Fenrir Brasileira

Autor(a): Marcus Antônio S. S. Gomes

Revisão: Ana Paula


Volume 6

Capítulo 67: Estranho encontro

A chuva caia em peso, o céu mórbido e cinzento parecia mostrar seus lamentos para o mundo. Conheço bem a beleza de um dia de chuva, mas não havia tal beleza nesse instante.

Era como o lamento dos céus.

Embora fosse insuportável, eu ainda caminhava corajosamente enfrentando essa chuva melancólica.

Meu peito apertava diante de um sentimento de preocupação, instintivamente sentia que algo ruim iria acontecer.

Por um breve momento parei e encarei os céus, as gotas da chuva explodiam em meu rosto, mesmo assim encarei o céu hostil tentando aliviar meu receio.

Sem perceber, deixei sair um murmúrio abafado de meus lábios:

— Droga!

Alguma coisa não estava certa, sabia bem disso.

Em meio a chuva forte, retomei meu caminho. Por todo lugar procurei por Barbatus, um bestial do clã Rinoceronte e também um dos meus raros aliados.

Hiekf havia deixado a cidade de Harp e partido para capital Bérius.

Odiava admitir, mas me sentia solitário, em um momento como esse, aquele gnoll apareceria com uma ideia brilhante e daríamos um jeito em tudo.

Os aventureiros em peso não querem cooperar comigo, não é como se eu não pudesse entender os sentimentos deles, mas de alguma forma me sentia traído.

A chuva ficou mais forte, soltei um riso irônico para a situação, mas simplesmente não conseguia parar de caminhar.

Meu corpo ensopado pela chuva era irrelevante para mim e caminhar sempre me ajudou a botar os pensamentos em ordem.

Sim, havia muito para se pensar. E entre todos os pensamentos, o mais importante: “Proteger meus aliados”.

Ao me lembrar do rosto de Hellen meu coração mais uma vez aperta, não consegui nem cogitar a possibilidade de perdê-la.

Embora agisse com calma em sua frente, na verdade, sofro com aflição, “será que posso protegê-la?”, esse pensamento se tornou um amargo purgatório mental.

Suspirei alto, ainda que estivesse sozinho.

Meus pés encharcados atravessam sem problema a grande poça d’água à minha frente.

Enquanto caminhava, olhei adiante e parei meus passos.

Uma figura defronte me surpreende. Trata-se de um bestial com cabelos escuros, ele bloqueia o único caminho no qual poderia ir sem retroceder.

Esse bestial se assemelhava a Aurus Cannis, no mesmo momento conclui que se tratava de um indivíduo pertencente ao mesmo clã que o dele, o clã dos cães negros.

Ele me encarava de forma penetrante com os braços cruzados mostrando uma posição imponente.

Não o notei antes, pois a chuva atrapalhou meus sentidos, meu faro e audição foram afetados pela chuva forte.

Sem temer, caminhei em direção ao bestial em questão até que em um momento ficamos frente a frente.

Ele me encarou nos olhos de forma penetrante e com um sorriso ameaçador.

No entanto, ignorei sua existência e desviei dele continuando meu percurso.

Sentia os ombros dele tremerem de raiva, mesmo assim ignorei e continuei a caminhar.

— EIIIIIII! — ele gritou.

Parei por um momento sem me virar e perguntei:

— O que?

O bestial se vira e encara minhas costas com uma veia saltando de sua testa.

— Como ousa?

Com um rosto calmo pensei em uma resposta de forma descontraída:

— Se existe um obstáculo em seu caminho não é normal desviar?

Não sei o porquê, porém ele parecia bastante irritado com minha resposta, me pergunto se falei algo rude?

O bestial continuava me encarando com uma grande raiva, mas chovia forte e eu queria achar um abrigo, por esse motivo falei:

— Não pode ser outro dia?

— Hã? — o bestial parecia aturdido com meu pedido.

Cocei a parte de trás da minha cabeça e pedi dizendo meus reais sentimentos:

— É que hoje as coisas não andam muito bem para mim, além de tudo está chovendo, talvez tenha feito algo que te ofendeu no passado, mas mesmo não sabendo quem você é me desculpe, ok ?

Novamente não sei o porquê, mas ele ficou ainda mais irritado, como posso dizer, ele ficou vermelho, dava até para imaginar a água da chuva evaporando sobre ele. Cara, por mais que eu tente não fazer isso, parece que tenho um talento idiota para irritar as pessoas.

O misterioso bestial respira fundo e pede:

— Venha comigo!

Achei estranho esse pedido então neguei:

— Não, obrigado!

O homem então ameaça:

— Estou falando isso para seu próprio bem, sabia? Resolver as coisas com você impediria que meus amigos recorressem a táticas sujas, como, por exemplo fazer alguma coisa contra as pessoas daquele restaurante.

Senti o ódio ferver dentro de mim:

— Seu maldito!

Agora eu entendia, provavelmente não era um membro da Predatory, mas definitivamente era meu inimigo.

O bestial estende sua mão em um gesto de calma e revela:

— Não pretendo recorrer a uma tática tão covarde, no entanto ninguém poderia impedir um ou dois aventureiros revoltados, não é?

Foi nesse momento que me liguei, havia uma plaqueta de identificação no pescoço desse cara, ele pertence ao ranking platina, um posto pouco acima do meu.

Esse cara é de alguma forma estranho.

— Me diga! Nunca vi um aventureiro acima do ranking ouro em Harp, pelo que sei eles preferem se mudar para capital e ganhar a vida lá, o que um residente da capital quer aqui?

Ele me encara com seriedade e depois de um suspiro expressa:

— Você não tem ideia, não é mesmo?

— ….?

— Sendo franco, você causou muitos problemas e agora a cidade de Harp está em perigo.

Não podia refutar as palavras desse cara. Ele continua:

— Um pedido saiu da guilda de Bérius, esse pedido é para capturá-lo e te entregar para Predatory evitando a destruição de Harp.

Torci meu rosto para a revelação feita por esse cara, ao mesmo tempo, não posso ignorar que essa decisão foi coerente.

Ninguém sacrificaria uma cidade por apenas uma pessoa, nesse caso eu.

Achei que devia algum respeito a esse cara por ser direto, então disse minhas intenções:

— Não vou me entregar de bandeja para ninguém.

— Nesse caso, o que vai fazer? Correr ou lutar?

— Quem você pensa que sou? Acha que vou fugir com o rabo entre as pernas? — respondi com um rosto irritado a pergunta impertinente desse cara.

— Uhuhuhuhuhu! Não, nunca pensei que você faria isso, apenas quis te provocar um pouquinho.

Estiquei meu braço direito e fiz as correntes Gleipnir que sempre estão enroladas em meu braço tomarem a forma de adaga.

[Shackle Daggers]

O bestial observou a transformação da Gleipnir sem surpresa, mas exclamou:

— Interessante.

Contudo, o bestial misterioso informa:

— Vamos lutar em outro lugar, me acompanhe.

Não havia motivos para recusar, se fosse uma armadilha ficaria menos preocupado em acabar com esse maldito.

Perguntei sem rodeios:

— Quem é você?

O bestial que andava mostrando-me o caminho parou por um momento e respondeu:

— Meu nome é Gale, Gale Cannis.

— Você tem algum parentesco com Aurus?

— Não exatamente, em Lemur sobrenomes são uma mera formalidade, na verdade, são apenas um indicativo para determinar a que clã pertence. Claro que essa formalidade só serve para os bestiais considerados “puros”.

— Hunf!….

— Bom! Não é como se um mestiço compreendesse afinal.

— Eeeeh? Para mim você não é diferente de um mestiço, seus traços humanos são muito evidentes, a Predatory não o trataria bem só pelo sobrenome, sabe.

— Tsk! Não me confunda lobo negro, eu nunca me associaria aos lixos que compõe a Predatory. O que estou fazendo se resume unicamente ao meu trabalho.

— Hou! Entendo, entendo! — Respondi com um sorriso cínico.

O lugar que esse cara está me levando parece um pouco longe, isso me deixa inquieto, se for para lutar qualquer lugar serve na minha opinião.

— Ei! Ei! Isso está demorando, não tenho tempo para dar uma caminhada com você sabia? Além disso, está chovendo.

— Uhuhuhu! Paciência, lobo negro, só mais alguns passos.

Logo entendia aonde ele queria me levar, se tratava da praça central de Harp, um lugar que, em dias de comércio mal dá para se mover direito, é preciso se espremer entre as pessoas para andar.

Todavia, era diferente hoje. Um lugar que um dia foi uma feira cheia de vida, agora se resume a uma praça vazia, sem nenhuma barraca montada, pela primeira vez pude contemplar o tamanho desse espaço.

Era a metade de um campo oficial de futebol e isso é muito espaço se pensar bem.

A chuva enfraqueceu um pouco, mesmo assim ainda foi desagradável caminhar nesse clima. Estava frio.

Gale Cannis seguiu em frente, porém eu parei meus movimentos, pois havia percebido algumas presenças incômodas.

Foi em um pequeno prédio modesto que voltei minha atenção. Escutei algumas risadas desdenhosas vindo de cima.

— Ahahahaha! Ele veio mesmo.

Havia alguém sentado sobre o parapeito da cobertura prédio em uma postura relaxada, ela balançava as pernas como se ignorasse completamente a situação.

A figura de uma bela mulher, com cabelos loiros compridos que se espalharam pelo vento. Suas vestes eram leves e lembravam a vegetação da floresta pela cor esverdeada vívida.

A beleza ainda possuía características mais marcantes, como a cor azul profunda de seus olhos e suas orelhas levemente pontudas.

— Uma elfa? — murmurei.

— Meio-elfa, na verdade — um outro personagem responde.

Ao lado da meio-elfa apareceu outra pessoa, sua figura bem construída que chamou a atenção, sem falar que ele é um tipo não comum de bestial.

Seu corpo foi coberto por uma pelagem marrom castanho, sua altura era próxima à altura de Barbatus, uma pessoa gigantesca, de fato.

Como sua aparência demonstrava, tratava-se de um bestial de sangue puro, seu rosto era basicamente como a cabeça de sua contraparte animal com um par de chifres alongados saindo das laterais de sua cabeça apontando para cima. Tratava-se de um bestial puro do clã bisão.

É sempre surpreendente ver um bestial bisão. Esse em especial usava uma meia armadura de couro segmentada, seus braços estavam cruzados mostrando sua imponência, em suas costas havia uma alabarda maior que o normal.

— Hou! — Murmurei com cinismo.

O bisão se apresentou:

— Meu nome é Enor, essa ao meu lado se chama Indys.

Ao se apresentar, um forte vento misturado a chuva que enfraqueceu levemente, passou pelos dois.

O vento forte levou os cabelos loiros da meio-elfa as alturas, ainda que eles estivessem molhados, mas não foi isso que me chamou a atenção, sua plaqueta de identificação se demonstrou com o
vento, uma plaqueta do ranking Torium.

Nunca havia visto um ranking maior que ouro em Lemur excluindo Alba Lepus.

O bisão ainda ostentava uma plaqueta de maior ranking em seu pescoço, uma plaqueta do ranking Orinculum, o mesmo nível de Alba Lepus.

O pior ainda não havia passado, em um telhado de outra casa, mais duas figuras surgiram com expressões sarcásticas.

Ambos se vestiam como assassinos, encapuchados e escondendo seus rostos com máscaras de pano, mais ainda podia ver a malícia em seu olhar, a máscara não escondia seus olhares maculados.

Eles eram humanos, mesmo diante de suas vestimentas podia identificar, também os dois estavam a favor do vento, então o cheiro foi bem característico diferenciado do odor bestial. Meu olfato funciona bem mesmo na chuva.

Ambos eram do Ranking Torium por suas plaquetas.

O bestial canino que me guiou até aqui saltou e se juntou ao bisão e a meio-elfa.

Suspirei em minha mente, sabia que isso iria se tornar uma situação irritante.

— Ei! Não acham que estão pegando pesado contra um aventureiro que ainda está no ranking ouro?

Enor, o bestial bisão sorriu e respondeu:

— Não há exageros aqui, a situação crítica que Harp passa por sua causa não é digna de economias de esforços.

Dei os ombros com desdém e critiquei:

— Cara! Deslocar aventureiros da capital só para lidar comigo? Talvez eu valha o esforço, não é?

A meio-elfa ficou farta e declarou:

— Vamos parar com as conversinhas, sendo sincera, não estou nem aí para situação dessa cidadezinha, mas a recompensa por você é grande, então não me leve a mal — Ela pisca tentando parecer fofa.

Dei um olhar soslaio para a atitude irritante dela e armei minha postura.

Usei grilhões das correntes Gleipnir anexadas em meus braços que detinham a forma de adagas afiadas.

A meio-elfa se levanta e conjura uma magia misteriosa, iniciando um cântico:

“Ô grandiosa Magnolia, mãe de todas as árvores, conceda a sua filha o poder de atravessar qualquer barreira, dispor de qualquer muralha e até mesmo de transpassar as ilusões”

— {Silvervine Bow}

Do nada, vinhas prateadas e brilhantes foram conjuradas dando aos poucos a forma de um arco, em seguida esse estranho arco de vinhas prateadas pousou na mão da meio-elfa chamada de Indys.

Fiquei surpreso em presenciar sua magia, pois era bem diferente de algumas que havia visto pessoalmente.

Também não sabia que era possível invocar armamentos com magia.

Enor também não ficou parado, dando um passo à frente ele desembainhou sua alabarda gigante e desafiou:

— Lobo negro Ferus, eu respeito sua fama, contudo sua ascensão chegou ao fim no momento em que entrei em seu caminho.

Mais uma vez passei rapidamente minha visão aos arredores para confirmar as posições de cada um.

Os dois humanos mascarados portavam facas estranhamente curvadas, o cheiro nocivo vinha de suas lâminas, provavelmente era veneno.

O bestial chamado de Gale portava uma espada curta.

Mas o bisão era a coisa real, sentia dele uma aura que superava a dos demais aqui.

Parece que não é meu dia de sorte, pois a chuva ficou mais forte.

 

Um agradecimento especial aos revisores que auxiliaram o capítulo: Stewie, Elisson e Rodrigo Silva. Vocês são demais o/



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