A Voz da Névoa Brasileira

Autor(a): Saber Hero


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 26 - Levita Carlos, Levita.

Elijah, como preferia ser chamado, prometeu a Carlos que pelo menos um dos seus mais insanos desejos seria enfim realizado, entregando-lhe em uma operação clandestina, durante a transferência das tropas para Levítica, um esférico e inorgânico olho biônico.

A operação, feito às pressas na nave de carga onde abrigavam os outros integrantes da tropa técnica auxiliar, foi realizado por um androide médico, sem que fossem aplicados Deopax, morfina, ou qualquer anestésico. Apenas uma jarra térmica, vedada com fluído amniótico, serviu na operação, armazenando seu verdadeiro olho, qual Elijah Oliver-Pine afirmou que retornaria ao fim da bélica e sangrenta jornada de Carlos.

O olho biônico era do modelo Ah-2031, produzido pela empresa privada Ab’Homine, com sede matriz no HUD. Era recente no mercado, com foco de serventia em obras de grande escala, ou mais precisamente em obras do que chamavam por terraformação, que envolvia desde atividades extrativistas complexas de mineração, reformulação topográfica, rearranjo de fluídos massivos e rotas fluviais, além dos trabalhos já conhecido nas fábricas de gases (que vão desde os grandes lagos produtores de oxigênio através das ciano bactérias adaptadas, as florestas primitivas nos polos marcianos e as grandes planícies desérticas próximas as florestas tropicais, além das fábricas de gases originais, consideradas o modelo ideal). Por ter finalidades de terraformação, o olho biônico era capaz de enxergar infravermelho. Seu uso militar era óbvio.

A sargento Biancucci, que acompanhou o procedimento cirúrgico ao lado do androide, o observava com algum fascínio.

— Nem parece que é de mentira... — ela disse.

— Se eu ainda enxergo, é porquê é de verdade. — parecia loucura ainda ver cores tão mais vivas e distintas, graças a quantidade maior de cones na nova retina.

— Eu não estou falando disso. Sua íris igualou. Veja só, castanho. Um profundo castanho latino.

Estranho, ela também disse, você parece ter ficado mais bonito. Um cavalheiro eletrônico, finalizou com estonteante sorriso.

Carlos, olhando profundamente no mar de seus olhos azuis, quis saber porque essa católica degenerada enfim te dava atenção. Repensou, foi tomado por um ar de sussurro. É o ofício...

Magalhães, de fundo, também observava com um sorriso.

— Você foi corajoso. Quis tanto essa merda, e conseguiu, não foi?

Verdade, Carlos se levantou da cadeira de operações, que mais parecia com a de um dentista.

— E você fica mais bonita sob esse espectro.

Era uma tola, rindo depois de se expressar tão confusa. É uma cantada? Ela perguntou e Bacci aproveitando a deixa, falou que era por isso que Carlos ainda era virgem. Um clima agradável, todos riram.

— E como é que é? — Lykaios perguntou. — Você enxerga nossa alma?

— Sim, estou rodeado por um bando de pecadores.

Com os ajustes da CPU integrada no seu crânio, Carlos conseguia ter uma percepção bem diferente. As cores, como já dito, eram mais vivas e pareciam haver uma distinção bem maior entre elas. Onde o extintor de emergência repousa, ele via que o vermelho característico não era uniforme, mas um padrão curioso de tons mais fortes e mais frágeis. No amarelo pintado no machado de emergência, até conseguia distinguir os tons que pareciam ocupar célula por célula até formar justamente o âmbar. Ele levantou, foi até janela, se surpreendendo com o fato de que, em detalhes, via o plainar suave de um urubu carniceiro a quilômetros de distância. O mundo é mais bonito, ele pensou, quando temos os olhos certos.

— Cuidado, homem. — Biancucci o tomou pelos ombros, após uma vertigem que ele disse não passar de uma tonta turbulência.

— Você vai se sentir meio desorientado. Os bastonetes... a parte responsável pela receptação de luz ainda está meio... como se diz... meio whoops! Você deve se sentir enjoado e sonolento por uns 3 dias.

— Que merda, hein...

— Imagina se você tivesse trocado os seus 4 membros. Iam ser meses para se acostumar.

4? O sorriso devasso entregou a piada antes de completar sua frase.

— Acho que vou dormir. Deve ser melhor para mim. Me acordem em levita...

Levítica, Carlos! Pérez guardava seu sorriso. Não erre, é Levítica, Carlos.

E ele dormiu.

Curioso. Juan Versalhes que, em um canto lia distraidamente alguma passagem em seu computador de mão, pensava no quanto um homem pode ser diferente. Isso é, no quanto um homem pode ser avassalador em sua própria mudança. Até pouco tempo atrás, Carlos era apenas um estranho, amigo de homens tão estranhos quanto.

Versalhes também refletia: ele mesmo havia perdido um braço e sentiu a dor de um milhão de agulhas em seu membro destruído, só conseguindo mexer seus dedos após uma ou duas semanas de meditação constante. Carlos acabara de realizar uma cirurgia sem anestésicos. Uma simples IA enfermeira, posta no corpo torpe de um androide ultrapassado, fez o milagre do cérebro de Carlos aceitar aquele amontoado de informações num tiro só. Que coisa... talvez Deus tenha mesmo seus preferidos, observava-o dormir no colo de Magalhães, Ou talvez ele é mais do que diz ser.

O recruta Antunes, que era da mesma região, simpático, mas tímido, era quase que totalmente indiferente para aquela criatura metamórfica. A sargento Biancucci, que até então sempre pareceu muito inimiga de Carlos, agora está ali, mimando-o como um gato!

Uma coisa é verdade: Versalhes não gostava do Cabo Andrade, sentimento esse que vinha o irritando desde o primeiro dia que o viu — sentado naquele caminhão de campanha como se fosse um estranho, sem apresentar seu nome nem nada. Quando descobriu que era um veterano sobrevivente do desastre em Genoa, sentiu pena, mas suas ações pareciam mais uma revelação de um recruta despreocupado do que um sério oficial sobrevivente de um massacre. A amizade dele com os recrutas também era assustadoramente vulgar. Num sentido amplo, ele que já havia ocupado uma posição bem mais relevante, parecia se assustar com seu repentino rebaixamento, estando abaixo de um homem que desde o começo julgou inferior.

Hans Reiter e Giancarlo Mattia também pareciam gostar de Carlos. Uma loucura desmedida!

Um fato sobre Versalhes: lutando com Giancarlo Mattia a mais de cinco anos, o que ele mais odiava era o vulgarismo dessa parte do mundo.

Fez parte de um grupo mercenário chamado de Os tártaros, mas com treinamento formal de um dos exércitos mais bem treinados de Marte. Se não fossem suas sérias questões com exércitos formais, nações e suas pessoas, talvez hoje fosse um tenente.

Felizmente, preferiu os tártaros ao exército Edeniano; ser um mercenário brincando em operações clandestinas de emboscada e contrainteligência, é divertido, ele pensava; lugar onde passou boa parte da vida nos limites entre o quadrângulo de Noachis e de Hellas, próximo de Afrikanyer em seu esplendor, trabalhando com narcotraficantes e comunistas revolucionários. Vulgar? Talvez...; algum objetivo? Dinheiro, claro! Mas Giancarlo Mattia parecia acreditar no destino de ação que Oliver-Pine pregava, como sendo Deus o único que ainda nos dá forças para lutar e que o destino de todos os homens é preservar e seguir sua palavra, não importando os meios, o que agrada Versalhes, fazendo-o pensar que no fim, ainda era um soldado de Cristo.

Curioso, pois, em certo grau, mesmo acreditando no destino de ação e nos Eclesiásticos, não foi capaz de continuar sua carreira militar formal.

Nascido em Eden, numa região famosa pelo ofício de extração mineral e siderúrgicas, Versalhes passou toda sua vida escutando sobre como os distritos se esqueceram do que mantém o homem, sendo esta a perfeição, e a perfeição é outorgada por Deus; que os engravatados se esqueceram que a vida que criamos não nos fazem Deuses e que precisamos ter humildade para seguir adiante.

Versalhes acreditava, sim! Definitivamente ele tinha a crença de ser um guerreiro de Deus, e que conquistaríamos as estrelas sob seu nome. E claro, ficar do lado desse bando de pagãos, idólatras, comunistas de merda e traficantes era só uma parte, só um plano. A palavra iria tocar o peito de todos, e o resplandecer seria belo.

Entretanto, Versalhes não acreditava inteiramente em Oliver-Pine. Na batalha dos sussurros e desertos, quando explodiram as 3 vilas esquecidas, o saque, a destruição e o massacre o fez, de alguma forma, descrente da luta que lutava. Não à toa, deixou o exército eclesiástico por um cargo mais burocrático em Eden, o que também não deu certo.

Conheceu Giancarlo Mattia a uns cinco anos, quando organizou uma milícia na fronteira entre Levítica e Kanto com alguns amigos, com o objetivo de combater uma célula terrorista que buscava a independência na região. Giancarlo Mattia parecia um duplo agente, fornecendo armas para ambas facções enquanto a guerra ainda estava fria, organizando seu próprio grupo de mercenários com alguns soldados descrentes. Pérez era um deles, de Afrikanyer, um muçulmano convicto.

Enfim, sua jornada como mercenário havia o posto em diferentes países e até uma rápida passagem pelos distritos. Sua bandeira independente e multicolor parecia ser de confiança, principalmente em questões que exércitos formais não poderiam participar, como uma invasão simples de fronteira para executar uma célula terrorista, ou um acidente a gás na casa de alguma pessoa importante — trabalhos em que os ricos e poderosos devoram a si mesmos.

Não soube, entretanto, quando ou como surgiu o interesse de Mattia na guerra. Talvez as notícias sobre o ataque a Genoa tenha o sensibilizado, principalmente sendo natural de Roma. Soube que Enrico Mazzale havia feito uma proposta realmente promissora, o que podia explicar alguma coisa. De todas as formas, naqueles tempos, dificilmente mercenários ficavam sem trabalho. Mattia ter aceito foi algo realmente intrigante, pois guerras não são tão rentáveis quando se para pra pensar.

 A bíblia no computador de mão flutuando nos seus olhos, e o pensamento retornando a Carlos Andrade. Todos ali eram subalternos de alguém, mas ele, Versalhes, era inferior a quase todos. Um soldado condecorado com quase uma década de experiência. Antes, era tenente coronel de Mattia, o que não significava muita coisa: eram mercenários! Antes, já havia sido cabo Edeniano. Agora, um simples recruta, numa missão milionária, com algum dos soldados mais vulgares com quem já lutou na vida.

Mal sabe ele que a opinião de Magalhães era enviesada. O cara havia conversado com o papa, ela disse uma vez:

— Ele é simplesmente o membro mais ilustre dessa delegação, com chances reais de ser um superior de destaque ou alguém importante. Ficar contra ele é simplesmente loucura...

Mattia também havia comentado com Versalhes, sobre inveja ser um pecado amargo, mas Versalhes não se importou. Biancucci, por outro lado, havia concordado com Versalhes, dito que ele era realmente um homem estranho, lembrando das vésperas ao ataque da base Lúcio Antunes, quando escapou dez minutos antes por uma trilha que apenas ele tinha conhecimento, ignorando as batalhas uma por uma enquanto seus subalternos se fodiam na estrada Roma-abençoada.

— Mas — ela também confessou — ele parece ter um objetivo maior do que nós. E talvez justifique...

Que Versalhes discordasse, o que isso muda enfim? Carlos era um encantador de minhocas, e as pessoas haviam-no de admirá-lo pelos confusos sons de seus gravetos — um homem cujo sombreado era um mistério e que a dor e o desejo se dispersavam como pétalas contra o vento.

Versalhes não o enxergava, quando, deparando-se com os lotes de suprimento amarrados nas estranhas metálicas da nave, sua passagem breve e soturna desejara, pelos mais loucos princípios, suceder o íntimo desejo caótico interpretado pelos incertos símbolos que de despiam em sua mente.

Veja só, ele pensou, que patético é o homem que dorme, enquanto as caixas se desdobram em encanto e a imagem de Carlos naquela rede militar era um tanto quanto cômica. Ah! Se meu fuzil não estivesse perdido em uma dessas caixas, se minha faca não estivesse com o fio cego ou se meus dedos fossem lâminas para cortar sua jugular, que fim levaríamos — parado, o observando de soslaio, tendo certa repugnância.

Não imaginou, por outro lado, o repentino abrir daqueles latinos olhos, que, vendo repousar um estranho a sua frente, pareceu emitir tão logo o mesmo desejo assassino, rachando seu crânio em dois e abrindo-o tal como um livro, lendo toda pretensão de Versalhes, como se ele não passasse de um merda.

— Recruta... — Carlos disse. — Estou com sede e indisposto, será que você ainda consegue achar uma bebida para gente?

Não houve sorriso. Eles se perderam na resposta sem palavras de Versalhes, indo como o cão que era, buscar o que seu mestre pedia.

Patético, Magalhães observa Versalhes com o canto dos olhos — um sorriso. Ela também era parte do grupo mercenário de Mattia — a tártara Madonna — cuidando dos fracos, das sensíveis operações que demandava guerra. Versalhes observou-a também, de esguelha. Patético, parecia haver um eco entre os dois. Ela já havia te respeitado? O museu de sua memória era um vácuo. Degenerados. Magalhães sempre disse haver homem e filho te esperando em casa, mas já fazia tanto tempo que estava aos bélicos beliscos, que os campos além aurora e os oásis que flutuam ao longo do grande deserto continental marciano, parecem e antecipam a nova destruição do que chamamos de família — e Versalhes a viu mamar Mattia quando ainda estavam em campanha ao longo dos pântanos de Afrikanyer.

Fútil, esse era, por outro lado, o que se passava com Magalhães. E Vpppersalhes não saberia (como ele poderia?), por exemplo, saber o quanto as pessoas o consideravam fútil. Magalhães, Pérez, Lykaios, Bacci, o próprio Mattia tinham para si essa percepção. Um homem fútil, sem objetivo que não seja o massacre.

Uma história antiga, que começava não em Afrikanyer, mas ao norte do quadrângulo de Noachis. Um acampamento no coração da selva da antiga fábrica de gases número um, escondia tártaros sedentos e esguios, a trabalho de Roma, onde buscavam informações tecnológicas referentes a recomposição química do solo, através da biosfera.

Versalhes, segundo em comando, foi atribuído para rastrear um grupo de cientistas escoltados mata adentro por soldados do ministério de terraformação de Marte.

O grupo, na época, era formado por 17 soldados, dos quais dez eram recrutas recém iniciados, parentes basicamente dos mais antigos, como de Pérez e Lykaios. Versalhes não tinha parentes que se destacassem, então não faria sentido a recomendação de um ou outro; por mais que, observando, esse foi um jeito de fazer os oficiais se sentirem bem, mesmo estando tão longe de casa.

Lykaios e Pérez eram sargentos-coronéis, sendo responsáveis principalmente por estratégias de assalto e demolição. Magalhães era da equipe médica. Haviam outros oficiais..., mas eles morreram. A operação foi um fracasso completo, culpa, em parte, da falsa informação atribuída a geografia da área, e um dossiê confuso. Mattia foi responsável por conseguir um plano de fuga, antes que as tropas do UHD acabassem com a operação clandestina. Mais de dez mortos sobrevoaria seus sonhos, entretanto, além de um alvo nas costas. Estavam marcados. Talvez esse fosse mais um dos motivos de Mattia ter aceito esse projeto de Enrico Mazzale. Mas esse não é o ponto.

Fútil... Magalhães ainda lembra. O cenário das montanhas e vales, a água, a chuva que não parava de cair.

O acampamento era constituído de tendas vedadas equipadas com torres satélite e equipamento de interferência. Ao final, restou galhos e pedras, grama e muda.

Fugiram na calada da noite, quando os primeiros passos foram ouvidos, e o sistema de defesa acionou silencioso, no chip instalado na nuca de Mattia, o bastardo eletrônico; o herege que negara a própria carne.

Sem avisar os subalternos, fugiram os tártaros montanha a dentro, retornando como covardes, para o seio de Marte.

Lutaram contra a culpa, enviaram e-mails informando sobre o falecimento e que eles haviam lutado como corajosos soldados.

Fútil. Magalhães perguntou de quem poderia ter sido aquele plano.

— Versalhes. Mas também tenho minha culpa... talvez eu seja... não sei... vamos dizer que eu sou um filho da puta... o que você acha?

Versalhes trouxe a água de Carlos que, acordado e ciente, viu uma espuma cobrir a parte superior do líquido, boiando tranquilamente, como algodão acumulado em um silo. Seus olhos eram maravilhosos, mas uma dúvida pairou.

— Você cuspiu no meu copo, recruta?

Ele tentou imaginar outra coisa, mas não conseguia pensar. O copo era de plástico, transparente, e claramente aquela torpe espuma, aquela diminuta, era o que era, sendo denunciado mesmo pelos resíduos que languidamente flutuavam, aquele filete desajustado que lentamente descobria ser mais pesado que a água.

Versalhes franziu o cenho. Que porra ele está falando? Não percebeu, por outro lado, a íris se tornar mais intensa, mais castanha, de apenas um dos olhos, nem o movimento possesso da esclera e a lente que recuava para observar tantos detalhes, detalhes quase moleculares.

Suando frio, ele pensou em uma resposta, mas ficou calado enquanto Carlos friamente analisava o copo, com certo desgosto.

— Eu realmente vou ter que me acostumar com isso. — e bebeu a água.

Versalhes soltou um sorriso sem jeito e se foi. Seu passo quase vacilou no compartimento de carga. Ele realmente cuspiu no copo. Que gracinha mais perturbadora. O que Carlos teria feito se tivesse descoberto? Ele não sabia que gênero de humor tem um soldado estranho como este, mas em campo, já viu gente se matar por menos.

Hans, com seu rosto enfaixado, passou por Versalhes, e com um sorriso de lábios descascados, disse para que este reunisse os outros. Haveria uma reunião no cockpit da nave. Magalhães já estava lá, assim como Pérez, Lykaios e Bacci. Falta quem?

— O cabo Andrade ainda dorme?

— Não mais.

— Chama ele para mim, recruta.

Mais um líder, Versalhes pensou. Que fim é esse, o meu.

— Conforme as ordens...

Carlos, sentado, observando a própria mão como se drogado — tendo um devaneio esquisito, onde descobria além do corpo aquilo que é indescritível. Versalhes se aproximando, que babaca. Ficou pensando: que homem patético. Como pode, se escorar em navalhas enquanto teme pisar em ovos. O indescritível, ele descobria — suas mãos enrugadas, camadas rachadas sobre pelos, poeira e gordura. Uma imundícia. Disse a Versalhes:

— Uma imundícia.

E de cara fechada, saiu da sua rede, seguindo aos trôpegos até o cockpit da nave, onde uma mesa repousava junto de bancos duro de plástico. O cenário mais parecido com a sala moderna de uma casa apertada. Bancadas com lanches e café do outro lado, e um armário com suprimentos, além de uma tela holográfica onde deveria ficar a janela do piloto. Um erro de design? Não exatamente. Soldados ficam ansiosos com o mundo caiado das proximidades estratosférica.

Hans estava lá, impassível, com seu uniforme de tenente todo engomado, sem um amarrotado, fiapo ou amassado. A arma na cintura, repousava, quase como se ele pudesse dá um tiro de aviso.

Carlos não estava ansioso, entretanto.

— Senhor...

— Se senta, soldado. Eu tenho boas notícias, tanto para mim, quanto para você.

Boas notícias, nesse lado do mundo? Carlos pensou. A panorâmica do cockpit eram de nuvens acinzentando-se lentamente abaixo e o anel de Deimos brilhando contra o sol acima. As cenas no console holográfico passando, sendo um tanto quanto parecido daqueles que flutuavam pela sua cabeça. Que boas notícias passariam despercebidas dessa forma?

Hans tirou de dentro da gabardina, uma carta rente ao peito, lacrada com uma fita e cera derretida, cuja a inscrição Edeniana pareceu um pouco mais suja, naquela luz, com aqueles olhos.

— “Saudações de Cristo, aos detentores da espada da justiça, uma mensagem profética que os acompanhe, e que se perdoem dos pecados dos outros” — Assim se introduz sua carta de promoção. — “Para Hans Reiter, sobre o Cabo formado na finda base Adriática, Carlos Andrade de Sávia, filho do tenente Alexandre Augusto de Sávia, descendente da décima quinta geração da família Sávia, do Patriarca Fernando Felipe de Sávia, naturalizado Francês, mas nascido em Portugal” — Não faço ideia que porra é essa, mas eles vão fundo assim mesmo. Se tu fosse uma réplica, morreria recruta. — “Por reconhecimento dos seus esforços em combate, do seu conhecimento técnico e da pessoa abençoada que vemos se tornar, o exército da união cristã eclesiástica reconhece a promoção de patente outorgada pelo General da brigada Latina, Enrico Mazzale. Agora você é um subtenente da tropa técnica auxiliar. Que a graça do Senhor o acompanhe!”

Terminada a leitura, Hans jogou pela mesa um broche e disse que agora era oficial.

— Você subiu 3 patentes de uma vez, isso é raro. Não em tempos de guerra, onde oficiais morrem o tempo inteiro. Mas para alguém tão longe dos holofotes, você até que tá indo bem.

Carlos pegou o broche com as mãos e ficou admirando: era uma bandeira de um tecido branco, com um ramo de 4 folhas. No uniforme de Hans, reparou que o broche também era uma bandeira, mas com uma árvore. Era um tanto quanto cômico, mas se atentou a outro detalhe.

— Eles estão organizando essa bagunça, não é? Imagino que Lykaios e Pérez devam ser sargentos agora, Versalhes um cabo? Ou será um terceiro-sargento. Mais do que na hora, não acha? Vê-los ser tratados como recrutas nas bases era um pé no saco, principalmente por sentir faltar nesse grupo uma ousadia... parece que eles sempre precisam se manter baixo no radar, como se não fossem daqui, ou se qualquer atenção os deixasse alerta contra seus próprios pares.

Hans riu.

— Acha que eles são infiltrados?

— Meh, se o UHD tivesse uma inteligência tão boa, já teriam quebrado a cortina de ferro de Eden. Não, eles são mercenários. E mercenários foragidos. Isso está na cara desde Roma, mas não pensei que poríamos a mão no fogo assim: trabalhar com mercenários sempre trás risco extrajudiciais. Mas bem: é melhor do que ter seu próprio exército responsável por crimes contra a humanidade, não acha?

Hans tirou um charuto de uma caixa posicionada entre computadores móveis e discos biológicos de baixa frequência.

— Se for ficar falando de teorias da conspiração, pelo menos me acompanha. Deve ter um Bourbon em algum lugar dessa nave.

Carlos olhou Hans. Os exaustores da nave baforavam o charuto junto deles, que se encaravam, encaravam o fumo e a bebida.

— Eu acredito em você. — Hans disse. — Ele pode não se lembrar, mas Giancarlo Mattia já era um soldado ilustre assim que integrei o quadro no exército Pontifício e o reconheço desde que participamos de uma operação naquela época, da primeira entente das nações livres no quadrângulo de Arabia Terra. Foi a primeira vez que vi de perto o exército do UHD e sendo sincero, parece que foi ontem — aquela poeira sendo levantada pelo vento rasante das nossas naves de ataque, o cheiro metálico das bombas de firanamina e da pólvora ionizada, o eriçar de meus pelos dentro dos escudos PEM. A guerra não mudou nada desde então, nem um milímetro. E parece que mais uma vez iremos perder. Giancarlo ter se tornado um mercenário foi bem lógico. A guerra do Mar de Terra Arabia quebrou a crença e a união que tínhamos, e países antes esquecidos, simples sítios de punheta étnica de famílias poderosas, comeram porções inteiras de terra. Estamos em 784, a última guerra terminou em 765, ultima vez que lutamos com o UHD foi em 745 e agora, tudo de novo. Isso nunca muda.

O prazer do lento tragar após um gole apimentado do Bourbon, tinha traços de um tiro no peito e outro no estômago. Seu rosto inalterado, Hans o observa, parecia de um homem bem mais maduro do que se revela.

—  A história geopolítica é assim mesmo, muitos interesses para um mundo tão pequeno. O UHD não precisou avançar tecnologicamente para disputar esse pedaço de terra, vocês sim. Manter uma guerra, nem que fosse entre vocês mesmo, o força ao investimento, o força à coesão moral, força o homem a se submeter ao seu Estado, às suas ideias.

Hans tomou um gole profundo, e reencheu os dois copos, sem gelo.

— Eu sou de Roma, como você. Mas me transferi para o exército pontifício ao final da guerra. 19 anos se passam, e cá estou eu, lutando ao lado de Romanos.

— Pensei que fôssemos irmãos de armas.

—  Nós, católicos, somos neutros. Vocês, católicos e romanos, são malucos. Genoa foi um preço muito pequeno por todo estardalhaço que fizeram na fronteira.

Carlos riu. Que conversa esquisita. Dois homens se perdendo em álcool em conversas fúteis. O rosto de Hans, enfaixado, pareceu dá deslumbres de uma época jovem, uma época bela.

Um momento, a terra parece ser pisoteada com força. Sua expressão muda, seus olhos parecem se atentar ao nada. Um processador biológico também, embutido no seu crânio? Que engraçado, talvez tivesse que tomar mais cuidado. Mas sua expressão é feia, seus olhos azuis parecem varrer a alma de Carlos e seu ímpeto ao levantar marca o vácuo de uma corrida de carros.

E sentado ali, estacionado, vendo os hologramas surgirem em pleno ar, entendeu, se levantando lentamente, bebendo num só gole aquele uísque amargo, o charuto sendo tragado lento, e vagorosamente, para inveja de Versalhes, primeiro a chegar, e para surpresa de Magalhães e Lykaios, que pediu um trago.

Agrupados na cabine de comando da nave, apertados no sofá embutido e acolchoado por plástico duro, sentiram aqueles que não estavam ali antes, a estranheza. Hans pareceu inexpressivo enquanto o dispositivo holográfico era lido por ele, devagar. Foram pouco mais de dez segundos, tempo suficiente para a estranheza dar lugar a uma ansiedade sufocante. Na mão do tenente Reiter, um medo esquisito — medo de nem sequer ser um herói? Oito soldados ansiosos observam seu capitão tremer — o que o console e os hologramas expõe? Medo? Não, todos os sentimentos deram lugar para pânico generalizado. O que dizer, o que gritar? Pulmões se enchem de ar, impotentes, mas o oxigênio está preso e os olhos parecem tatear o que for, qualquer salvação que estiver disponível. Hans quebra o silêncio, como se estivesse solto de amarras pesadas e fixas em seu corpo. Ele olha seus soldados:

— Levítica foi invadida...

Um pigarro no fundo da garganta reintroduz o silêncio, tão logo cenas holográficas e textos densos, com sessões enegrecidas de censura, se mostravam sem fim às costas de seu tenente.

Calmo, sereno como aquele céu branco de nuvens enegrecendo. Ele continua:

— Tropas terrestres aproveitaram a passagem do vale dos Iorubas e o apoio logístico de Afrikanyer, para invadir a planície de Hellas pela Eclese de Levítica. Um ataque coordenado contra as bases do exército e aeronáutica na fronteira, trouxe as tropas Levíticas a um recuo estratégico até os morros de Grifitas, onde a décima segunda base Levítica, Andrew Argo, se encontra guarnecida com cem mil homens. Nós estamos dando meia volta, pois, aparentemente, essa rota se encontra comprometida, assim como os canais de comunicação. Não sei se vocês conseguem entender, mas pelo que foi recebido, possivelmente já estamos marcados por profana. Um apoio aéreo nos encontrará no ponto médio das seguintes coordenadas enviadas aos seus computadores de mão, mas a mensagem foi descriptografada. Já nos consideram mortos.

O tenente mantinha uma compostura ímpar, apesar de ter sido breve na fala, o que talvez tenha sido pior — os rostos empalideceram por completo.

— Vamos esconder a nave dos radares então. Dirigi-la manualmente...

Todos olharam Carlos como se assustados. Que pretensão..., Versalhes pensou.

— Essa é uma nave de carga Austrelis A-721, não tem como pilotar manualmente! A I.A responsável é integrada diretamente ao sistema logístico do ministério de defesa Edeniano.

Hans observou quieto, enquanto Versalhes respondia de forma desanimada.

— Nós podemos trabalhar nisso, na I.A. Não quero parecer ter todas as soluções, mas até onde sei, o sistema de inteligência que coordena a nave trabalha com três consciências distintas, fazendo a ponte entre o servidor alocado, o input do centro de comando, e o sistema de inteligência local, o Sis Loc, que pode ser manipulado através de falseamento de dados.

Apesar de toda a tensão, Hans riu. Quer dizer, ele deu uma das gargalhadas mais sincera de toda sua vida. Ele poderia se acabar de rir. Foi macabro para os soldados que o tinham em destaque, pois aquele rosto encharcado de suor e talas, junto dos olhos azuis e dentes amarelados, o fez parecer como um fantasma macabro, rindo dos vivos que caminham em direção a morte.

— Você é burro ou é viado! — Ele disse, ainda rindo como se estivesse se deparado com Camus e ele lhe dito que ainda não era tão absurdo. — Você quer falsear dados nos instrumentos, em tempo real, enquanto caçado por profana? Existe um motivo pelo qual os chamamos assim: é uma aberração da natureza, uma degeneração tecnológica! E você quer falsear dados? Nunca, em cem anos, abatemos uma nave, não importa os meios, mecanismos, armas. Estamos quatrocentos anos atrás em tecnologia. É o único motor movido a combustão de antimatéria concebido de forma segura na história da humanidade. Os caras conseguem atingir mach 4 em 4 caralhos de segundos, independente da direção. Sabe o que é isso? Velocidade hipersônica com uma manobrabilidade invejável, conseguindo ignorar milhares de toneladas de força G pela porra do motor ser fundamentado em um princípio que não entendemos e que dificilmente vamos entender. Aliás, você não acha um absurdo uma inteligência artificial coordenar ataques e movimentos nos nossos territórios a mais de cem anos e nunca termos descoberto? Não parece que é uma mentira desmedida? Me diga, seu filho da puta! Você acha que eu não pensei em falsear dados! Que eu não pensei que teríamos uma chance de escaparmos se fizéssemos alguma coisa!

Hans agarrou Carlos pelo colarinho da farda de forma abrupta. Seus olhos azuis agora tinham tons avermelhados e a faixa que cobria seu rosto, parecia se desenrolar como se uma mão invisível revelasse a verdade...

— Você prefere morrer agora? Covarde do caralho!

...seu rosto marcado por centelhas acesas de chamas imperturbáveis — sua tez acobreada, esburacada, marcada por cicatrizes de enxerto e protuberâncias inflamadas, além de tufos de cabelo sendo partidos por mais cicatrizes e marcas. Ele se sentia um homem feio por dentro e por fora. Carlos tirou aquelas mãos do seu colarinho e o empurrou. O restante da equipe, totalmente desconcertada com a cena, mas não interferiram. Apenas se viu as costas de Carlos deixar a cabine, indo em alguma direção incerta.

Hans, cujo parecia ainda mais furioso, o seguiu em ímpeto, depois de tomar algum ar. Havia alguma coisa de errado — os sistemas apitam, hologramas surgem pelos corredores. Tudo é vermelho, de repente.

Os olhos de Pérez, negros, castanhos, se surpreende com a velocidade que Carlos e Lykaios trocam suas vestes pelo traje de alótropo de carbono e o sistema integrado. Um minuto, diz a inteligência artificial num tom sem vida: um minuto para o impacto.

Seguiam Carlos: o tenente Hans Reiter, com certa raiva; Lykaios, que até então o confiava parte de sua vida; Pérez que sentia algum valor nele e Versalhes junto a Bacci. As meninas sentiam-se inseguras e, com a dificuldade na troca dos trajes, preferiram se sentar nos bancos de despacho, esperando o fim inevitável — lá, elas pensaram, pelo menos ainda temos alguma chance.

Na sala de comando, Carlos desencaixou a tampa que escondia as entradas do Sis Loc, conectando um cabo de rede IM-SW4, ao dispositivo computadorizado do traje. Ali, ele aproveitou a abertura e a tensão, além do disfarce de todo o proceder, e passou a falsear os dados em tempo real, usando a CPU biológica instalada profundamente na massa cinzenta da sua cabeça. A parte mais complicada foi não entrar em hiper foco, falseando informações chaves no computador de pulso, enquanto ajustava milímetros de dados no computador biológico.

Surpreenderam-se agora Hans e Lykaios, vendo a nave cair languidamente, e entrar no meio das espessas nuvens negras como piche no meio do deserto magmático de Levítica.

Foi quando se escutou no horizonte as primeiras explosões. Antunes, que rezava sentado do lado das meninas e do Cabo Giancarlo Mattia, segurou fortemente suas mãos, de modo a fazê-las sangrar. Lykaios e Hans voaram pela sala com a turbulência da onda de choque. Carlos ainda firme no falseamento de dados, talvez tenha pulado, talvez tenha se movido de algum modo, se apoiando na mesa, se agarrando a ela com toda força de suas falanges; cada vez mais parecendo estar num transe.

Vamos todos morrer, escutou alguém gritar pelo corredor. Não hoje, não hoje, era a voz de Pérez quem trazia essas notas adocicadas.

E até quando feixes como relâmpagos se precipitavam, e depois feixes como o puro poder do sol cortava nuvens como manteiga, sua voz permaneceu meiga, amanteigada, indo em direção as meninas, onde as ajudou pôr as máscaras de oxigenação e aprontar os paraquedas das cadeiras ejetáveis.

— Canhões de Antipartículas, estão vindo com tudo pelo sul! — Hans tinha pego uma cadeira, analisando os dados dos hologramas. — Estamos perdendo altitude! Se preparem para pular!

Outros três mísseis foram disparados, mas se perderam na interferência da tempestade, criando ondas de choque que fez toda nave de carga tremer e ressoar. Os tambores do inferno, alguém pensa. O inferno de antipartículas primárias e o seu negro brio num céu iluminado pelos apolíneos tambores a Ares, ou no seu início, a guerra, ou nos seu póstumo civilizado: Marte!

Ora Lykaios, Reiter pensou: Ora, Carlos... rezem aos seus deuses pagãos, rezem! Faça um favor a todos os cristãos entristecidos, ao mulçumano caridoso! Honrem sua herança genética, sacrifiquem seus primogênitos! Me faça sair dessa merda, salve minha bunda cicatrizada!

O solo igualmente negro tinha um gelar em cuja espinha dos da cabine do cockpit não souberam interpretar, mas que entenderam ao ver o míssil e suas faíscas azuis passar pela lateral e zunir na distância antes de explodir e sua onda de choque mover cabelos suados de pânico — a porta de carga se abriu revelando nuvens de poeira e palmeiras como pequenos homens de cabelos cacheados, atormentados pelo ar de uma tempestade e as marcas do impacto dos feixes de antipartículas. Deveríamos pular? A cauda da nave se ergue e o nariz narra desejos suicidas e misantropos. Quantos metros do chão? Onde tá a porra do Altímetro (A sargento Biancucci não queria que esses fossem seus últimos pensamentos)!

Se jogaram em pleno ar: Magalhães, Biancucci, Antunes e Versalhes e Bacci. Ficaram na nave com Carlos Andrade: Hans Reiter, Lykaios, Mattia e Pérez.

A nave pousou suavemente, depois de um tranco angular de quase sessenta graus em queda livre, escorregando nas areias do deserto, até se chocar com um par de palmeiras e rocha magmática.

Os soldados no cockpit não estavam seguramente postos, tendo sentido todo o impacto e voado corredor afora. Carlos bateu a cabeça, mas manteve-se consciente, apesar de zonzo. Hans, entretanto, conseguiu se segurar bem e verificou, assim que tomou conta dos arredores, os seus soldados esparramados pelos corredores bagunçados e com fios caídos e partes móveis jogadas a esmo.

Por sorte, a aterrissagem ainda foi mais suave que explodir em pleno ar, e o traje também tinha um valor imenso, não deixando marcas além de luxações no cabo Mattia e um galo na cabeça do recém promovido, subtenente Andrade.

— Eu não acredito nessa merda! — Lykaios começou a gritar, na presença daquele céu que, tal o solo, se tornou pura escuridão com as nuvens de tempestade e areia. — Saímos vivos... saímos mesmo vivos?!Puta que pariu! Eu poderia te beijar, seu filho duma puta, você não tem ideia do quanto eu te amo! Arrombado do caralho, seu cuzão, seu...! Filho da puta!!!

Quando Lykaios viu Carlos nos braços de Hans, se apressou em abraça-lo com toda sua força e o ajudou a ficar de pé, a se endireitar.

— Saímos vivos! Saímos vivos dessa porra! Você não tem noção, não tem ideia! Nós saímos vivos porra!

No céu, profana disparava seus raios contra o deserto, mas não adiantou de muita coisa. A tempestade cresce, e as primeiras gotas de chuva molham as negras rochas que pareciam subir aos céus.

— Nós vencemos seus filhos da puta!

O rosto de Hans estava sem faixa. Carlos tinha um sorriso, mas estava grogue. Disse no ouvido dele, se havíamos chego em Levita... Pérez riu.



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