo a frente, não só meus pés tocaram o chão invisível, como também ondulações foram criadas iguais aquelas que se formam ao jogar uma pedra no lago.

Essas ondulações continuavam a cada passo dado, foi então que percebi meu reflexo no chão.

Da última vez que estive aqui, apareci como Willian Greivis, mas agora sou Ferus, assim como deveria ser.

Contudo, aquele à minha frente ainda possuía a sua forma original. Falo do grande lobo da fama.

Não importa quantas vezes eu o encare, ainda é surpreendente. Sua figura tão alta como uma montanha me defronta com seu olhar penetrante de cor âmbar.

Com um sorriso, ele exibe sua pelagem azeviche com orgulho.

— FAZ UM POUCO MAIS DE SEIS MESES QUE NOSSAS EXISTÊNCIAS SE TORNARAM UMA, MESMO ASSIM ESSA É A PRIMEIRA VEZ QUE VEM ATÉ MIM E NÃO O CONTRÁRIO. EMBORA PREFIRA A POSIÇÃO DE ESPECTADOR, ME FAZ MUITO FELIZ QUE VENHA ATÉ AQUI E LEMBRE QUE TAMBÉM SOU UM RECURSO, MESMO QUE SAIBA DO QUE SE TRATA, UMA VEZ QUE VOCÊ E EU SOMOS UM, AINDA QUERO ESCUTAR DE SUA BOCA SEU DESEJO POIS, COMO HAVIA PROMETIDO, ESTOU AQUI PARA REALIZÁ-LOS.

Não pude fazer nada -a não ser sorrir de volta- para boa vontade desse meu parceiro inseparável.

Encarei o Fenrir com seriedade e fiz meu pedido:

— Desculpe, mas não consigo resolver essa situação sozinho, por favor, me empreste a sua força.

O Fenrir sorriu.

 

Um agradecimento especial aos revisores que auxiliaram o capítulo: Stewie, Elisson e Rodrigo Silva. Vocês são demais o/



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